Dezembro chega e automaticamente a cabeça ecoa duas canções: “então é natal e o que você fez?” e “hoje é um novo dia de um novo tempo que começou”. A primeira pode até gerar uma sensação de ansiedade, mas a segunda promove uma esperança, possibilita vislumbrar um futuro diferente. Entretanto, para pensar nos próximos passos, primeiro deve-se analisar o que realmente foi feito, bem como o que deixou de ser. Dessa forma, identifica-se o que está funcionando e quais são as ações necessárias para mudar a rota. Na área ambiental não pode ser diferente, por isso, apresenta-se aqui a retrospectiva ambiental 2024 do Mata Nativa.
Expectativas para 2024
Segundo o calendário chinês, 2024 foi o ano do dragão. O símbolo associa-se ao protagonismo, energia e transformação. Contudo, a maior previsão para 2024 podia-se associar ao calor liberado pelo ser mitológico: o ano mais quente na história da sociedade pós-industrial. Além disso, as queimadas e os eventos climáticos extremos continuavam sendo uma preocupação significativa. Nesse sentido, considerou-se o início de 2024 complexo, com desafios crescentes e expectativas elevadas em relação às políticas de sustentabilidade e enfrentamento das crises ambiental e climática.
Eventos climáticos extremos
2024 é posto como um ano crítico na luta contra a emergência climática. Conforme previsto, o ano de 2024 foi o mais quente já registrado. De maneira frustrante, considera-se como o primeiro ano em que se excede o 1,5ºC da temperatura média global. Nesse sentido, constata-se que é necessário maior atenção às metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015. Segundo estudo da UNICEF (2024), crianças brasileiras sentem o dobro de dias quentes em comparação aos seus avós. Portanto, isso significa que o Brasil tem apresentado temperaturas maiores, com registros acima de 35ºC.
Apesar das ondas de calor se tornarem mais frequentes, o ano foi marcado por “gangorras térmicas”. Em suma, tornou-se comum frentes frias serem sucedidas por ondas de calor. Contudo, cabe pontuar que além dos impactos no ambiente, os eventos climáticos afetam a saúde humana: aumentam os riscos de infarto, crises alérgicas, intoxicações e transmissão de doenças por vetores. Nesse sentido, o Observatório de Clima e Saúde da FioCruz lançou um painel que acompanha a evolução destes eventos e o impacto na população.
Eventos climáticos secos de 2024
Conforme dados do Sistema Alerta Rio, logo no início do ano a sensação térmica foi de 62,3ºC no Rio de Janeiro. Amazônia, Pantanal e Cerrado sofreram com incêndios devastadores, enquanto seus rios enfrentaram as piores secas registradas. Adicionalmente, diversas cidades localizadas na Amazônia Legal apresentaram pior qualidade do ar no Brasil. Tal situação se justifica pelo desmatamento e liberação de poluentes na atmosfera. Em síntese, a América do Sul está mais quente, seca e inflamável. (Feron et. al. 2024)
No Chile, as temperaturas chegaram próximas aos 40ºC durante o inverno. No Paraguai, os valores superaram os 40ºC. Em Buenos Aires, na Argentina, onde a temperatura média é em torno de 18ºC, os termômetros alcançaram 30ºC. Além disso, Bogotá, na Colômbia, passou pelo racionamento de água. Frente a seca, o prefeito chegou a sugerir aos cidadãos que alternassem os dias para banho e que casais tomassem banhos juntos. Aliás, o continente teve que lidar com as queimadas. No geral, apresentaram-se 507691 focos de incêndio em 2024. Segundo o BDQUEIMADAS, o Brasil apresentou mais de 50% dos focos da América do Sul.
Neste ano, registrou-se mais um dado alarmante: o gelo da Antártida atingiu seu segundo menor pico histórico. Ainda, o continente passa por um processo denominado “verdejamento”. Essas alterações têm gerado impactos significativos no clima global, uma vez que o gelo reflete a luz solar, ajudando a resfriar o planeta. Com o derretimento do gelo, o calor é absorvido, o que eleva a temperatura das águas. Como resultado, o volume da água se expande, contribuindo para o aumento do nível do mar.
Eventos climáticos úmidos de 2024
Tristemente, os eventos extremos úmidos (chuvas intensas e inundações) também foram frequentes neste ano. No Brasil, vivenciou-se uma das piores tragédias relacionadas às inundações. Em abril, chuvas intensas atingiram 478 dos 497 municípios do estado do Rio Grande do Sul. Como consequência, o estado sofreu com inundações, enxurradas e transbordamento de corpos hídricos. Em outubro, chuvas torrenciais atingiram a Espanha. A tragédia deixou mortos, feridos, desaparecidos e desalojados, destruiu cidades e arrastou veículos.
Além disso, a Califórnia foi caracterizada com a terra do caos climático – tendência que pode ser observada em todo o mundo. Eventos de secas intensas e chuvas intensas estão se tornando comum. Dessa forma, aumenta-se o risco de incêndios. Porém, quando chove, chove muito, aumentando as precipitações e as inundações. Tais eventos evidenciam a necessidade de projetar cidades mais resilientes e orientadas ao desenvolvimento sustentável. Dessa forma, possibilita-se minimizar os impactos negativos ambientais e sociais, além de expor menos a população aos riscos.
Políticas ambientais
Em 2024, o Brasil apresentou maior atenção com as questões de sustentabilidade, proteção ambiental e mudanças climáticas. Novas leis foram aprovadas e, além disso, o país discutiu e pontuou os problemas em discussões de eventos globais. Entre as leis aprovadas, destaca-se a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 14.926/2024) que estabelece novos objetivos para a Educação Ambiental, visando alertas os estudantes sobre mudanças climáticas e da biodiversidade. A Política Nacional de Qualidade do Ar (Lei 14.850/2024) dispõe diretrizes para gestão da qualidade do ar e controlar a poluição atmosférica.
Além disso, institui padrões da qualidade do ar e a divulgação dos dados para a população. Ademais, a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei 14.944/2024) reconhece o papel ecológico do fogo nos ecossistemas, porém, promove a sua utilização de forma controlada. Dessa forma, permite-se o uso do fogo em locais onde a prática se justifique. Também, destaca-se a Estratégia Nacional de Economia Circular. Ao promover a transição do modelo de produção linear para uma economia circular, visa-se meios de produção e consumo sustentáveis, além de incentivar o aumento do ciclo de vida dos materiais.
Políticas de mitigação e regulamentação para o clima
Neste ano, também se estabeleceu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Tal sistema limita a emissão de GEE por atividades emissoras e permite a compensação das emissões por créditos de iniciativas de preservação ambiental. Outro avanço significativo foi a Lei do Combustível do Futuro (Lei 14.93/2024). Com o objetivo de promover a substituição dos combustíveis fósseis, fomenta a descarbonização para promover uma mobilidade mais sustentável no país.
De forma complementar, a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Lei 14.948/2024) estimula a produção, comercialização e uso do hidrogênio na matriz energética. Por fim, o Plano Clima atualiza as metas climáticas brasileiras e propõe planos setoriais para mitigar e adaptar aos impactos das mudanças climáticas. Sobretudo, com essas medidas o Brasil consolidou um ano de avanços significativos nas políticas ambientais.
Agenda ambiental de 2024
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) promoveu algumas reuniões internacionais para discutir a gestão do meio ambiente, metas e desenvolvimento sustentável. Alguns dos eventos foram:
- Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA) sobre “Gestão Sustentável do Nitrogênio”;
- Comitê Intergovernamental de Negociação sobre Poluição Plástica;
- Reuniões sobre resistência antimicrobiana;
- 16ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Além disso, o Brasil participou da COP29, em Azerbaijão e sediou o fórum G20. Também ocorreram celebrações de datas internacionais, que buscam sensibilizar e fortalecer ações sobre pautas importantes, como:
- Dia dos Pântanos;
- Dia do Lixo Zero;
- Dia internacional da Mãe Terra;
- Dia da Diversidade Biológica;
- Dia do Meio Ambiente;
- Dia da Prevenção da Exploração do Meio Ambiente na Guerra e nos Conflitos Armados;
- Semana da Conscientização Antimicrobiana.
No Brasil, entre os dias 15 e 22 de dezembro de 2024, celebrou-se a vida de Chico Mendes, patrono do Meio Ambiente. Chico representa a luta pelos povos da floresta, pelo meio ambiente e pelo planeta.
Contexto internacional
Em 2024 ocorreram as Olímpiadas de Paris. O evento internacional se preocupou em apresentar um legado “mais verde” para os jogos. De maneira inédita, realizou-se a cerimônia de abertura no Rio Sena. Este que recebeu vários investimentos para ser despoluído e restaurado. Além disso, para minimizar o impacto ambiental e promover a sustentabilidade, incluíram ações como a utilização de materiais reciclados e de baixo impacto ambiental, painéis solares, arenas desmontáveis e reutilizáveis.
Contudo, o ano também se destaca pela continuidade das guerras entre Rússia x Ucrânia e Israel x Palestina. Os conflitos seguem destruindo territórios, desabrigando e matando pessoas, devastando o ambiente. Inclusive, esta deve ser uma das principais pautas do presidente eleito nos Estados Unidos em 2025, Donald Trump. Os EUA são considerados principais financiadores das guerras e possui parcela de sua população insatisfeita com tais gastos.
Resoluções de Ano Novo
Em suma, através desta retrospectiva, considera-se 2024 como um ano de tímidos avanços e relações conturbadas. Neste ano, a natureza mostrou a sua força e demonstrou os impactos gerados para a população se a apatia continuar. Por isso, 2025 exigirá mais estratégias e ações centradas em mitigar os impactos das mudanças climáticas, proteger a biodiversidade, promover a sustentabilidade e a justiça social.
Links relacionados
BDQUEIMADAS. Gráficos – Focos por país. 2024.
Feron, S. et al. South America is becoming warmer, drier, and more flammable. Commun Earth Environ. 2024.
Fundação GEO-RIO. Sistema Alerta Rio. s/d.
Observatório de Clima e Saúde. Painel de Eventos Climáticos Extremos. 2024.
UNICEF. 33 milhões de crianças brasileiras enfrentam o dobro de dias extremamente quentes, em comparação a seus avós, alerta UNICEF. 2024.