Quando eu penso nas obrigações do empreendedor após o licenciamento ambiental, tema do nosso texto de maio, vem à mente a lembrança da figura de uma pessoa que, surpresa, me pergunta: tem mais? Isto porque normalmente os empreendedores veem o licenciamento ambiental como um calvário (para os religiosos) ou como uma pedra que há no meio do caminho (para os que gostam de Carlos Drummond) e ao descobrir que o licenciamento é só o princípio, a sensação pode ser desagradável. Ademais, sabemos que os licenciamentos costumam ser demorados, principalmente se embasados em Estudo de Impacto Ambiental – EIA, cuja análise leva até 12 meses instituídos por instrumento legal (Resolução CONAMA 237/97). Na prática, costuma demorar muito mais.
A verdade é que manter um empreendimento regularizado é uma obrigação para vida toda, sem data de validade, independente inclusive de haver licenciamento ambiental. Trata-se de uma obrigação positiva, considerando o princípio do desenvolvimento sustentável[1], os direitos difusos[2] e o bem-estar social. Além disso, há regras ambientais a serem cumpridas independentemente de a atividade ser considerada potencialmente poluidora, como detalho adiante.
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Nas três fases tradicionais do licenciamento – prévia, de instalação e de operação – a atividade exercida será controlada pelas chamadas condicionantes, que consistem em obrigações dispostas pelo órgão responsável visando permitir o desenvolver do empreendimento mitigando ou impedindo a existência de impactos socioambientais negativos advindos daquela atividade. A Licença Prévia (LP), cujo objetivo é basicamente aprovar com a escolha locacional do empreendimento, deve trazer condições como apresentar manifestação dos diversos órgãos quanto ao abastecimento de água e esgoto, de energia, quanto ao patrimônio histórico, arqueológico e cultural, apresentar projetos executivos, etc. Já a Licença de Instalação (LI), normalmente vai requisitar questões como a execução dos diversos programas apresentados no Plano de Controle Ambiental – PCA, como resgate de flora e fauna, Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, gerenciamento de resíduos de construção civil, entre outros. Por fim, a Licença de Operação (LO) deve trazer condições relacionadas a monitoramentos como de qualidade do ar, qualidade das águas, qualidade dos efluentes, etc.
Cada tipo de empreendimento tem condições diferentes para serem alocados, instalados e operados. Uma mineração, que tem a questão da rigidez locacional, certamente sofrerá menos restrições quanto ao local escolhido do que um Distrito Industrial. A rigidez locacional é a impossibilidade de realocar a mina em si, uma vez que o recurso mineral ocorre de acordo com características geoambientais. É possível sim realocar as unidades de apoio à mineração, mas a mina em si, não. Já um Distrito Industrial, uma Indústria, uma Estação de Tratamento de Efluentes, apesar de dependerem de questões logísticas, administrativas, políticas, tem uma flexibilidade maior de área para se alocar. A mesma lógica se repete para as outras fases de licença (LI e LO) e outras atividades.
Dependendo do porte e do potencial poluidor de um empreendimento, o licenciamento ambiental é feito em fases concomitantes, ou seja, LP+LI, LI+LO ou LP+LI+LO. No estado de Minas Gerais há o Decreto n.º 47.383/2018 que estabelece normas para licenciamento ambiental, tipifica e classifica infrações às normas de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos e estabelece procedimentos administrativos de fiscalização e aplicação das penalidades. Nestes casos, as condicionantes não mudam, mas se somam, pois é como se o mesmo licenciamento fosse dividido em diferentes fases, cada uma delas executadas em momentos diferentes.
Já no caso de licenciamentos simplificados, permitido no Estado de Minas pelo mesmo Decreto, normalmente não há condicionantes na licença, assim o órgão ambiental não dispõe de condições específicas para que a atividade seja exercida. Mas isto não dispensa o empreendedor de cumprir com as obrigações ambientais legais. Como comentei em parágrafo anterior, o cumprimento de obrigações ambientais independe do fato de a atividade ter sido ou não licenciada.
Explicando: há regras gerais que devem ser cumpridas por todos, independentemente inclusive de haver um empreendimento. Deverão ser cumpridas por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. Creio que o melhor exemplo é a Lei de Crimes Ambientais, n.º 9605/98, e seu Decreto regulamentador. Estas normas tipificam crimes e infrações administrativas em matéria ambiental, dentre os quais existe “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção” e “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Lembro também das leis municipais, como os códigos de posturas, entre outras normas.
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Como o Brasil tem um número que eu não saberia precisar de normas ambientais, é preciso ter bastante cautela para não relaxar num licenciamento simplificado e acabar com um auto de infração nas mãos ou para não infringir uma norma instalando e operando um empreendimento não é passível de licenciamento por entender que este está livre de qualquer condição de cunho ambiental.
Precisamos conhecer nosso papel no contexto do desenvolvimento sustentável e entender as ferramentas de comando e controle do nosso país, conhecer bem a legislação em suas permissões e vedações, tendo ciência de tudo aquilo que precisamos para gerir os empreendimentos, antes, durante e após o licenciamento ambiental ou mesmo fora dele.
Legenda:
[1] O conceito de desenvolvimento sustentável foi consagrado no Relatório Brundtland, também chamado Nosso Futuro Comum de 1987. Este é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Este conceito foi abraçado tanto pela Política Nacional de Meio Ambiente, quanto pela Constituição Federal de 1988, tornando-se um princípio basilar do Direito Ambiental.
[2] Direito difusos são aqueles de todas as pessoas, indiscriminadamente. Segundo o art. 81, inciso I do Código de Defesa do consumidor, direitos difusos são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Quando a Constituição diz, em seu art. 225, que o direito ao meio ambiente equilibrado é de todos, ele aloca este direito no grupo dos difusos.
Veja também:
- Projeto Executivo de Compensação Florestal
- O que é licenciamento ambiental e quais são suas modalidades?
- A legislação aplicada ao licenciamento ambiental
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