Em 2021, uma curiosa manchete chamou a atenção da sociedade civil: a obra para aumentar a faixa de areia da Praia Central de Balneário Camboriú. É de se entender que uma intervenção tão drástica na paisagem local fosse causar tamanha estranheza e preocupação, principalmente quando se pensa nos prováveis impactos ambientais decorrentes desta intervenção. Mas afinal, quais são os principais aspectos por trás do alargamento da praia em Balneário Camboriú? Qual o cenário atual?
Contextualizando: quais aspectos levaram a esta obra?
Balneário Camboriú é uma cidade localizada no Litoral Centro-Norte de Santa Catarina, sendo famosa pelos exuberantes prédios à beira-mar. O município cresceu em torno do turismo (“Capital Catarinense do Turismo”) e sofreu intensa urbanização de forma não planejada.
Desde a década de 70 se discute na região o alargamento da faixa de areia da praia. Contudo, na época não se levou a ideia adiante por falta de tecnologia. No final da década de 80, o tema voltou aos holofotes devido aos efeitos das ressacas que cobriam a avenida, bem como em função do aumento das construções. Em 2001, a população local se mostrou favorável ao alargamento, por meio de um plebiscito. No entanto, somente no ano de 2019 que se publicou o edital para a recuperação da faixa de areia.
O licenciamento ambiental para a obra
Para uma obra de engenharia dessa complexidade se faz necessária a elaboração de estudos prévios, bem como a elaboração de projeto construtivo que inclua custos de implantação e de manutenção, disponibilidade de materiais, a durabilidade e os impactos ambientais.
Em dezembro de 2020, aprovou-se a Licença Ambiental de Instalação (LAI) para as obras de alargamento da praia de Balneário Camboriú por meio da Comissão Central de Licenciamento Ambiental do Instituto do Meio Ambiente (IMA).
A saber, para este tipo de intervenção é obrigatória a realização do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), previamente à obra, durante e após a sua conclusão.
Segundo a Secretaria do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, uma equipe formada por profissionais multidisciplinares realizou o levantamento dos impactos ambientais dessa obra, estudos estes iniciados no ano de 2012.
Como o alargamento é feito?
O alargamento da praia, ou engorda artificial, consiste no aumento da faixa de areia por meio da construção de um aterro com areia nova. Contudo, faz-se necessário que esta areia contenha as mesmas características da areia original, como: tamanho, densidade e granulometria.
Em suma, pode-se inferir que o alargamento consiste em uma alternativa de proteção costeira, recompondo um ambiente natural que foi erodido.
As obras na Praia Central de Balneário Camboriú se iniciaram em março de 2021, com a chegada dos tubos que transportam a areia removida, por meio de uma draga, até a orla da praia.
A draga é uma embarcação que remove o material do mar, para posterior uso no aumento da faixa de areia. No caso da obra em Balneário Camboriú, removeu-se a areia de uma jazida, que fica localizada a 15 km da costa.
Simplificadamente, o processo de alargamento da faixa de areia na praia de Balneário Camboriú se deu da seguinte forma:
- Ao longo da orla foram soldados 2,2 km de tubos;
- Finalizada a etapa anterior, uma das pontas foi puxada por um rebocador mar à dentro, formando, portanto, um duto que transporta areia da draga até a orla da praia;
- A draga, com a areia retirada da jazida, impulsiona o material removido por meio dos canos, até chegar na orla: preenchendo e aumentando a faixa de areia.
O alargamento da faixa de areia na Praia Central
O alargamento teve como finalidade aumentar de 25 para 70 metros a faixa de areia na Praia Central.
Segundo a prefeitura, os objetivos para se proceder com esta obra foram: aumentar a proteção da orla do avanço das marés, proporcionar os espaços ao ar livre para esporte, lazer e ciclovia, além da criação de locais para moradores e visitantes.
Ainda, segundo a Secretaria do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, a obra não teve como objetivo resolver a questão do sombreamento causado pelos prédios, e sim, permitir que se reestruture a costa e se recupere a vegetação de restinga.
O que são as áreas de restinga?
Áreas de restinga são compostas por vegetais que recebem influência direta das águas do mar, desenvolvendo-se em solos arenosos. Portanto, estas vegetações se localizam próximas às faixas de areia das praias, local comumente impactado pela ação humana devido à construção civil, dentre outros.
A preservação das áreas de restinga auxilia na retenção e prevenção do avanço do mar em direção às áreas urbanas. Assim, o plantio desta vegetação permite uma contenção do efeito erosivo, além de atuar na estocagem de carbono.
Outros exemplos de alargamento de praia
Alargamentos de praias são mais comuns do que se imagina! Confira alguns exemplos:
• Praia de Copacabana (Rio de Janeiro): realizada na década de 70, sendo uma das primeiras obras do tipo executadas no Brasil. O alargamento foi de 80 metros e por muitos anos a praia ficou a salvo de grandes inundações devido às ressacas e marés altas. No entanto, nos últimos anos, as ressacas voltaram a encobrir a faixa de areia, voltando a ameaçar as construções mais próximas;
• Praia de Piçarras (Santa Catarina): a primeira obra foi realizada em 1999, a segunda em 2008 e a última em 2012. Apesar da realização de algumas manutenções, a maré alta continuou destruindo parte da orla. Atualmente, a obra está na sua quarta versão de manutenção, etapa essencial para o sucesso desse tipo de obra de engenharia;
• Praia de Canasvieiras (Santa Catarina): a obra realizada no norte da ilha de Florianópolis foi finalizada no início de 2020, com incremento na faixa de areia em 40 metros.
Prováveis impactos ambientais do alargamento da praia em Balneário
Os primeiros impactos gerais já foram sentidos desde o início da obra: ruídos causados pelo trabalho em si e plumas de sedimentos, impactos estes considerados temporários.
No entanto, há uma grande discussão em torno dos impactos ambientais causados pelo alargamento.
Segundo o geógrafo e curador do Museu Oceanográfico da Univali Jules Soto, é previsto que ocorram impactos nos primeiros anos após a obra devido às mudanças de camadas de sedimentos, sendo estimados pelo menos 5 anos para o reestabelecimento do ecossistema local.
A saber, ao iniciar o processo de retirada da areia do fundo do mar, por meio de uma draga, detectou-se na área o aparecimento de centenas de conchas. Essas conchas são denominadas como biodetritos, que correspondem às sobras de moluscos e crustáceos e fazem parte do oceano, tendo sido removidos pelo revolvimento da areia pela draga.
Nesse sentido, especialistas afirmam que é necessário que o Órgão Ambiental responsável avalie se há organismos vivos (moluscos) presentes nessas conchas, avaliando, dessa forma, os impactos no ambiente marinho e na pesca da região.
O oceanógrafo Antônio Klein reafirma que retirar areia do mar traz impactos sobre a fauna bentônica (aquela que se encontra no fundo do mar), mas destaca que há pouco conhecimento técnico-científico sobre os efeitos do engordamento de uma praia e a resiliência dos organismos vivos ali presentes.
O Estudo de Impacto Ambiental realizado indicou que, no cenário de instalação do alargamento da praia, ocorreria redução da abundância e diversidade da macrofauna bentônica, aumento da turbidez das águas, redução da qualidade do ar, proliferação de microalgas tóxicas, dentre outros. Já no cenário posterior à obra, previam-se modificações nos padrões de erosão e deposição do perfil praial, melhoria de lazer para os usuários da praia, aumento do turismo na região e geração de empregos e renda.
Monitoramento da obra
Diante da magnitude da obra, faz-se de fundamental importância o controle constante do local, bem como a realização de manutenções que garantam a eficiência da obra a longo prazo. Como toda grande obra que envolve o meio ambiente, sempre haverá distúrbios. Assim, segundo a Secretaria do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, tem-se previstos, ao longo de 36 meses, a execução de 21 projetos ambientais para mitigar os impactos ambientais decorrentes do alargamento da praia.
Cenário da praia pós alargamento
A obra realizada para alargamento da praia apresentou impactos nos quesitos sociais, econômicos e ambiental. No âmbito econômico, com o aumento da faixa, os imóveis na área apresentaram uma valorização significativa. Além disso, a visitação na praia apresentou uma maior procura por parte dos turistas. No entanto, cabe destacar que, nem sempre os impactos serão somente positivos. Aproximadamente um ano após a realização da obra de alargamento na Praia Central de Balneário Camboriú, alterações no ambiente começaram a ser identificadas. Dentre tais, cita-se:
Degrau na faixa de areia
No mês de outubro de 2022, um desnível foi detectado na área. Tal fato se dá principalmente em função de ondas mais fortes, implicando assim em uma ocorrência natural. O fenômeno é conhecido como escarpa e, de acordo com o projeto da obra, esperava-se que este desequilíbrio na areia pudesse ocorrer dentro de um intervalo de um ano e meio.
Lagoa sobre a areia
O acúmulo de água sob a areia já foi detectado pelo menos três vezes na área em que se realizou o alargamento. A orla, de 5,8 quilômetros, de acordo com os engenheiros responsáveis pela obra, deve levar de um a três anos para se estabilizar. Além disso, os especialistas destacam que a ocorrência deste fenômeno se dá em função da ressaca do mar e faz parte do processo de estabilização.
Conchas
O aparecimento das conchas, que já havia ocorrido durante a realização da obra, voltou a acontecer. A presença das conchas foi identificada próximas à área que houve a formação da lagoa, bem como do “degrau”. Segundo os responsáveis pela obra, o surgimento das conchas se dá em função da ressaca do mar, não apresentando relação com a obra do alargamento.
Praia imprópria para banho
O Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), por meio de uma análise realizada em 10 pontos da praia, afirma em relatório que o local se encontra como imprópria para banho. Mas, como se realiza esta inferência? O IMA faz coletas de amostras semanalmente na área para, então, proceder com a balneabilidade. Assim, caso se detecte uma concentração do coliforme fecal superior a 2.000/100mL (na coleta mais recente) ou superior a 800/100mL (nas cinco últimas coletas), esta área é classificada como imprópria. Cabe destacar que, este cenário é consequência, principalmente, da falta de saneamento básico (esgoto irregular) e pela chegada dos turistas. Contudo, o alargamento da faixa pode apresentar influência direta.
Plantio de restinga
Como destacado anteriormente, o plantio de restinga faz parte das exigências do licenciamento para que a obra de alargamento fosse autorizada. A proposta era iniciar o processo de plantio após as obras de reurbanização. Assim, desenvolveu e implementou-se um projeto piloto na área visando avaliar o comportamento, adaptabilidade e desenvolvimento da vegetação na área.
O alargamento da praia em Balneário Camboriú abriu ainda mais as portas para que se realize outras obras como estas. Alguns projetos já foram postos em prática e outros aguardam para iniciar. Cabe destacar que, estas obras tem como principal intuito prover melhores condições de uso da área, elevando assim a atratividade aos turistas. Em suma, há um grande ganho econômico para estas regiões. Contudo, faz se necessário que os poderes públicos e privados se atentem para o quesito ambiental. Obras como estas trazem impactos diretos e indiretos ao ecossistema natural uma vez que está provocando alterações no ambiente.
E vocês? O que acham disso tudo? Deixem as suas opiniões nos comentários.
Texto revisado por Natielle Gomes Cordeiro em 21/12/2022
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