As mudanças climáticas representam hoje um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade. Uma das suas principais causas é o aumento dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Os GEE absorvem parte da radiação solar que seria irradiada de volta ao espaço, mantendo o planeta aquecido. Esse processo de aquecimento natural do planeta vem se acentuando, justamente pelo aumento de GEE na atmosfera em função das ações antrópicas.
A acentuação do efeito estufa leva ao aumento da temperatura média do planeta, o que chamamos de aquecimento global. Dentre os GEE, o dióxido de carbono (CO₂) se destaca, em virtude da grande quantidade de emissões desse gás pelas ações do homem.
O aumento de CO₂ na atmosfera está relacionado principalmente com a queima de combustíveis fósseis, além das queimadas de florestas e atividades industriais. De acordo com modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2100, o planeta poderá ter um aumento na sua temperatura média de até 4.2 °C em relação ao período pré-industrial. Além disso, já se fala que, mantendo os níveis de emissões atuais, o aumento de 1.5 °C será observado já em 2032.
Agenda Internacional de Combate às Mudanças Climáticas
A preocupação com o futuro do clima tem mobilizado diversos setores da sociedade nas últimas décadas e criado uma agenda de combate e mitigação das mudanças climáticas. Nesse sentido, alguns marcos importantes são a criação, em 1988, no âmbito das Nações Unidas, do IPCC; a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), em 1994; e a realização do Protocolo de Quioto, em 1997. Esse último tem especial relevância por estabelecer metas de redução certificada de emissão de GEE para os países signatários do Protocolo. A saber, calcula-se a redução certificada de emissões em toneladas de CO₂, sendo 1(uma) Redução Certificada de Emissões (RCE ou CER, ou ainda “crédito de carbono”) = 1(uma) tonelada de CO₂ removida da atmosfera ou evitada.
A certificação e registro das RCE seguem rigorosos padrões internacionais. Para o atendimento das metas, o Protocolo estabeleceu três mecanismos inovadores, conhecidos como Comércio de Emissões, Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Esses três mecanismos juntos representam o berço do mercado regulado de carbono. Os dois primeiros são exclusivos dos países “desenvolvidos”/industrializados que possuem metas obrigatórias, não incluindo, portanto, o Brasil.
O Mercado Regulado de Carbono
O Comércio de Emissões é um sistema global de compra e venda de RCEs, baseado no esquema de mercado “cap-and-trade“. Este mercado designa um mecanismo que cria tetos para as emissões de GEE de um determinado setor ou grupo. Com base nos tetos estabelecidos, estipula-se as permissões de emissão e cada participante do esquema determina como cumprirá esses tetos. Ademais, aqueles países (ou empresas) que conseguem emitir menos do que foi estabelecido, podem vender o excedente àqueles que não conseguiram ou não quiseram limitar suas emissões ao número de cotas que tinham.
A participação de países em desenvolvimento se dá no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Por meio do MDL, países em desenvolvimento podem implementar projetos que contribuam para a sustentabilidade e apresentem uma redução ou captura de emissões de gases causadores do efeito estufa, obtendo como resultado as RCEs. Dessa maneira, as RCEs emitidas pelo Conselho Executivo do MDL podem ser negociadas como “créditos” no mercado global.
Os MDL incluem, dentre outros projetos (fontes renováveis e alternativas de energia; eficiência e conservação de energia), projetos de reflorestamento. Estes projetos, no âmbito do MDL, se justificam dada à capacidade intrínseca das florestas sequestrarem CO₂ atmosférico no processo de fotossíntese. Assim, cada tonelada de CO₂ sequestrada/estocada na floresta equivale a 1 (um) crédito de carbono, vendidos com “offsets” no mercado de carbono. Todavia, o processo de certificação de carbono em florestas é rigoroso, seguindo princípios de adicionalidade, permanência, proibição de dupla contagem, elegibilidade e integridade social.
O Acordo de Paris: Novos Arranjos Para o Comércio de Emissões
Em 2015, aconteceu outro marco na agenda do combate às mudanças climáticas, o Acordo de Paris. Nele, países se comprometeram a reduzir emissões para conter o aquecimento global, com metas próprias (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, NDCs). A saber, na oportunidade também criou-se novos instrumentos para o mercado de carbono. Como resultado, o Artigo 6 do Acordo de Paris prevê a cooperação entre os países para cumprir suas NDCs. Para isso, utiliza-se um instrumento que determina que os países poderão transferir entre si os seus “resultados de mitigação” ou Internationally Transferred Mitigation Outcomes (ITMO). Isso significa que os países poderão realizar parcerias para conjuntamente promover iniciativas que reduzam emissões ou removam GEE, e assim gerar ITMOs.
Nesse contexto, os resultados de mitigação que podem ser transferidos de um país para outro podem ser entendidos como excedentes das NDCs. Tais ITMOs podem ser utilizados para demonstrar o cumprimento da NDC do país que os recebe, e devem ser descontados quando da apresentação do balanço de emissões e prestação de contas sobre cumprimento da NDC do país que os transfere.
Ademais, no Acordo de Paris, o papel das florestas na mitigação das mudanças climáticas é exaltado (“importância de conservar e melhorar reservatórios e sumidouros de carbono, como as florestas”). Nessa ocasião, o Brasil sinalizou um compromisso audacioso de redução de emissões absolutas, e de zerar o desmatamento ilegal em 2030.
O Mercado Voluntário de Carbono
Para além dos limites e regulações do mercado de carbono (no âmbito das Nações Unidas), existe também um mercado voluntário de carbono. Neste mercado, empresas, ONGs, instituições, governos ou mesmo cidadãos tomam a iniciativa de reduzir suas emissões voluntariamente. Os créditos podem ser gerados em qualquer lugar do mundo e são auditados por uma entidade independente do sistema. Assim, mesmo não possuindo metas obrigatórias de redução de emissões, países, empresas e indivíduos podem compensar suas emissões, fazendo transações no mercado voluntário.
Em especial, muitas empresas têm buscado o mercado voluntário de carbono, almejando rótulos de “empresa neutra”, “net zero”, “carbono neutro”, “economia de baixo carbono” e “ESG”. Assim, as vantagens desses rótulos estão relacionadas principalmente ao marketing positivo e preparo para possíveis regulamentações ambientais. No mercado voluntário, em vez de NDC, existem as reduções voluntárias de emissão (VER) que, apesar de certificadas, não valem como meta para os países que fazem parte do acordo internacional. Portanto, o mercado voluntário é mais flexível, podendo abranger projetos com estruturas ainda não formalmente incorporadas pelo mercado regulado, como iniciativas de REDD+.
REDD+
Do inglês Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation, ou redução de emissões oriundas do desmatamento e degradação de florestas (“+” ganhos sociais e para a biodiversidade ocorridos durante o desenvolvimento do projeto), são projetos que têm como objetivo evitar o desmatamento de florestas. Além disso, por meio de uma metodologia certificada, visam gerar créditos de carbono que permitem remunerar aqueles que mantém as florestas em pé e investir no desenvolvimento das comunidades locais. Essa premissa é promissora, uma vez que a redução do desmatamento é uma das opções mais eficazes e de melhor “custo-benefício” para mitigação das mudanças climáticas. A implementação de um projeto de REDD+ envolve, grosso modo, as etapas de:
- Identificação de uma área que está sendo desmatada ou que está correndo riscos de desmatamento;
- Elaboração de um projeto de proteção ou interrupção do desmatamento, proteção da biodiversidade e envolvimento da comunidade local no processo;
- Monitoramento constante da área para assegurar que o desmatamento está sendo combatido e que as emissões estão sendo evitadas;
- Levantamento das emissões evitadas e conversão para créditos de carbono, que podem ser comprados por empresas e pessoas físicas que buscam neutralizar suas emissões.
Regulamentação do Mercado de Carbono
Discussões sobre a regulamentação do mercado de carbono fazem parte das Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro da ONU sobre mudanças climáticas desde a assinatura do Protocolo de Quioto em 1997. Desde a primeira COP, as metodologias de certificação e os mecanismos de transação dos créditos de carbono evoluíram. No entanto, ainda não existe consenso político para criar um mercado global real. Enquanto não se estabelece um mercado regulado global de mitigação e redução de emissões de GEE atrelado às Contribuições Nacionalmente Determinadas, consolidam-se mercados de carbono regulamentados em nível regional (como da União Europeia), nacional (como a China) e subnacional (como o da Califórina). Ademais, a entrada do REDD+ como instrumento no mercado regulado será pauta de discussão este ano, na COP-27.
No Brasil, o governo federal publicou em 19/05/2022 o Decreto n.º 11.075. O documento estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Em outras palavras, a medida instituiu um mercado regulado de carbono, com foco em exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono. Alguns especialistas têm visto nesse Decreto a chance real de viabilização do cumprimento da NDC do Brasil e uma oportunidade de ajudar outros países a cumprirem suas NDCs.
Florestas: “minas de ouro” em créditos de carbono
Soluções que harmonizem lucro e redução de emissões de carbono são cruciais para o fim da dicotomia entre economia e meio ambiente. O setor privado tem assumido o protagonismo e muitas empresas têm se comprometido com a redução e a neutralização de emissões nas próximas décadas. Vamos, então, ver um aumento substancial na demanda por créditos de carbono, em especial os oriundos de projetos florestais e de agricultura.
As florestas, além do papel crucial na provisão de inúmeros serviços ecossistêmicos fundamentais para a humanidade, assumem agora um papel mercadológico importante e estratégico, com serviços – sequestro e estocagem de carbono – precificados e valiosos, com impacto direto na economia mundial. Nesse contexto, projetos de reflorestamento, manejo e restauração florestal podem ser “minas de ouro” em créditos de carbono.
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