Unidades de Conservação são espaços especialmente protegidos com objetivo de conservação e sob regime especial de administração. Esta definição está na Lei n.º 9.985/00, conhecida como Lei do SNUC, responsável por instituir oficialmente as Unidades de Conservação como forma de proteção da biodiversidade nacional.
Muito antes desta norma ser promulgada, houve a criação de espaços que se assemelham às UC’s de hoje, como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, criado nos anos 1800. Já o primeiro Parque Nacional, nome hoje dado a uma categoria de Unidade de Conservação, foi o do Itatiaia, fundado em 1937.
A própria Constituição, no seu notório art. 225, inciso III, instituiu que o poder público deve “- definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Assim, 12 anos antes da Lei do SNUC existir, a CF já previa a obrigatoriedade de instituição de UC’s em território nacional.
Diferente do que vem se propagando nos últimos tempos, que boa parte da área do país é protegida, apenas 18% do território brasileiro é coberto por Unidades de Conservação, sendo as mais protetivas, do grupo de proteção integral, representantes de apenas 6% da cobertura total. Estes dados são oficiais e foram obtidos no endereço eletrônico do Ministério do Meio Ambiente. É importante ressaltar que outros tipos de áreas protegidas, como as de preservação permanente e as reservas legais não pressupõem a existência atual de vegetação, já as unidades de conservação, em boa parte, sim.
Dito isto, vamos voltar ao SNUC. A norma que o institui separa as Unidades de Conservação em dois grupos: de proteção integral (mencionado anteriormente) e de uso sustentável, cuja diferença principal é a possibilidade de uso. No território do primeiro grupo, permite-se apenas o uso indireto dos recursos naturais com o objetivo básico de preservar a natureza; já na área das unidades de uso sustentável, segundo grupo, é admitido o uso direto, inclusive de atividades de mineração, por exemplo.
Para cada um destes grupos, há um conjunto de categorias de UC’s que merecem ser comentados. No de proteção integral temos: estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio de vida silvestre. Ou seja, o Parque Nacional do Itatiaia é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral.
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No de Uso Sustentável há: área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural.
O órgão responsável pelas atividades relacionadas a estas áreas protegidas em âmbito federal é o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade – ICMBio. Segundo sua lei de criação, de n.º 11.516/07, art. 1º, inciso I, o instituto pode propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UC’s instituídas pela União. Já a lei do SNUC, em seu art. 30, diz que “as unidades de conservação podem ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão”. Na prática, normalmente são funcionários efetivos do ICMBio que gerenciam as unidades de conservação. O mesmo acontece com as unidades Estaduais. Em Minas, por exemplo, são funcionários do Instituto Estadual de Florestas – IEF os gestores das Unidades de Conservação.
O Ministério do Meio Ambiente, em estudo sobre a contribuição das unidades de conservação para a economia nacional, aponta que o aporte de recursos do governo federal nas unidades de conservação é metade do necessário apenas para a gestão e muito aquém daquele preciso para implantação de infraestrutura adequada. Indica ainda que há um déficit grande de servidores do órgão gestor, qual seja, o ICMBio, o que dificulta a efetiva gestão das UC’s.
Neste mesmo estudo, o Ministério estima que a visitação nos 67 Parques Nacionais existentes no Brasil tem potencial para gerar entre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,8 bilhão por ano, considerando as estimativas de fluxo de turistas projetadas para o país até 2016. Ao considerar todos os tipos de unidades de conservação federais e estaduais, o estudo considera potencial econômico de 2,2 bilhões só em 2016. Porém, ressalta-se no texto que para viabilizar este potencial, as unidades carecem de investimento em infraestrutura e melhorias de modo a atender o turismo no padrão internacional. Hoje, a maior fonte de recursos às unidades de conservação são os valores oriundos da compensação ambiental.
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Para enfrentar dificuldades de aporte de recursos, foi editada a Lei Federal n.º 13668/18, que, entre outras mudanças, acresceu alguns artigos à Lei de criação do ICMBio2. O mais notório foi o 14-A, o qual, em linhas gerais, cria a possibilidade da criação de fundo gestor dos recursos da compensação ambiental, facilitando o recebimento e a implementação dos mesmos nas unidades de conservação.
Passou menos apercebido o art. 14-C, em que se lê: “Poderão ser concedidos serviços, áreas ou instalações de unidades de conservação federais para a exploração de atividades de visitação voltadas à educação ambiental, à preservação e conservação do meio ambiente, ao turismo ecológico, à interpretação ambiental e à recreação em contato com a natureza, precedidos ou não da execução de obras de infraestrutura, mediante procedimento licitatório regido pela Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995”.
O atual governo então, aproveitou este artigo para conceder grandes unidades nacionais à iniciativa privada. É o caso do Parque Nacional do Itatiaia, concedido à empresa Hope Recursos Humanos em fevereiro desse ano, que também administra os parques nacionais da Serra dos Órgãos e do Pau-Brasil.
Destaca-se, porém, que desde 2017, quando houve a edição da Medida Provisória n.º 809/17, o governo federal vem avançando em busca de concretizar estas concessões. Houve, inclusive, a edição da Instrução Normativa n.º 2, que disciplina, no âmbito do ICMBio, o planejamento, a execução e o monitoramento dos contratos de concessão de uso para prestação de serviços de apoio à visitação em unidades de conservação.
A concessão de serviço público é prática crescente no Brasil desde os anos 90, ganhando força com a promulgação da Lei n.º 8.987/95, e se resume à atribuição, por parte do Estado, à pessoa jurídica de direito privado (podendo ser consórcio), da execução de serviços que seriam de sua responsabilidade. Remunera-se a pessoa pela própria exploração do serviço.
Ninguém na iniciativa privada aceitará a concessão de unidade de conservação com fins filantrópicos. Evidentemente que a execução do serviço público, mesmo que preveja investimentos na própria unidade, deverá gerar lucro para a concessionária. Ou seja, parte da renda gerada não aportará nos cofres públicos.
Há que se considerar ainda que este modelo de concessão de serviços privilegia as unidades com potencial turístico em detrimento de outras que não são menos importantes do ponto de vista ambiental e poderiam fornecer outros serviços ambientais, inclusive de créditos de carbono, por exemplo. Ademais, a imposição de valores pode tornar o bem ambiental inalcançável para uma parcela da população. E o que falar sobre giftshops nas UC’s? Será que elas auxiliam no alcance aos objetivos da unidade? A concessão do Itatiaia prevê venda de souvenir e hospedagem, por exemplo.
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Enfim, muito são os pontos questionáveis desta iniciativa. Não diria que são necessariamente ruins, mas merecem discussão ampla, com a participação da sociedade civil, e aprimoramento contínuo.
Não podemos nos olvidar que as unidades de conservação, principalmente de proteção integral, têm o objetivo precípuo de preservação e conservação da natureza e algumas alternativas mercadológicas são incompatíveis com tal finalidade. O turismo em massa nada acrescenta à preservação e conservação ambiental (observemos o que vem acontecendo nos anos mais recentes em Fernando de Noronha).
Por outro lado, a flagrante incapacidade da administração direta em gerir e explorar de maneira sustentáveis estas unidades de conservação, faz com que esta iniciativa, a depender do modelo de concessão, seja uma boa forma de implantação das melhorias necessárias. Isto deve necessariamente vir acompanhado do fortalecimento dos órgãos gestores das áreas protegidas para que dê certo.
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