O bioma da mata atlântica possui proteção especial na legislação brasileira, havendo um regime especial para obtenção de autorização para supressão.
Tal proteção decorre da situação histórica do bioma, uma vez que sua localização está exatamente onde se instalaram grandes centros urbanos, industriais e agropecuários. A pressão pelo desmatamento nesse bioma é intensa desde os períodos coloniais do Brasil.
Ademais, a mata atlântica é caracterizada por ser um bioma extremamente rico, possuindo fauna e flora muito variada, sendo berço de espécies únicas no planeta, e portanto, assumindo um papel de grande guardião da biodiversidade com importância não só para o Brasil, mas para todo o mundo.
O referido bioma não tem importância apenas biológica, mas também cultural, sendo palco dos mais importantes acontecimentos intimamente relacionados com a história do país, como manifestações culturais que permeiam a nossa identidade brasileira.
Outro ponto de extrema importância no que concerne à mata atlântica, é que seus remanescentes no entorno de grandes cidades e regiões metropolitanas são responsáveis por salvaguardar o microclima, possibilitando maior umidade nos períodos secos e mais amenidade no período de fortes ondas de calor.
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A distribuição da mata atlântica no território brasileiro e sua importância para a diversidade biológica, climática e cultural são notáveis, mas há um outro fator que a torna ainda mais especial: mananciais hídricos responsáveis pelo abastecimento de grande parte da população brasileira se encontram dentro da região da mata atlântica. Sendo a água essencial para a qualidade de vida de toda a população, pode-se afirmar sem pudor que o bioma é fonte de água e de vida para as regiões mais densamente povoadas no Brasil.
Dado esse panorama histórico, fica justificado o porquê de haver um conjunto de normas que trazem um regime especial de proteção ao bioma, para evitar que as taxas de desmatamento extingam os já pequenos remanescentes de mata atlântica no país.
Por isso, nos termos da Lei Federal 11.428/06 foi estabelecido um regime de proteção para o território da mata atlântica. É um regime extremamente radical, na medida em que estabelece as hipóteses em que será proibido a supressão vegetação nas regiões apontadas, e ainda determina que a supressão, quando permitida, ocorrerá mediante autorização do órgão ambiental, com base em critérios técnicos.
É uma forte exceção ao direito de propriedade, que ocorre à altura da relevância do bioma da mata atlântica.
Mas é importante observar que o conteúdo da norma atinge diretamente o direito de propriedade de todos aqueles que se situam na região da mata atlântica. Portanto, a extrema proteção dependia de alguns parâmetros que tornasse tal situação objetiva: ou uma área estaria sujeita à forte limitação da propriedade, ou não estaria sujeita, pois a limitação é tão forte que não restariam dúvidas. Nesse sentido, foi estabelecido pela própria legislação o papel do IBGE, que estabeleceria um mapa definindo o território de abrangência da norma:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
Dessa forma, nos territórios demarcados no mapa do IBGE se aplicariam as restrições à propriedade, com exigência de autorização especial e até mesmo proibição da supressão de vegetação.
A aplicação da norma sofreu percalços, pois, na prática, nem toda a vegetação localizada no território demarcado pelo IBGE é da mata atlântica e efetivamente desse bioma. Há, contudo, áreas de transição entre os biomas, e tais áreas estão devidamente inseridas na proteção territorial.
Portanto, as tais áreas de transição se aplica a norma da mata atlântica, já que a proteção é territorial e se estende por toda área de abrangência definida pelo mapa do IBGE.
Porém, espécies de mata atlântica não estão restritas apenas ao território abrangido pelo mapa, podendo ser encontradas em diversos outros locais, inclusive pelo fato de que pode ser feito o plantio de espécies de mata atlântica até mesmo bem distante da região assinalada pelo mapa.
Em Minas Gerais, observa-se possível incidência de espécies de mata atlântica em regiões caracterizadas como cerrado, e que estão próximas, porém fora do território assinalado no mapa da mata atlântica.
Não raro, o órgão ambiental mineiro tem decidido que aplica-se a lei da mata atlântica fora do território assinalado pelo mapa do IBGE, sob o argumento de que a proteção se estenderia ao bioma, e não apenas à área do referido mapa.
Esse entendimento do Estado foi consolidado numa Instrução de Serviço n.º 02 do SISEMA, através da qual é definido que o Sistema Estadual de Meio Ambiente deverá considerar a aplicação das regras estipuladas na Lei da Mata Atlântica para todas as disjunções nos biomas que ocorrerem em Minas Gerais, mesmo fora da área de aplicação da Lei. A justificativa se dá em razão de uma interpretação da nota explicativa do mapa do IBGE.
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Mas a interpretação do órgão ambiental em Minas Gerais não encontra respaldo na própria lei federal, que determina de maneira clara e objetiva que a aplicação da lei segue o critério territorial.
Ademais, a própria nota explicativa não faz qualquer menção à aplicação da norma fora do território assinalado no mapa, apenas por meio da nota explicativa, informando quais são os biomas consorciados que compõe a mata atlântica. Não há objetivamente nenhuma referência à aplicação da norma, ou qualquer autorização para que órgãos ambientais estaduais promovam a alteração do traçado previsto no mapa com o intuito de estender o regime especial insculpido na lei.
De fato, a lei e seu regulamento autorizam apenas ao IBGE a delimitar a área em que se aplica o regime especial de proteção que afronta os direitos de propriedade, com o intuito de promover a conservação do bioma da mata atlântica. A lei determina que aos órgãos estaduais de meio ambiente é dado o direito de autorizar ou negar autorização à supressão da vegetação, com base nas regras definidas na própria lei. Ao estender a aplicação da lei para regiões não inseridas no mapa do IBGE, ao órgão estadual atua no sentido de ampliar o mapa original sem que tenha competência para tanto.
Logo, isso não significa que o órgão ambiental estadual não possa definir um regime especial de proteção para aquelas regiões que considera importante proteger fora da área de aplicação do mapa. Muito pelo contrário, o órgão inclusive tem o dever de fazê-lo, não prorrogando a aplicação da legislação federal, mas estabelecendo uma legislação diretamente dispondo sobre o tema. Se o objetivo é a proteção, o Estado de Minas Gerais é livre para criar normas e critérios ainda mais restritivos que aqueles estabelecidos na legislação federal, mas tais normas devem ser criadas através de lei, e não de instrução de serviço.
Veja também:
- Planejamento da produção florestal
- Entendendo o licenciamento ambiental
- Crescimento de Florestas Nativas
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