Quando o licenciamento ambiental, enquanto instrumento positivado em lei, foi criado, eu estava longe de nascer. A normativa que estabeleceu o licenciamento ambiental foi a Política Nacional de Meio Ambiente, Lei n.º 6.938/81 (art. 9º, inciso IV). No texto legal, art. 8º, inciso I, institui-se que é o CONAMA o responsável estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Sendo assim, em 1997, foi promulgada a Resolução CONAMA n.º 237 que discorre sobre os procedimentos e critérios utilizados no licenciamento ambiental e no exercício da competência, bem como as atividades e empreendimentos sujeitos ao licenciamento.
É nesta resolução que foram estabelecidas as grandes bases do licenciamento brasileiro: necessidade de EIA/RIMA para empreendimentos de significativo impacto; possibilidade de realização de audiências públicas; estabelecimentos de licença prévia (relativa ao local e concepção do empreendimento), licença de instalação (de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados) e licença de operação (fase final em que se autoriza a operação da atividade, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores); prazos de análise; etc.
Aniversário do Licenciamento Ambiental
Em 2021, esta famosa ferramenta completará 40 anos. Durante este tempo, as atividades produtivas avançaram bastante em tecnologia e se diversificaram; é seguro dizer que a produção de bens de curta vida útil aumentou, e com isso, aumentou também a problemática no entorno da produção de resíduos. Quem nunca ouviu falar nas grandes ilhas de plástico do oceano?
A despeito disso, enverando por um caminho que vejo como a contramão do natural e necessário, há hoje uma notória vontade dos legisladores em facilitar, ao que eles chamam de flexibilizar, a legislação ambiental geral e especificamente as regras de licenciamento.
No Estado de Minas Gerais, por exemplo, chama atenção a discussão sobre a mudança na norma de diretrizes básicas de licenciamento, conhecida por Deliberação Normativa COPAM 217/17, que emergiu a partir do momento em que se tornou conhecimento de todos que esta mudança implicou numa reclassificação de alguns empreendimentos tidos antes como de classe máxima, 6, para 4. Sendo assim, o licenciamento tornou-se menos complexo, sendo possível, inclusive obter as três licenças prevista em lei (prévia, de instalação e de operação) concomitantemente.
A meu ver, com o nível de consolidação do direito ambiental e seus princípios, principalmente o in dubio pro natura, reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal de Justiça em seus julgados, e o da prevenção e precaução, a legislação ambiental deveria avançar no sentido da proteção do patrimônio natural e jamais ser menos restritiva. Poderia, sim, ser mais eficiente, dado que é irreal imaginar o empreendedor passar 05 ou 10 anos na tentativa de obter uma Licença de Operação para finalmente poder tocar sua atividade. Mas não creio que esta presteza deve passar pela facilitação de algum procedimento ou supressão de algum dispositivo protetivo e sim pela melhor e mais racional gestão.
Singularidade da ferramenta
É bem verdade que o licenciamento ambiental brasileiro é único, o que não quer dizer que outros países democráticos negligenciem a proteção ambiental. De modo geral, os países da união europeia e do continente americano utilizam a Avaliação de Impacto Ambiental como instrumento de autorização de “direito de uso” dos bens ambientais, de forma direta ou indireta, aos particulares antes destes operarem um empreendimento.
Segundo Rigotto e Alió, na Catalunha, por exemplo, as atividades econômicas são classificadas em grupos, de acordo com sua natureza e escala, sendo estabelecido um regime para a concessão da autorização, licença ou comunicação para cada um deles, que diferem em termos da profundidade dos estudos exigidos e da frequência dos controles, entre outros. Ainda segundo as autoras, o município sempre participa do processo.
Andamento político
Tramita no Congresso Nacional brasileiro, Projeto de Lei conhecido como Lei Geral do Licenciamento. Originado no PL 3729/04, de autoria de três deputados petistas, vem sendo apensado desde 2004 e já teve diversos substitutivos. Há também um projeto de lei no Senado, de autoria de Acir Gurgacz, do PDT-RO, com o mesmo objetivo. Todas teoricamente visam dar mais rapidez e simplicidade aos processos de licenciamento. Há tempos (desde a promulgação da Constituição Federal de 88 – art. 225, inciso IV), que se faz necessária a regulamentação do licenciamento através de lei específica.
A bancada ruralista no congresso está ávida pela pauta e aprovação da atual proposta Lei Geral do Licenciamento, o que nos leva a inferir que o meio ambiente não será o maior beneficiário das mudanças trazidas. Entre os pontos negativos desta proposta, destaca-se a renovação automática da Licença de Operação a partir de declaração do empreendedor; a não aplicabilidade de licenciamento para atividades de cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semi-perenes e perenes, e pecuária extensiva e para a silvicultura de florestas plantadas; retirar a obrigatoriedade de apresentação de certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos municípios; a criação de uma licença por adesão e compromisso; e considerar as conclusões e recomendações da audiência pública não vinculantes. Um único ponto que considero positivo é determinar que as Licenças de Operação Corretiva sejam embasadas em Relatório de Controle Ambiental – RCA.
Os problemas de cada um destes pontos.
A renovação de licença automática implica na não análise, por parte dos técnicos do órgão ambiental, das condições do empreendimento. Mesmo que as condicionantes estejam cumpridas (requisito para esta modalidade de renovação), o empreendimento pode estar causando degradações não abarcadas nestas, mas presentes nos estudos ambientais, por exemplo. Ou ainda, degradações não previstas. Sabe-se que um país continental como o Brasil, com Estados maiores que países inteiros, não há estrutura organizacional suficiente para fazer fiscalizações periódicas em empreendimentos; aí jaz o perigo da automatização.
Sobre a dispensa de licenciamento para a agropecuária e silvicultura, penso que é gravíssimo. Estas atividades precisam de modernização para que diminuam seus impactos sobre a biota, o solo, a água e a qualidade do ar. Uso de agrotóxicos em excesso, uso contínuo de fertilizantes químicos, número de cabeça de gado por hectare acima do indicado são alguns dos aspectos que podem gerar impactos significativos e negativos ao meio ambiente.
Em relação à autorização municipal para uso do solo, entendo como jogar ainda mais para escanteio a municipalidade que é uma parte interessada no processo de instalação de empreendimentos em sua área. Se hoje há pouca conversa e inclusão, essa medida joga uma pá de cal e finda a medíocre participação do município nos processos de licenciamento.
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A criação de uma licença por adesão e compromisso só deve parecer interessante para quem acha que é possível padronizar o meio ambiente. Entendo ser possível simplificar o licenciamento, mas tornando-o algo mecânico, acho que não. Por mais que o tipo de atividade seja bem conhecida e mapeada, cada área é única e pode sofrer impactos de diferentes formas que devem ser bem avaliadas.
Por fim, acredito que o projeto perde uma oportunidade ao determinar que as conclusões e recomendações da audiência pública são não vinculantes. Assim como acontece com os municípios, as pessoas não costumam ter voz nos processos de licenciamento. Esqueceram que o desenvolvimento sustentável implica em equilíbrio entre a economia, a natureza e a sociedade? Será que os afetados por Belo Monte aprovariam a instalação da hidrelétrica? Será que os moradores de Brumadinho aprovavam a barragem? Não digo que eles tenham poder de veto, mas que sejam consideradas suas opiniões e necessidades.
Merece menção uma proposta que estava no primeiro PL, aquele dos petistas, que instituía a possibilidade do licenciador em exigir a contratação de seguro de responsabilidade civil por dano ambiental. Isto facilitaria tanto a internalização de passivos por partes dos empreendedores, quanto o recebimento de valores devidos em caso de dano ambiental. Hoje, por exemplo, nada foi pago pela Samarco no caso Mariana. A morosidade do julgamento de processos administrativos e cíveis impede que as multas sejam uma sanção efetiva, bem como que haja indenização. Ademais, este tipo de seguro é usado em países da união europeia, que podem servir de exemplo de boa prática.
Ressalto, por fim, o licenciamento ambiental mostra sua importância a cada dia e não deve ser esfacelado ou enfraquecido.
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