A paisagem da região tem grandes fazendas de gado, cultivo de cana de açúcar e muitos assentamentos de reforma agrária, que abrigam famílias de pequenos produtores.
“Essa região aqui, no final do século dezenove era toda coberta por Mata Atlântica do interior. Era ocupada por índios da tribo Caiowa. Foi a última região do estado de São Paulo a ser ocupada economicamente”, conta. “A paisagem começou a mudar rapidamente no começo do século vinte, quando o governo implementou uma ferrovia, a estrada de ferro sorocabana, atual Presidente Epitácio. Grileiros. Grandes fazendeiros, latifundiários começaram a desmatar pra colocar gado. O que está acontecendo com algumas regiões da Amazônia, aconteceu aqui cem anos atrás. O mesmo tipo de ocupação descontrolada”, explica.
Entre as décadas de 1970 e 1980, o ritmo do desmatamento atingiu o seu auge e milhares de hectares de mata foram derrubados para formação de pasto.
Hoje apenas 16% do Pontal é coberto por florestas. Esse percentual só não é mais baixo, porque a região abriga algumas reservas públicas importantes, como o Parque Estadual Morro do Diabo, de 34 mil hectares.
A bióloga Gabriela Rezende explica que a vegetação original do Pontal, a Mata Atlântica de Interior, é um pouco diferente da Mata Atlântica do litoral do Brasil.
“Ela é uma mata um pouco mais seca, ela é bem marcada pelas estações do ano. E ela tem essa perda parcial das folhas durante a estação seca. Mesmo assim ela é capaz de manter uma biodiversidade riquíssima, principalmente porque ela está próxima do cerrado. Ela consegue trazer um pouco dessa biodiversidade das áreas de transição”, esclarece.
O desmatamento intenso no Pontal também provocou outro problema comum pelo país afora. O pouco que sobrou de Mata Atlântica ficou dividido em fragmentos, ou seja, ilhas de floresta, espalhadas pelas fazendas.
“A fragmentação acaba isolando populações das espécies. Principalmente as espécies que têm uma dependência muito grande das florestas, não só para viver, mas para se locomover, elas não conseguem transitar entre uma área de floresta e outra, passando por estas extensas áreas de cana de açúcar, pastagem. Quando elas ficam restritas, a população tende a ter um tamanho mais reduzido, e também a variabilidade genética vai caindo. E isso no longo prazo pode levar a extinções locais. No fim das contas levar a extinção de uma espécie inteira”, alerta.
Um dos animais mais atingidos pelo desmatamento no pontal foi o mico leão preto. Uma espécie rara, típica da mata atlântica de interior, e que por pouco não desapareceu. Nossa equipe foi junto com profissionais tentar localizar um dos poucos grupos desses micos que ainda vivem na região.
A caminhada na mata exige cuidado. Nosso objetivo era chegar antes do sol nascer num local onde estava um grupo de micos. Uma tarefa para mateiros experientes e pra bióloga Gabriela Rezende, que já fez um mestrado e está fazendo um doutorado sobre o mico leão preto.
Um pouco de espera e de repente os animais apareceram. Um deles, levando um filhote nas costas. “Eles vivem em grupos familiares, que tem o pai, a mãe e os filhotes”, explica a bióloga.
A primeira coisa que chama atenção no visual dos animais é a vasta cabeleira preta. Daí o nome da espécie. A bióloga explica que durante décadas o mico leão preto foi considerado como uma espécie extinta. E que só em 1970 cientistas localizaram animais que ainda viviam nessa região. De lá pra cá, começou um esforço para preservar a espécie.
“A gente tem uma estimativa de cerca de 1.500 indivíduos. Isso é a população toda, sendo que 80% dessa população vive no Pontal do Paranapanema”, comenta.
Gabriela faz parte de uma organização não governamental que atua em várias regiões do país: o Instituto de Pesquisas Ecológicas, ou IPÊ. No pontal, a entidade se empenha para preservar espécies ameaçadas, como mico-leão- preto; trabalha com educação ambiental; e também coordena um projeto ambicioso, que envolve agricultores e pecuaristas. É o que explica o biólogo Haroldo Borges, um dos líderes do projeto.
Agricultores participam da recuperação da floresta
Dona Rita Bernardino tem um lote de 12 hectares no assentamento Margarida Alves, que fica no município de Mirante do Paranapanema. Filha e neta de agricultores, ela sempre trabalhou com milho e feijão. Desde o ano passado, começou a apostar também num cultivo, que se tornou um dos pilares da recuperação ambiental na região: a agrofloresta.
“O objetivo geral da agrofloresta é o que você unir árvores, espécies arbóreas nativas, com culturas anuais e perenes. Isso é uma forma de aliar produção agrícola, com conservação da natureza”, comenta o biólogo Haroldo Borges.
A agrofloresta de dona Rita ocupa um hectare e tem apenas um ano de idade. Com orientação técnica, a agricultora plantou metade das linhas só com árvores da Mata Atlântica, como peroba, ingá, cedro – e entre elas formou linhas de fruteiras, como laranja, limão, manga. O espaçamento é de quatro metros entre linhas; cinco metros entre frutíferas e dois metros entre árvores nativas. As mudas e o adubo foram doados pelo projeto.
Enquanto a agrofloresta ainda está baixa, dona Rita aproveita também as entrelinhas pra plantar abacaxi, feijão de corda, mandioca… Produtos que servem pro consumo e pra venda.
Dona Rita faz parte de um grupo de 53 assentados do Pontal que contam com agroflorestas do projeto. Muitas delas já estão com árvores altas. É o caso da área de Iderval da Silva. Aos 78 anos, ele vive com a família num assentamento de Teodoro Sampaio e começou a formar a sua agrofloresta em 2001 numa área de pasto.
No espaço, Iderval conta 45 espécies nativas da Mata Atlântica e no meio delas colhe frutas como lichia, laranja, limão, banana, manga.
O principal produto pra venda é o café, que o agricultor nos mostra com orgulho. Na última safra, Iderval colheu 1120 quilos e, com isso, conseguiu uma renda extra para família de uns R$ 5.000.
Além do reforço na renda, as agroflorestas também cumprem um papel ecológico importante. Primeiro porque mantém o terreno coberto, reduzindo erosão, elevando a fertilidade do solo e melhorando a infiltração de água da chuva.
E mais: “É uma espécie de armazém de biodiversidade. Serve para os animais circularem, pássaros principalmente e pequenos animais. Usam ela para estar passando de um fragmento florestal para outro. Também é uma fonte de alimento. Você tem árvores nativas que produzem fruto. Além disso, tem toda a questão dos insetos polinizadores, que utilizam isso aqui pra tá fazendo a polinização de espécies florestais que estão espalhadas na paisagem”, diz o biólogo.
Outra atividade que prosperou nos últimos anos, turbinada pelo projeto, foi a produção de mudas. Atualmente, a região conta com onze viveiros, que tem frutíferas variadas e mudas de árvores nativas da Mata Atlântica.
Iraci Duveza fez um curso de viveirista e resolveu montar o novo negócio no sítio família, em Teodoro Sampaio. Hoje, a agricultora tem dois funcionários e produz 80 mil mudas por ano. Os principais compradores são agricultores ligados ao projeto. Ela produz mudas de 55 árvores nativas da Mata Atlântica.
As sementes para fazer mudas de tantas espécies vêm de um banco de sementes do projeto. Em uma área foram plantadas árvores de 100 espécies diferentes. Todas nativas da Mata Atlântica. Os 11 viveiristas ligados ao projeto tem acesso livre ao local e podem coletar sementes à vontade.
“Você pode tanto coletar ela na árvore, como coletar ela no solo. Cada mês tem uma espécie diferente, exemplo: peroba, cedro”, diz Nivaldo Campos, técnico em meio ambiente.
Outro negócio que floresceu no pontal puxado pelo projeto foi a prestação de serviços ligados ao reflorestamento.
Cláudio Alves vive com a família em um assentamento da região, onde produz leite. Há alguns anos, montou uma empresa especializada no transporte e plantio de mudas. “Isso é uma renda a mais do meu serviço do lote. As pessoas que trabalham comigo são assentados também, vizinhas o meu redor. Graças a essa recuperação de florestas que eu pude também dar estudo para os meus filhos”, conta.
A Fazenda Rosanela é uma grande propriedade de gado que fica em Teodoro Sampaio. Ela participa do projeto com a recuperação de áreas verdes, feita apenas com mudas nativas da Mata Atlântica.
O dono, Vicente Carvalho, nos conta que a propriedade tem lavouras de cana, perto de nove mil cabeças de gado e que começou a plantar florestas em 2005.
“Há vários anos que a gente sente a necessidade de se adequar na legislação ambiental. E surgiu o IPÊ com essa ideia lógica e interessante”, conta.
As matas plantadas na fazenda também cumprem um papel ambiental importantíssimo pra região: são corredores ecológicos, ou seja, florestas lineares que fazem a ligação entre os fragmentos de Mata Atlântica.
Em um corredor ecológico, plantado há apenas cinco anos, já dá pra ver o tamanho das árvores e no vigor da jovem floresta. O interessante é que a linha que foi cultivada, formada pela mão do homem, se desenvolve e vai ganhando uma dinâmica própria. O tempo passa e a natureza toma conta do lugar. Olhando de cima, fica mais fácil entender o que é e pra que serve um corredor ecológico. (veja no vídeo)
Um corredor que margeia o rio Paranapanema, faz a ligação entre duas áreas de que são preciosas para o Pontal: a Estação Ecológica Mico Leão Preto e o Parque Estadual Morro do Diabo.
Em 15 anos de projeto, a Fazenda Rosanela plantou 20 quilômetros de corredores, como explica o biólogo Fernando Lima.
“Quando a gente pensa em corredor, a gente pensa que é para alguma coisa passar e quem vai passar aqui é a fauna: as aves, os mamíferos. Quer dizer, os animais que antes estavam em áreas mais isoladas, agora vão contar com espaços muito maiores. Isso amplia a área disponível para as espécies. Ou seja, o indivíduo consegue sair de um lado e se reproduzir com o indivíduo que tá do outro lado, mantendo a diversidade genética”, comenta o biológo.
Para saber se o corredor está de fato funcionando, o projeto organizou um experimento pioneiro. Fernando e outros biólogos instalaram gravadores e câmeras em vários pontos da nova floresta. Os gravadores captam sons da mata, como canto de pássaros, e as câmeras registram imagens dos animais.
De tempos em tempos, os pesquisadores analisam as imagens coletadas no corredor e se deparam com cenas como um casal de antas. “Um herbívoro de grande porte, uma espécie importante na difusão de sementes. Ela vai comer um fruto um coquinho. E vai defecar em outro lugar e fazer o transporte das sementes”, diz o biológo.
Outros animais como o tamanduá mirim, um tatu galinha e até uma jaguatirica foram registrados. “As jaguatiricas se alimentam basicamente de roedores e aves. Eles promovem um controle desses grupos, mantendo as populações estáveis”, explica. As câmeras também registraram o tamanduá bandeira e uma sussuarana, ou puma, onça parda. “Um grande macho pode chegar a 80 quilos, em algumas regiões”.
Com tantos bichos circulando pela área, o biólogo não tem dúvida: o corredor ecológico começou a funcionar. “Eu não imaginava que seriam tantos registros interessantes. Agora ver essa floresta é muito gratificante. Quando eu vejo a jaguatirica eu quase choro… Fico muito feliz”, comemora o biólogo.
Corredores ecológicos, viveiros de mudas, banco de sementes, agroflorestas. Segundo os coordenadores do projeto, a ideia é que iniciativas como essas continuem se espalhando por sítios e fazendas do Pontal. Uma maneira de conciliar produção agrícola, geração de renda e a recuperação da natureza da região.
Fonte: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2017/03/projeto-com-pecuaristas-e-pequenos-proprietarios-recupera-mata-atlantica.html
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