O bioma Cerrado é considerado o segundo maior do Brasil e da América do Sul, atrás apenas da Floresta Amazônica. Ocupa cerca de 2.036.448 km², aproximadamente 22% do território nacional, incidindo sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal.
O Cerrado é considerado um hotspot mundial de biodiversidade, ou seja, uma área do planeta Terra que possui grande diversidade ecológica e que apresenta risco de extinção. Mais de um terço das espécies animais e vegetais conhecidas estão no cerrado, e muitas delas só existem por lá. O referido bioma apresenta abundância de espécies endêmicas: é reconhecido por ser a savana mais rica do mundo, no quesito de diversidade biológica, comportando mais de onze mil espécies de plantas nativas já catalogadas. Além da flora, o cerrado engloba uma grande diversidade de habitats, com cerca de duzentas espécies de mamíferos conhecidas, e a rica avifauna consiste em cerca de oitocentas espécies.
Além de toda a diversidade ecológica compreendida pelo bioma, o Cerrado é tido por muitos estudiosos como um essencial berço das águas do país, sendo tão importante para a disponibilidade e conservação dos recursos hídricos quanto a Amazônia. O principal motivo que explica tal consideração é o fato desse bioma abranger uma área que engloba nascentes de alguns dos mais importantes rios que abastecem o país (rios São Francisco, Araguaia, Tocantins, Paraguai, Paraná e Prata) beneficiando, pelo menos, oito das grandes bacias hidrográficas brasileiras, além das nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica, São Francisco e Prata, fator que determina um alto potencial aquífero e favorece, ainda mais, sua biodiversidade.
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Por sua conformação natural, o Cerrado recebeu o título de “caixa d’água do Brasil”, pois os domínios florestais da região são possíveis responsáveis por guarnecer a maior parte dos rios e recursos hídricos do país. De acordo com o WWF Brasil, pelo menos 90% da população do Brasil faz uso da energia produzida diretamente no Cerrado ou advinda de alguma hidrelétrica cujas nascentes das águas estão situadas nesse bioma.
Além dos fatos já expostos a respeito do fornecimento de recursos hídricos no país, a vegetação do Cerrado ainda auxilia na obtenção de água das chuvas para nutrir importantes aquíferos, sendo um deles o Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo em volume e extensão, que abastece grande parte do Brasil e até mesmo outros países.
Apesar de apresentar suma importância no que se tange à preservação dos recursos naturais e hídricos, o Cerrado vem sofrendo sérias e intensas devastações. Atualmente, o bioma consiste em menos de 20% da sua área original. A ocupação do cerrado se iniciou no século XVIII com a mineração, que se desenvolveu em um acelerado ciclo de exploração intensiva. Desde então, a dinâmica de exploração é a mesma.
Com a crescente pressão para a abertura de novas áreas, objetivando aumentar cada vez mais a produção de grãos e carnes para exportação, observou-se um notável esgotamento dos recursos naturais da região. Nos últimos trinta anos, o Cerrado vem sendo degradado pela expansão da fronteira agrícola brasileira. Além disso, o bioma Cerrado é palco de uma exploração extremamente predatória de seu material lenhoso para produção de carvão. Cerca de 80% do carvão vegetal consumido no Brasil vem das árvores do Cerrado. O Cerrado é o segundo bioma do Brasil que mais sofreu modificações em consequência da ocupação humana, ficando atrás apenas da Mata Atlântica. Com tanta destruição, atualmente, cerca de 50% da área destinada para pastagem já se tornou imprópria para a pecuária. Com o avanço da monocultura da soja, observa-se em muitos casos, a intensificação do processo de erosão, perda do solo e lixiviação, processo que agrava a perda de minerais e nutrientes do solo.
Diante do cenário exposto, pouco se comenta a respeito dos impactos negativos da exploração desse bioma. Segundo uma das maiores estudiosas do mesmo, Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, o Cerrado passa por um processo intenso de fragmentação, que compromete importantes funções ecológicas.
Diante deste cenário, é preciso adotar medidas que visem à preservação desse importante segmento florestal, principalmente para tentar, de alguma forma, garantir a sustentabilidade da água potável no país.
Tomar conhecimento das condições das florestas existentes é de suma importância para adotar políticas efetivas de recuperação e conservação dos seus recursos. Em 2017, o Inventário Florestal Nacional (IFN) iniciou a coleta de dados em campo em quatro dos 11 estados com ocorrência do bioma: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, abrangendo uma área de 70,3 milhões de hectares (34%) de Cerrado.
A realização do trabalho, só no campo envolveu cerca de 100 profissionais, como engenheiros florestais, agrônomos, biólogos, mateiros, entre outros, e deve ser concluído neste ano de 2018. Foram medidas as árvores e analisadas sua saúde e vitalidade, além de coletadas amostras do solo e do material botânico.
Esse Inventário visa ao conhecimento não só ao quantitativo, como qualitativo dos recursos florestais (estado de conservação e a biodiversidade das florestas). Segundo o diretor de Pesquisa e Informações Florestais do SFB, Joberto Freitas “produzir informações sobre as florestas é uma forma de valorizá-las, de potencializar o seu manejo sustentável e de influenciar na formulação de políticas que fortaleçam o uso adequado de seus recursos e a permanência das florestas em pé”.
Foram realizadas, também, entrevistas com moradores do entorno das áreas pesquisadas para levantar informações sobre sua relação com a floresta e o uso que os mesmos fazem dos recursos.
Ao todo, são 1.640 pontos de coleta de dados distribuídos a cada 20 km em todo o Cerrado, com expectativa de mais de 6,5 mil pessoas entrevistadas.
Para realizar o levantamento em campo, 60 profissionais participaram de uma capacitação sobre a metodologia do IFN.
Em março de 2018, somando as áreas já inventariadas e em andamento, a coleta de dados chegou a quase 80% de toda a área do bioma no território brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro, 2018).
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O processo encontrava-se em fase final nos estados: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. No Distrito Federal, os resultados já foram até publicados.
O bioma do Cerrado, ao contrário da Mata Atlântica, da Amazônia e do Pantanal, não foi denominado “Patrimônio Nacional” segundo a Constituição Federal, fato que faz torna a conservação da sua biodiversidade um trabalho ainda mais complicado.
Pesquisas apontam que, entre 2000 e 2015, foram retirados do Cerrado cerca de 236 mil km² de vegetação. Neste mesmo intervalo de tempo, a Amazônia perdeu 208 mil km². Tamanho desmatamento provocou a emissão de, no mínimo, 8,16 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂): o principal gás que provoca o efeito estufa.
Atualmente, a taxa média anual de desmatamento no Cerrado já chega a 6 mil quilômetros quadrados, ou seja, já ultrapassa a perda anual de cobertura nativa na Amazônia, que, em 2014, atingiu a marca de 4,8 mil quilômetros quadrados.
Segundo os dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil já ultrapassou os Estados Unidos em emissões agrícolas, estando em terceiro lugar, atrás apenas da China e Índia. Ainda vale considerar outros impactos, ainda não entendidos plenamente, mas que possuem um alto potencial de gerar danos no curto, médio e longo prazos.
De acordo com o diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias, além de conhecer e qualificar as espécies encontradas no Cerrado, é indispensável promover o aumento do número de áreas protegidas no bioma em questão. “O esforço atual de áreas protegidas no Cerrado ainda configura números muito baixos, não passa de 5%, se considerarmos todas das categorias. A meta nacional é atingir 10%. É necessária a ajuda dos governos estaduais, municipais, da sociedade civil e também do setor privado”, disse. “O Cerrado é um importante centro de origem de recursos genéticos”, afirmou.
No âmbito econômico, é viável que o Brasil continue a expandir sua produção agrícola. Porém é necessário fugir da lógica da expansão territorial da agropecuária e focar também, na a intensificação ecológica. Com esse objetivo, a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) vem trabalhando com novos recursos tecnológicos, como a integração lavoura-pecuária-floresta. O principal desafio é reverter a baixa produtividade das áreas degradadas e incorporá-las novamente à produção.
Seguindo esse caminho, aproxima-se a possibilidade de viabilizar os compromissos de desmatamento zero por parte das cadeias de produção agropecuária, e cada vez mais serão estudados e desenvolvidos mecanismos que garantam a transparência para o meio rural. Atualmente, os grandes compradores internacionais de commodities agrícolas já optam por comprar produtos que venham livres de desmatamento ao longo de suas cadeias produtivas, garantidos por meio das certificações.
Bem como a rotulagem para os valores nutricionais dos produtos, já existem padrões estabelecidos para a rotulagem ambiental, porém ainda são pouco utilizados. Com isso, pode-se transformar um cenário atual em que a produção de alimentos consiste em um fator de degradação da natureza em outro, que tal produção seja uma aliada da conservação do meio ambiente.
Referências:
- Serviço Florestal Brasileiro – SFB – www.florestal.gov.br
- WWF Brasil – www.wwf.org.br
- Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA) – www.embrapa.br
- Ministério do Meio Ambiente – www.mma.gov.br
Texto redigido por Maria Carolina Zeferino em 17 de maio de 2018.
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