Está calor aí né? Aqui em Belo Horizonte está quente demais. Eu que sou do Nordeste não imaginei que passaria mais calor aqui do que lá. A secura do tempo também está de matar. Literalmente. Já foi emitido alerta para cidades da região do Triângulo Mineiro sobre risco de morte pelas condições climáticas dos últimos 10 dias pelo Instituto Nacional de Meteorologia – Inmet. Muitos especialistas têm dado entrevistas indicando que este ano é só o primeiro de uma sequência escaldante nada animadora resultante da mudança climática. E agora?
A mudança climática
Antes de entrar no mérito do que eu imagino que seja o caminho a se percorrer a partir de agora (que já deveria estar sendo percorrido), vamos conversar sobre a mudança climática. Primeiro ponto: ela existe! Negação de um fato doloroso é natural, mas não vai ajudar em nada. É importante lembrar que tudo que embasa nossa vida tem relação direta com o clima: a água disponível, o alimento, o ar respirável…O fator gerador desta mudança é a emissão massiva de gases do efeito estufa, os chamados GEEs, que são o monóxido e dióxido de carbono (o famoso CO₂), o metano, o óxido nitroso, clorofluorcarbonos e ozônio.
Entre estes gases, o dióxido de carbono é responsável por cerca de 60% do efeito estufa, sendo suas emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis e de queimadas de vegetação, nativa ou não. A forma de absorver e diminuir a quantidade de gás carbônico na atmosfera é plantando florestas, uma vez que organismos vegetais sobrevivem absorvendo dióxido de carbono para transformar em energia através de seu processo fotossintético. Já o metano é responsável por 15 a 20% do efeito estufa, com emissão advinda de uso de gás natural, pecuária (é eliminado pelo gado após a digestão), aterros sanitários ou outras formas de disposição e resíduos sólidos (lixões, pontos de descarte irregular, aterros controlados), plantações de arroz inundadas, mineração e queima de biomassa.
Medidas para reverter emissões de Gases do Efeito Estufa
É de suma importância compreender que só temos água superficial e subterrânea porque o clima do planeta permitiu, até agora, o ciclo desse bem natural. Aumentos de temperatura, mesmo que de 1,5°C, interferem de forma intensa e negativa na disponibilidade hídrica do planeta. A mesma lógica se dá para alimentos (animais e plantas sobrevivem por conta das condições climáticas) e para a qualidade do ar. Neste sentido, António Guterres, secretário-geral da ONU, alertou que se não forem tomadas medidas drásticas para reverter as emissões de Gases do Efeito Estufa – GEEs, o mundo continuará “a testemunhar ondas de calor mortais, tempestades e poluição catastróficas”.
No mundo, as emissões atmosféricas de GEEs são massivamente ocasionadas pelo setor de energia, através da queima de carvão, gás natural e óleo; em seguida, vem o setor industrial, que usa combustíveis fósseis no seu processo produtivo, por exemplo, como fonte de energia; em terceiro lugar, vem o setor agrícola, com a produção de alimentos vegetais e animais e com o desflorestamento; por fim, temos o setor de transportes, que envolve basicamente a queima de combustíveis fósseis como fonte poluidora.
Já no Brasil, país pouco industrializado quando comparado aos países do G-20, que são também os maiores emissores globais de GEEs, a atividade responsável pela maior quantidade de emissões é a mudança de uso da terra, ou seja, o desmatamento; em seguida, vem a agricultura e depois o setor energético. Sabendo que as mudanças de uso do solo se dão preponderantemente pela atividade agropecuária, notadamente para plantios de soja e criação de gado, podemos dizer que, no Brasil, este setor é o grande emissor dos GEEs.
Uma ironia, inclusive, já que este é justamente o setor que mais precisa de água, umidade e insolação em quantidades específicas para permitir o desenvolvimento de plantas e animais. Tanto é que, no país, mais de 50% do volume de água outorgada para uso vai para a agricultura irrigada. Aparentemente o imediatismo e a lógica do lucro máximo afetam a capacidade estratégica e de planejamento do setor. Segundo a Food and Agriculture Organization of United Nations – FAO, a mudança climática já está afetando a produtividade da agricultura e pecuária devido ao aumento de temperatura, das mudanças nos padrões de chuva e do aumento da frequência de ocorrência de eventos climáticos extremos.
As atitudes individuais dos cidadãos
É neste momento que eu coloco meu ponto: por que as medidas propagadas por setores públicos e privados, por pessoas e empresas, para lidar com a situação ambiental de caos que estamos vivendo focam sobre as atitudes individuais dos cidadãos? Ouvimos coisas como: “não tome banhos longos! ”, “não lave o carro com mangueira! ”, “não coma carne às segundas-feiras!”, mas qual a lógica disso? Nem de paliativos podemos chamar estas atitudes, que são completamente ínfimas e inócuas frente à crise climática global.
Para mim, a lógica deste discurso é a de tangenciar os problemas reais e suas soluções e jogar tudo nas costas da população, para que quando haja uma catástrofe, a culpa seja do cidadão, daquele vizinho que lava o carro todo domingo. Assim, os setores econômicos podem continuar usando recursos naturais de maneira exploratória visando tão somente mais e mais e mais lucro.
Não vamos funcionar enquanto sociedade sustentável se não tomarmos atitudes em grupo de forma sistêmica. Devemos, antes de tudo, questionar a quem beneficia a ideia de uma empresa, pessoa jurídica, lucrar o máximo possível com bens ambientais que são de todos, entendimento fixado na Constituição Federal (art. 225), que fez aniversário no último dia 05, diga-se. Conjuntamente devemos exigir posições mais firmes dos tomadores de decisão em relação aos setores econômicos.
Diminuir o uso de carros nas cidades depende mais de quem tem poder de controle em escala sobre esta atividade (como concessionárias de transporte coletivo e poder público) do que do cidadão que bate ponto, por exemplo. Diminuir as outorgas de uso de recursos hídricos, limitar o tamanho de terras com monocultura e pecuária, limitar empréstimos de bancos públicos a atividades de grande impacto climático e ambiental, multar os desmatadores e impedir atividades econômicas em terras incendiadas ou desmatadas ilegalmente são também opções entre inúmeras outras que o poder público, preponderantemente o executivo e o legislativo, deveria tomar, mas ignora em benefício de poucos muito ricos.
Outro ponto interessante a se pensar é sobre a necessidade de mudança no que chamo de “cultura de consumir para existir”. Isto é, uma forma de pensar a si mesmo de modo que só somos alguém, só nos sentimos alguém, quando consumimos. A partir desta cultura, existir de forma plena e significativa é ter capacidade de consumo, de maneira tal que, quanto maior a sua capacidade de consumo, mais potência e importância você tem. Precisamos refletir como podemos consumir melhor os bens ambientais como sociedade (em grupo) e fugir dessa cultura do consumo excessivo, passando a rumar para um equilíbrio entre ter e ser.
Conclusão
Com isso, ressalto, não estou falando para fazermos votos de pobreza ou para, ao contrário, usar água negligentemente ou comer carne de vaca 15 vezes por semana. Estou chamando atenção para a falácia de um discurso amplamente divulgado que é cansativo e não resolve nada, o qual baseia-se na atitude individual como transformadora e resolutiva.
Como a discussão é rica e longa, deixo meus pontos acima e chamo vocês a pensar sobre o assunto e continuar a discussão nos comentários!
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