A Avaliação Ambiental Estratégica – AAE é um instrumento de avaliação ambiental já conhecido nacional e internacionalmente, porém pouco utilizado no Brasil. Édis Milaré, advogado expert em Direito Ambiental, explica, em seu notório livro “Direito do Ambiente”, que a AAE tem como principal objetivo auxiliar a formulação de políticas públicas, e, acrescento eu, planos e programas, as chamadas PPPs. Isto através da identificação de possíveis problemas ambientais ainda na fase de projetos, eliminando-os ou mitigando-os antes que se tornem irreversíveis ou demasiado danosos. É, em suma, um instrumento de tomada de decisão. O advogado esclarece ainda que este instrumento é de interesse quando se trata de políticas de grande alcance, voltadas à coletividade e ao bem-estar social.
Sánchez[1], Professor Doutor da Universidade Federal de São Paulo e especialista em avaliação de impacto ambiental, entende que, embora a AAE prepondere no âmbito das iniciativas governamentais, ela encontra espaço para aplicação em organizações privadas. Ele resume as funções da AAE em quatro itens: 1. Identificar e avaliar as consequências de uma decisão (estratégica) e de suas alternativas antes que ela seja tomada; 2. Inserir a dimensão ambiental e de sustentabilidade no processo de tomada de decisão; 3. Formalizar, sistematizar, documentar e informar uma decisão (estratégica) a ser tomada; e 4. Criar oportunidades de desenvolvimento que contribuam para a recuperação da qualidade ambiental, prevenção de riscos e melhoria da qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
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Há poucas iniciativas de aplicação da AAE no país. Nos anos 2000, alguns Estados brasileiros já experimentaram fazer uso deste instrumento, a exemplo de São Paulo, que elaborou uma avaliação estratégica para o Rodoanel Metropolitano[2]. Em Minas Gerais, foram elaboradas avaliações para o setor de transportes e de energia, cujos resultados não chegaram a ser aplicados na prática. Há ainda algumas iniciativas setoriais no Estado da Bahia, com a AAE para o setor silvicultural de produção de celulose no extremo sul e no Estado do Rio de Janeiro, cuja avaliação foi feita para o complexo industrial do porto do açu, ambos elaborados pelo Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ainda, as AAEs elaboradas, muitas vezes, apresentam problemas fundamentais, por exemplo, o momento inoportuno de elaboração das mesmas, após a tomada de decisão de implementar o projeto (plano ou programa) já ter sido tomada1, o que torna seus resultados um tanto quanto inócuos. É como acontece com os Estudos de Impacto Ambiental elaborados após a escolha da alternativa locacional ter sido feita: uma de suas diretrizes basilares não é seguida.
O Tribunal de Contas da União – TCU, em 2004, preferiu o acórdão 464 em que recomenda à Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos do Ministério do Meio Ambiente que amplie a divulgação do instrumento Avaliação Ambiental Estratégica, bem como a capacitação para os demais órgãos e entidades governamentais. Recomenda também à Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento e Orçamento que adote a Avaliação Ambiental Estratégica no processo de elaboração do Plano Plurianual e ainda à Secretaria Executiva da Casa Civil que oriente os órgãos e entidades do Governo Federal que causam impactos ambientais significativos à aplicação da Avaliação Ambiental Estratégica no planejamento de políticas, planos e programas setoriais.
Diante do uso incipiente, além da tentativa do TCU, a mais notável iniciativa de fortalecimento da Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil está no Projeto de Lei – PL 3729/2004, de autoria dos Deputados Luciano Zica, Walter Pinheiro e Zezeu Ribeiro, todos do Partido dos Trabalhadores, à época, e seus apensos (onze, no total). A proposta de institucionalização da AAE veio através do Projeto de Lei 5716/2013, de autoria do Deputado Alexandre Molon, também do PT, à época, apenso àquele de nº 3729/2004. O autor dedicou um capítulo inteiro do PL para a AAE, em que traz a obrigatoriedade deste instrumento quando da execução de planos e programas determinados por lei ou que estipulem diretrizes para a implantação, por entidades públicas ou privadas, de projetos listados no anexo III do referido PL. Os mencionados projetos são empreendimento e atividades, a exemplo de estradas, ferrovias, portos, aeroportos, etc.
Apesar de interessante, a proposta do Deputado Alexandre parece entender a AAE como um EIA para empreendimentos complexos, resumindo-a a menos do que ela pode alcançar. Esta avaliação não se presta a indicar alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada por atividades econômicas. Na verdade, a ideia desta avaliação é expor a interdisciplinaridade entre as PPPs, de modo que os impactos positivos e negativos em matéria ambiental de uma em outra possam ser visualizados antes da sua execução, quando da construção e tomada de decisão do projeto.
Por exemplo, uma política de incentivo ao transporte cicloviário pode parecer, para muita gente, apenas uma política de mobilidade urbana, mas possui diversas implicações ambientais: pensando rapidamente, imagino impactos positivos nos índices de qualidade do ar, menor poluição sonora, impactos positivos na saúde da população, melhor qualidade da água em áreas urbanas, etc., e deve haver muitos outros que minha criatividade rapidamente não alcança, sem contar os impactos negativos que não fui capaz de vislumbrar. O papel da AAE seria indicar quais as interações entre essa hipotética política de incentivo ao transporte cicloviário e o meio ambiente, permitindo que os gestores tomem decisões melhor direcionadas.
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No texto substitutivo da PL 3729, datado de 2017, editou-se boa parte do capítulo sobre a AAE, trazendo-a para uma realidade que melhor lhe cabe, dispondo que a avaliação será realizada pelos órgãos responsáveis pela formulação e planejamento de políticas, planos e programas governamentais, ou conjuntos de projetos estruturantes, de desenvolvimento setorial ou territorial e que a mesma não poderá ser exigida como requisito para o licenciamento ambiental. Ademais, a proposta normativa diz que sua inexistência não obstará ou dificultará o processo de licenciamento[3].
A AAE não é um estudo de impacto ambiental, é uma ferramenta de tomada de decisão, cuja aplicação é interessante e urgente para melhor pautar a elaboração e execução de PPPs no Brasil. Esta precisa ainda avançar, tanto do ponto de vista teórico, para evitar o bad timing, quanto do ponto de vista prático, para que os resultados obtidos com o instrumento não sejam simplesmente engavetados.
Legenda:
[1] SÁNCHEZ, Luis Enrique. Por que não avança a avaliação ambiental estratégica no Brasil? Estudos Avançados, v. 31, n. 89, p. 167-183, 2017.
[2] PELLIN, Angela et al. Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil: considerações a respeito do papel das agências multilaterais de desenvolvimento. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 1, p. 27-36, 2011.
[3] Acesse todos projetos de lei através do link: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=257161
Veja também:
- Fiscalização ambiental preventiva e corretiva
- Capacidade dos produtiva dos povoamentos
- Plano de recuperação de área degradada
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