O texto de hoje se inicia como um convite a todos os leitores. Aqui, vamos falar sobre o temido processamento de dados. Uma importante etapa que vem após os levantamentos de campo, mas antes de qualquer coisa, é importante que vocês voltem nas postagens anteriores e verifiquem os passos até aqui.
Veja bem: aqui no Blog Mata nativa, já falamos de técnicas para planejamento de um bom trabalho de campo, os principais erros cometidos ao se planejar um campo e como de fato realizar os levantamentos. Quem tem acompanhado as nossas postagens, certamente possui um passo-a-passo sobre como elaborar de maneira eficiente, planejada e profissional, um bom levantamento de dados primários. Sendo assim, caso ainda não tenha lido os textos citados acima, vale a pena reservar alguns minutos para essa leitura antes de prosseguir. Certamente agregará certos conceitos e entendimentos esclarecedores para podermos continuar. Os textos podem ser acessados abaixo:
- Quais são os tipos de inventários mais comuns no Brasil?
- Como definir parcelas para o inventário florestal
- Custos e orçamento do inventário florestal
- Principais erros ao planejar um trabalho de campo
Agora que já retomamos a parte do campo, vamos direto ao que interessa: Levantamento de dados concluído. Agora tenho uma quantidade gigantesca de dados para processar, entender, comparar, gerar tabelas, gráficos e discutir. E agora? Por onde começar?
Aos que utilizaram o Mata Nativa para coleta de dados em campo, meus parabéns! Você cortou caminho para o processamento de dados, pois essa ferramenta proporciona a geração automática de planilhas e gráficos a partir de dados inseridos ainda em campo, diretamente na plataforma, o que diminui consideravelmente os trabalhos de tabulação e geração de gráficos.
Mas caso você ainda não utilize a ferramenta, seu trabalho não é impossível, apenas mais demorado. O primeiro passo é tabular os dados coletados e gerar os gráficos de interesse, que irão variar de acordo com o objetivo do seu estudo.
Com a tabulação de dados em mãos, temos que, primeiramente, focar no objetivo do nosso trabalho, seja ele, inventário florestal com rendimento lenhoso, levantamento e caracterização de vegetação, levantamento de dados sobre riqueza de espécies em específico, mapeamento de fragmentos ou corredores ecológicos ou qualquer que seja o seu objetivo.
Tenha em mente que nem todos os trabalhos necessitam das mesmas informações e nem sempre é bom pecar pelo excesso. Se você inserir grande quantidade desnecessária de informações, seu estudo fica sem objetividade e de difícil entendimento, logo, a chave de um bom processamento de dados é ser objetivo, independentemente do tamanho da discussão que o seu texto possuirá.
Note que há diferença em objetividade e falta de informações. Se há a possibilidade de comparar seus dados com o de 10 autores, por que comparar apenas com um? Essa comparação reforça a credibilidade do seu trabalho. O que devemos evitar é excesso de informações sem contexto, por exemplo: se a finalidade é um laudo de caracterização do estado sucessional da vegetação onde o principal objetivo é saber se a vegetação se encontra em estágio inicial, avançado ou médio de regeneração, com a intenção de preservar a área, para que realizar todos os cálculos de rendimento lenhoso, visto que não haverá a supressão?
Entenderem onde quero chegar?
Depois de definido o objetivo do trabalho, é hora de iniciar a análise de dados. Infelizmente, devo informar que não existe uma receita de bolo, uma metodologia imutável e infalível para processamento de dados fitossociológicos. Tudo dependerá do passo anterior, ou seja, o objetivo. No entanto, algumas etapas são fundamentais em qualquer trabalho indispensáveis para qualquer processamento de dados. Abaixo, vamos ver algumas ferramentas:
- Suficiência amostral
De acordo com Schilling e Batista (2008), a suficiência amostral é comumente utilizada em estudos fitossociológicos para determinar se a área em estudo é representativa da comunidade vegetal. É com o uso dessa ferramenta que se analisa se a relação entre a composição florística e a densidade de árvores por espécie está adequadamente amostrada em uma determinada região. A suficiência amostral é representada por gráficos, onde apresenta em seu eixo “x” o número de unidades amostrais e no eixo “y” o número cumulativo de espécies registradas.
A ordenação das unidades amostrais no eixo “x” deve o correr da mesma forma em que foi feita a amostragem em campo, de maneira a prevenir possíveis tendências do pesquisador a revelar características do hábitat.
O ponto em que a curva atinge o seu ponto de assíntota (uma linha reta que se aproxima indefinidamente da curva, porém sem interceptá-la) pode ser interpretado como o ponto onde grande parte da diversidade da composição local foi inventariada, não sendo necessário ampliar o esforço amostral.
Apenas com base o estudo de suficiência amostral, se pode concluir que o número de parcelas utilizadas foi suficiente para obter dados confiáveis da composição florística, pois a suficiência da amostra é observada apenas com a estabilização da curva, conforme figura abaixo:
Curva de suficiência amostral
Fonte: SILVA (2016)
No exemplo acima, observa-se que a curva se estabilizou apenas na parcela 8, demonstrando uma suficiência amostral. É importante ressaltar que nem sempre na primeira parcela após a estabilização da curva, a suficiência amostral será alcançada. Tudo dependerá do tamanho da sua área e da sua metodologia.
Para fins de esclarecimento, no exemplo acima, apesar de possuir poucas parcelas, quando realizei o levantamento, inventarei 40% da área de estudo, portanto, há uma segurança em afirmar que a suficiência amostral foi atingida, o que dificilmente ocorrerá em uma área muito grande, que contenha, por exemplo, 20 parcelas.
- Florística e biodiversidade
A partir das análises da composição florística e da biodiversidade de uma região, é possível se conhecer de forma precisa o comportamento da vegetação local.
Com o uso de análises referentes à composição florística, podemos comparar as parcelas lançadas em campo entre si e entender a dominância de famílias, espécies e grupos vegetais na área de estudo.
De maneira sucinta, a análise florística permite ainda, verificar a dominância, dispersão e representatividade de espécimes pela área de estudo.
Análise de espécies e espécimes por família botânica
Fonte: SIILVA (2016)
Note que o gráfico acima demonstra os resultados quanto à riqueza de famílias por parcela amostrada. Utilizando tais dados, é possível discorrer aspectos relevantes sobre a riqueza de famílias locais. A mesma linha de raciocínio pode ser utilizada com outros parâmetros.
- Estruturas vertical e horizontal
Caso seu estudo contemple a supressão vegetal (corte da vegetação), esse item é de extrema importância para que os dados possam informar com precisão as características da vegetação, seu rendimento lenhoso e até mesmo, mensurar o impacto causado pela supressão no local.
Através dos dados de estrutura vertical, é possível demonstrar os resultados obtidos por meio de CAP, DAP, altura total, altura do tronco, tamanho da copa, desenvolvimento da vegetação, entre outras características relevantes ao estudo.
Nesse capítulo, abuse de gráficos e tabelas para a demonstração de resultados, mas nãos se esqueça: por mais que os gráficos e tabelas falem por si só, um trabalho que não discorra as informações contidas nestes através de texto, não é um trabalho completo.
- Analogia das árvores
Complementando o item anterior, a analogia dos espécimes inventariados permite um melhor entendimento quanto à qualidade da vegetação levantada.
Através dessa ferramenta, pode-se estabelecer padrões comparativos quanto a qualidade do tronco, sanidade dos espécimes, aparência da copa e possíveis futuros aproveitamentos do espécime no caso de supressão.
O estudo da analogia do tronco tem por finalidade a identificação da qualidade das árvores amostradas e a relação dos indivíduos com o adensamento florestal. Através dos resultados obtidos nos dados de analogia, é possível estabelecer procedimentos de aproveitamento do material resultante da supressão da vegetação, sem causar desperdícios e em conformidade com a legislação vigente, quando for o caso.
Para cada estudo, informações diferentes quanto à qualidade dos espécimes são necessárias, cabendo ao pesquisador, estabelecer seus critérios de acordo com o objetivo do levantamento. Os mais comuns são: aparência do tronco, saúde do espécime, aparência da copa, aplicação do tipo de madeira, presença de lianas, presença de pragas, dentre outros.
Esses são apenas alguns dos tantos capítulos que podem ser abordados para o processamento de dados referentes ao inventário florestal. Infelizmente, não conseguimos discutir todos os parâmetros e padrões em apenas um breve texto, mas espero que esse artigo tenha esclarecido algumas dívidas e ajudado a nortear o início do processamento de dados para o inventário florestal. Fiquem ligados, em breve novos materiais sobre o tema serão abordados pelo Blog Mata Nativa.
Finalizando o texto, gostaria de chamar a atenção para duas importantes observações: a primeira refere-se às exigências de órgãos ambientais no processamento de dados. Caso seu inventário seja destinado ao licenciamento ambiental, lembre-se sempre de verificar o termo de referência para apresentação dos resultados. Tenha em mente que a função de um laudo é sempre responder perguntas, cabe ao técnico / pesquisador traçar os objetivos visando saná-las.
É comum que o órgão ambiental solicite dados referentes a estruturas vertical e horizontal, frequência absoluta e relativa, densidade absoluta e relativa, dominância absoluta e relativa, índice de cobertura, índice de valor de importância, índice de diversidade e equabilidade, dentre outros. É importante estar atento para atender tais exigências.
A segunda observação e, na minha opinião, o ponto mais importante de um inventário florestal bem apresentado, é a associação entre os dados de capítulos distintos. Devemos sempre ter em mente, que uma característica da vegetação não é isolada. Cada característica está ligada a outra, por exemplo, se uma vegetação é pioneira, logicamente sua estrutura vertical não será expressiva e seu DAP apresentará valores baixos. Discuta os resultados demonstrando um domínio do tema, faça junção entre os resultados obtidos em um parâmetro e o outro, certamente, seu trabalho será incontestável tanto no meio acadêmico quanto no âmbito do licenciamento ambiental.
__________ xxx __________