O sagui-da-serra (Callithrix flaviceps) é uma pequena espécie de primata brasileira, endêmica da Mata Atlântica, ou seja, só ocorre dentro dos limites deste bioma. Possui coloração geral do corpo castanho-acinzentado-claro, sendo que a cabeça, pescoço e face são beges-amareladas e seus tufos auriculares são amarelados e curtos. Um adulto pode pesar em torno de 400g.
A espécie ocorre em uma pequena área no sudeste brasileiro, com distribuição geográfica desde a porção leste (lado direito) do médio rio Doce, em Minas Gerais, seguindo até as regiões montanhosas ao sul do rio Doce, já no Espírito Santo, descendo até a porção norte do Rio de Janeiro e seguindo, a oeste, até a bacia do rio Manhuaçu. Nessa região, seus limites de distribuição se intercalam com os limites de Callithrix aurita (sagui-da-serra-escuro), onde ocorre uma ampla faixa de hibridação natural em Minas Gerais, perto de Carangola. Sua distribuição geográfica se particulariza por ser significativamente restrita, sendo assim uma das menores entre os primatas sul-americanos.
Ocorre geralmente em áreas montanhosas, acima de 500 metros em relação ao nível do mar. Entretanto, também é encontrada em regiões de altitudes menos elevadas, inferiores a 300 metros acima do nível do mar, indicando que a espécie possui ampla variação altitudinal, assim como seu primo C. aurita, evidenciando uma extensa amplitude em relação a sua ocupação de habitat, apesar de seu nome popular que é sagui-da-serra. A espécie ocorre em florestas do tipo estacional semidecidual e ombrófila densa ao longo da costa atlântica e na porção continental, sendo encontrada em até 1200 m de altitude. O sagui pode suportar temperaturas que se aproximam de 0°C na estação seca.
Apresentam preferência porambientes perturbados ou com algum grau demodificação, sendo raros em florestas madurase mais preservadas, devido à composição vegetativa das florestas secundárias, como lianas, cipós e bambus, proporcionando melhores abrigos e esconderijos. Em áreas de floresta estacional semidecidual e florestas secundárias, a espécie tende a usufruir de menores áreas de vida e podem sobreviver em fragmentos florestais de pequeno porte, ao passo que em florestas ombrófilas densas e mais preservadas ocupa áreas de vida significativamente maiores, chegando a quase 140 ha. Os saguis-da-serra vivem em grupos familiares compostos por uma média de 5 a 20 indivíduos, utilizando áreas de vida variáveis de 15 a 140 ha. Eles se alimentam de frutos, presas animais (insetos e pequenos vertebrados), exsudados de plantas (goma, seiva, látex), fungos e sementes.
Usualmente, na reprodução dos saguis, a fêmea dominante é quem se reproduz gerando novos filhotes, entretanto, com o sagui-da-serra já foram registrados grupos com até quatro fêmeas reprodutivas ao mesmo tempo. Outra característica importante dos saguis é o nascimento de gêmeos em cada parto, apesar de em algumas ocasiões terem sido registrados nascimentos de apenas um filhote. O intervalo entre nascimentos é de aproximadamente de 5 a 6 meses, sendo que na estação seca o pico de nascimentos é menos pronunciado, devido à menor disponibilidade de alimentos. A maturidade sexual é atingida por volta dos 20 e 24 meses e a gestação dura em média 148 dias.
Principais ameaças à espécie
O Callithrix flaviceps está categorizada como “Criticamente em perigo” pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, devido a numerosas ameaças. A espécie habita áreas que sofrem intensa pressão antrópica, com florestas imensamente fragmentadas e desmatadas em decorrência do crescimento urbano, mineração e atividades agropecuárias, que levaram a substituição da flora nativa por pastos, plantações de eucalipto e outras culturas, assim como as atividades de manejo associadas a essas culturas, como a prática de queimadas.
O sagui-da-serra é naturalmente raro no ambiente, o que ocasiona uma iminente preocupação, visto que em grande parte de sua área de ocorrência os fragmentos que eles habitam são de pequeno porte e isolados, remanescentes das florestas originais, aonde a maioria destes são de propriedades privadas. Geralmente, populações restritas a fragmentos florestais possuem uma maior fragilidade, podendo rapidamente desaparecer, devido à susceptibilidade desses ecossistemas à rápida devastação. Podem também, caminhar para a extinção por problemas de viabilidade genética, decorrentes da endogamia.
Além dessas ameaças, há ainda a caça para abastecer o mercado ilegal de animais de estimação e a introdução de espécies do mesmo gênero, que foram trazidas para a região sudeste, nas décadas de 80 e 90, provindas do norte e nordeste do país, oriundas do tráfico de animais. Essa introdução de espécies de outras regiões, assim como a ampliação natural da área de ocupação e extensão de ocorrência de outras espécies, levou a um grave aumento da competição e hibridação com a espécie nativa. As espécies introduzidas/invasoras podem cruzar com a espécie nativa e gerar indivíduos híbridos, levando à perda das características genéticas da espécie nativa, e consequentemente, a sua possível extinção se o cenário atual perdurar.
Outra grave ameaça à espécie são as doenças emergentes, como a febre amarela, que desde o último surto da epidemia que se iniciou no final de 2016, dizimou inúmeros indivíduos da espécie na natureza, levando a uma queda brusca no número de indivíduos de C. flaviceps em algumas regiões, tendo-se registros de redução de até 90% de populações em certas localidades.
A soma destas ameaças levou a uma estimativa de declínio populacional de pelo menos 20% em duas gerações. Estimativas atuais da população são de menos de 2500 indivíduos maduros e que em cada população o número de indivíduos não passa de 250, com densidades naturalmente baixas.
Ações para sua conservação
Em virtude das diversas ameaças às quais os saguis-da-serra estão expostos, gera a necessidade de buscar estratégias para a conservação da espécie. No Brasil, são elaborados e geridos pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), os chamados Planos de Ação Nacional (PAN), que tem como objetivo a priorização de ações para a conservação de espécies ameaçadas de extinção. Assim, foi redigido o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e da Preguiça-de-Coleira (PAN PPMA), que abrange 13 espécies nativas do bioma, incluindo sagui-da-serra (Callithrix flaviceps) e seu primo, o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita).
Além do mais, existem algumas iniciativas para a conservação dos saguis, como o Programa de Conservação dos Saguis-da-serra (PCSS), que vem atuando com o auxílio de diversos pesquisadores e instituições – nacionais e internacionais – para colocar em prática as ações previstas pelo PAN PPMA. Em vista disso, estão sendo elaborados guias, protocolos e chaves de decisões para nortear estudos e pesquisas com C. aurita e C. flaviceps. Uma das ações originadas deste projeto internacional, foi a criação do Centro de Conservação dos Saguis-da-serra na Universidade Federal de Viçosa (CCSS-UFV), que é o primeiro centro de primatologia no mundo focado exclusivamente em desenvolver atividades tanto in situ quanto ex situ em prol da conservação de ambos os saguis-da-serra.
SAIBA MAIS:
- O sagui-da-serra-escuro: importância ecológica, ameaças e conservação
- Mata Nativa e Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra: uma parceria de sucesso
- Um milhão de espécies correm risco de extinção
Referências
FERRARI, S.F. The ecology and behaviour of the buffy-headed marmoset, Callithrix flaviceps (O. Thomas, 1903). 1988. 448p. (Tese de Doutorado). University College of London, London.
FERRARI, S., MENDES, S.L. & RYLANDS, A.B. Callithrix flaviceps. In: The IUCN Red List of Threatened Species, 2020. Disponível em: < http://www.iucnredlist.org/ >. Acesso em: abr. 2021.
HILÁRIO, R. R. & ESCARLATE-TAVARES, F. Callithrix flaviceps (Thomas, 1823). In: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Org.) Plano de Ação Nacional para Conservação dos Mamíferos da Mata Atlântica Central: Série Espécies Ameaçadas nº 23. Brasília: ICMBio. p. 149-153, 2016.
HILÁRIO, R. R. et al. Callithrix flaviceps (Thomas, 1903). In: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. (Org.). Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção: Volume II – Mamíferos. Brasília: ICMBio. p. 213-217, 2018.
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