Antes de tudo, para responder a questão do título, é necessário relacionar o aumento do interesse por áreas turísticas naturais e ecológicas e as consequências da inserção das espécies exóticas nesses locais. Nota-se que, com o advento da pandemia da COVID-19 e o isolamento social proposto como medida preventiva entre os anos de 2020 e meados de 2022, as pessoas passaram a repensar sobre hábitos ligados à saúde e qualidade de vida. A partir disso, observou-se um crescente interesse por passeios em áreas verdes, além de parques urbanos e ecológico.
De acordo com o Instituto Semeia (2022), cerca de 46% dos brasileiros destacaram que pretendiam estar em contato com a natureza após o isolamento social. Com isso, dados do Sebrae (2022) vislumbram um impacto positivo para o setor de ecoturismo e sustentabilidade, na medida que se observa novas tendências em viagens e roteiros, revelando maior valorização dos pontos turísticos com aspectos naturais.
A partir disso, pode-se considerar diferentes elementos do turismo, como o natural – envolve praias, montanhas, florestas – e o urbano – onde o elemento fundamental é a cidade. Nesta discussão, direcionamos o foco para as áreas turísticas no contexto urbano, visando aspectos naturais. Em suma, tais áreas abrangem, por exemplo, os espaços verdes, ruas, praças, jardins, etc. Dessa maneira, evidencia-se a necessidade de integrar as demandas dos centros urbanos turísticos junto à natureza, despontando os setores de paisagismo e planejamento urbano.
Paisagismo em ambientes urbanos
O paisagismo se destaca como uma técnica de criação e gestão de espaços verdes, com potencial de contribuição para a qualidade ambiental. A partir dos plantios, transforma-se os ambientes urbanos, além de proporcionar uma interação mais significativa entre os seres humanos e a natureza. Assim, a chave desse processo é que o mesmo ocorra de maneira orientada por um planejamento, considerando a estrutura local, ambiental e suas características. Contudo, o que se observa é a escolha por espécies exóticas nos projetos, compondo as áreas turísticas e arborizações de ruas. A saber, o uso das espécies exóticas acaba sobressaindo, inclusive, às espécies nativas.
Mas o que são espécies exóticas?
Considera-se espécies exóticas aquelas que foram introduzidas em um determinado ambiente. Em suma, tal feito pode ocorrer de maneira intencional ou acidental, naturalmente ou por ações do homem. Em outras palavras, as espécies exóticas são aquelas que se inserem para além da sua área de distribuição natural. Nesse sentido, tais espécies se opõem às espécies nativas, originadas e encontradas naturalmente em uma região. Com frequência, atrela-se a introdução de espécies exóticas às questões econômicas e culturais. A saber, especialmente no que diz respeito às plantas, no Brasil, desde o período colonial, os imigrantes traziam consigo espécimes para fins medicinais e ornamentais (Lima, 2021).
Devido à introdução em ambientes diferentes de seu habitat natural, algumas espécies enfrentam dificuldades em se proliferar. Assim, tais espécies não representam ameaças ao ecossistema. Ademais, outras se adaptam e reproduzem sem prejudicar o equilíbrio ambiental local. Entretanto, algumas espécies exóticas podem adquirir status invasor ao se reproduzirem no ambiente, causando impactos negativos na biodiversidade. A exemplo, pode ocorrer a extinção de espécies nativas ou diminuição da qualidade dos serviços ecossistêmicos. Diante disso, ao realizar um projeto paisagístico em áreas turísticas, é necessário analisar as características ambientais, bem como avaliar as espécies a serem escolhidas.
Espécies exóticas e nativas: qual o contexto nacional?
O Brasil se evidencia como um dos países mais biodiversos do mundo. Segundo o governo brasileiro, o país abriga cerca de 46.000 espécies vegetais. Além disso, sua extensa dimensão territorial e a presença de diversas zonas climáticas contribuem para a existência de seis biomas com características distintas. Dentre esses biomas, a Caatinga se destaca como um bioma exclusivamente brasileiro. Por fim, tais fatores indicam um potencial ornamental múltiplo e gigantesco no país.
Apesar da rica diversidade que o país abriga, grande parte das plantas utilizadas nos mais diversos projetos não pertence à flora nativa de suas respectivas regiões. A exemplo, Araújo et al (2022) destacam a prevalência da hortênsia (Hydrangea macrophylla), nativa da Ásia, como escolha dominante em estradas e áreas turísticas do Rio Grande do Sul.
Em uma pesquisa sobre a arborização de uma cidade no Piauí, Abreu et al. (2023) observaram uma escassa diversidade de espécies nas vias públicas, com predominância de plantas exóticas. Em uma análise mais ampla sobre a arborização urbana no Brasil, realizada por Alves, Costa e Costa (2023) por meio de uma revisão sistemática, os autores revelam que, ao se considerar a origem e a frequência de utilização em projetos, as espécies exóticas superam em número as espécies nativas.
Implicações do uso de espécies exóticas em áreas turísticas
De acordo com Kehdi (2023), as espécies nativas co-evoluíram com outros elementos e espécies locais, o que promove uma relação mais equilibrada para o meio ambiente. Por outro lado, o uso de espécies exóticas pode criar um espaço com interações ecossistêmicas limitadas. Associado a isso, o uso de espécies exóticas pode comprometer as relações mutualísticas entre os seres vivos, por exemplo, os polinizadores.
De maneira geral, pode-se inferir que, a utilização destas espécies contribui para a homogeneização da paisagem em um país megadiverso. Em outras palavras, descaracteriza as regiões e suprime seu patrimônio genético. Diante disso, além da redução das áreas ocupadas pelas espécies nativas, destaca-se o risco iminente de declínio na biodiversidade nacional.
Por fim, cabe ressaltar que, a introdução de espécies exóticas em áreas turísticas pode desvalorizar a flora nativa, propondo mudanças no ambiente natural. Financeiramente, também é importante considerar os custos de manutenção que algumas espécies exóticas podem exigir, por exemplo, aumentando as despesas para gestão da área turística.
A introdução de espécies exóticas em áreas turísticas é uma decisão acertada?
Além da função estética, o paisagismo contribui para a conservação do ecossistema. Nesse sentido, é imperativo identificar quais espécies vegetais são mais adequadas para o ambiente em questão. Mas, respondendo à questão, é mais estratégico escolher espécies nativas do que espécies exóticas. Em síntese, diante desta escolha, promove-se a conservação da biodiversidade local e a manutenção do equilíbrio ecológico. Além disso, as chances de adaptação ao clima e ao solo também são maiores, comparadas às espécies exóticas, podendo, assim, reduzir custos no cuidado da área. Por fim, a experiência turísticas torna-se mais autêntica, sustentável e conectada ao ambiente natural.
Espécies nativas com potencial ornamental em áreas turísticas
Beckmann-Cavalcante et al. (2017), em um levantamento de espécies nativas da Caatinga, apontam algumas com potencial ornamental:
- Gomphrena desertorum Mart. (suspiro-branco);
- Cereus jamacaru DC. subsp. jamacaru (mandacarú);
- Alophia linearis (Kunth) Klatt (íris do campo);
- Sida galheirensis (malva);
- Selaginella convoluta (Arn.) Spring (jericó).
Araújo et al. (2022), considerando fontes de recursos florais para os polinizadores, citam como exemplo:
- Alstroemeria psittacina Lehm (lírio-dos-incas);
- Holocheilus brasiliensis (margaridinha);
- Begonia cucullata Willd (begônia-cerosa);
- Parodia linkii (tuna);
- Fuchsia regia (Vell.) Munz (brinco-de-princesa);
- Orchidaceae (orquídeas).
A existência de estudos investigando, bem como indicando o uso de espécies nativas brasileiras é notável. Assim, existe, agora, a necessidade de valorizá-los e implementá-los, considerando o bioma, o sistema e as características locais.
Links relacionados
Abreu et al. Arborização urbana de um município do Nordeste do Brasil: frequência de espécie exótica preocupante. 2023
Alves, Costa e Costa. Arborização urbana dominada por espécies exóticas em um país megadiverso: falta de planejamento ou desconhecimento? 2023
Araújo et al. Se essa rua fosse minha eu mandava semear: plantas ornamentais nativas para manutenção de polinizadores em áreas urbanas nos Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul, Brasil. 2022
Beckmann-Cavalcante et al. Potencial ornamental de espécies do Bioma Caatinga. 2017
MAPA. Espécies introduzidas. 2022
Kehdi. Paisagismo ecológico: plantas nativas e exóticas. 2023
Lima, R. F. Evitando invasões biológicas: investigação do potencial de plantas nativas para substituir plantas exóticas invasoras para fins ornamentais. 2021
Sebrae. Turismo ecológico: um novo perfil do viajante no pós pandemia. 2022
Semeia. Parques e a Pandemia: Comportamentos e Expectativas. 2022
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