Anteriormente tratamos da Identificação de espécies pela folha, e entendemos como a variedade de características deste órgão pode nos ajudar a reconhecer as espécies florestais, desta forma agora o nosso foco será a identificação de espécies pela casca.
Outra estrutura muito observada na Dendrologia é a casca, que corresponde a todos os tecidos localizados externamente ao câmbio vascular. Podem ser observadas características tanto da “casca externa” (ou “casca morta”), quanto da “casca interna” (ou “casca viva”). A casca externa é formada por uma ou mais camadas de células peridérmicas mortas, geralmente impregnadas por suberina. O termo “ritidoma” também é empregado como sinônimo de casca externa. Os termos “felema” e “súber”, os quais são sinônimos de “cortiça”, costumam designar situações em que a casca externa apresenta muitas camadas de células mortas. Neste caso, pode-se dizer que a casca externa ou ritidoma são corticosos ou suberosos, isto é, são espessos. A casca interna é composta por camadas de células vivas de diferentes tecidos como felogênio, parênquima cortical e floema.
As principais características da casca externa a serem analisadas para identificação são as seguintes:
a) Aparência ou Aspecto
Engloba as características estruturais e visuais da casca externa, e é moldada por dois fatores principais: a espessura da camada de células mortas e o tipo de desprendimento. As principais aparências apresentadas pelo ritidoma são:
Áspera: Ocorre quando a casca externa é pouco suberificada e as poucas camadas de células mortas não apresentam nenhuma disjunção. Geralmente é originado da presença de lenticelas, que conferem aspereza ao toque. O desprendimento pulverulento é o mais frequentemente associado. Padrão menos comum, podendo ser verificado em espécies de Rubiaceae e do gênero (Urticaceae).
Estriada: Presente em ritidomas sem formação pronunciada de súber. As poucas camadas de células mortas apresentam disjunção formando estrias de coloração diferenciada. A presença de lenticelas pode fazer com que este tipo se assemelhe ao anterior, diferindo somente pela presença das estrias. Um exemplo de espécie com esta característica é Alchornea discolor Poepp. (Euphorbiaceae).
Fissurada: As camadas de células mortas se rompem com o crescimento do diâmetro do caule, formando fissuras longitudinais em cascas externas, com algum nível de suberificação. As fissuras podem se tocar, dando um aspecto ‘trançado’, geralmente relacionado ao desprendimento em placas ou escamas. As fissurar podem ser paralelas – ou, ainda, um aspecto intermediário entre estes padrões –, em geral, derivando em um desprendimento em tiras. Em caso de ritidomas com súber muito espesso, é possível que as fissuras ocorram de forma estratificada, em que a disjunção das camadas mais externas não coincida com a das camadas mais internas, apresentando um aspecto semelhante a uma grade, como pode ser observado em indivíduos maduros de Aspidosperma cylindrocarpon Müll.Arg. (Apocynaceae).
Lisa: Também ocorrem em espécies que apresentam ritidoma pouco espesso. Neste padrão, não há presença de estruturas como lenticelas. O desprendimento mais comum neste caso é o laminado, ou menos frequentemente pulverulento. Não é um aspecto muito recorrente, porém, comum entre espécies da família Myrtaceae.
Reticulada: Este padrão está associado a algum grau de suberificação da casca externa. Ocorrem fissuras longitudinais e transversais que formam porções relativamente padronizadas e retangulares, conferindo um aspecto ‘quadriculado’, como pode ser observado em Cordia glabrata (Mart.) A.DC. (Boraginaceae). Os desprendimentos mais comuns para este tipo de aparência são em escamas e em placas. Em casos mais raros o desprendimento pode ocorrem em lâminas ou tiras.
Rugosa: Geralmente há formação de súber, porém de forma descontínua. As proeminências de súber podem apresentar aspecto verrucoso. Outra maneira se se formar ritidomas rugosos é a partir do desprendimento, geralmente em placas, que deixam depressões na casca externa, o que pode ser observado em Astronium fraxinifolium Schott. (Anacardiaceae) e Magonia pubescens A.St.-Hil. (Sapindaceae). Este termo, na prática, engloba uma série de aparências diferentes, as quais não se enquadram nas classes descritas anteriormente. Desprendimento em placas é o mais associado com esta aparência.
b) Desprendimento ou Deiscência
Como a casca externa é formada por células mortas, este tecido não é capaz de acompanhar o ritmo de crescimento do caule. Assim, ela se rompe e as partes fragmentas podem permanecer ou se desprenderem das seguintes formas:
Em Placas: Ocorre quando há o desprendimento de camadas mais grossas de súber, e a fissuração dessas camadas é irregular, formando placas de tamanhos e formatos variados. São mais espessas que as porções observadas no desprendimento escamoso. Outra característica é que neste padrão as placas são muito rígidas, lenhosas, eventualmente com textura esponjosa.
Em Tiras: Presente em ritidomas pouco suberificados e com aparência fissurada. As porções destacadas possuem formato alongado, são finas e com aspecto papiráceo, porém o desprendimento do caule ocorre de uma extremidade para outra.
Escamoso: É uma das deiscências mais comuns de ritidoma, em que o súber se desprende em placas rígidas ou quebradiças de tamanho variável e formato quadrangular a irregular. Diferentemente do desprendimento em placas, neste padrão as porções desprendidas são finas e a separação do caule ocorre de uma extremidade para outra. Geralmente associado à aparência reticulada, ou menos frequentemente fissurada.
Laminado: Também conhecido como desprendimento “esfoliante”, ocorre quando uma fina camada de súber se desprende do caule em lâminas finas e de formato irregular, às vezes com aspecto papiráceo ou quebradiço. Geralmente o destacamento é fácil e as lâminas se enrolam das margens para o centro. A superfície da casca remanescente após o desprendimento comumente apresenta coloração diferenciada. Associado a aparência lisa, este padrão de desprendimento é muito comum em Myrtaceae.
Pulverulento: Muito associado as aparências áspera e estriada, este padrão consiste no desprendimento particulado do súber, isto é, as finas camadas de células mortas se fragmentam formando um pó.
c) Nível de Suberificação
Pode ser entendido como a quantidade de casca morta ou súber gerada com o crescimento da planta. Como visto anteriormente, este aspecto pode determinar os padrões de aparência da casca externa. Entretanto, o grau de suberificação pode apresentar grande variação dentro de uma mesma espécie. Cito, como exemplo, Zanthoxylum riedelianum Engl. (Rutaceae), que quando ocorre na Amazônia, não apresenta nenhuma suberificação, a aparência é áspera e o desprendimento é pulverulento. Já quando se desenvolve no Cerrado, o ritidoma é formado por uma espessa camada de súber, a aparência é fissurada e o desprendimento é em pequenas placas corticosas de aspecto esponjoso. Ritidomas corticosos geralmente são característicos de espécies que coevoluíram com o fogo, como é o caso da maioria das arbóreas e arbustivas do Cerrado. Plasticidade morfológica induzida pelas condições climáticas também pode acarretar espessamento da casca externa em espécies que geralmente não possuem essa característica.
d) Estruturas Especiais
Acúleos e Espinhos: Os primeiros são projeções da periderme e não possuem vascularização, e por isso podem ser facilmente destacados, às vezes caducos. Já os espinhos são órgãos vascularizados, geralmente folhas, que sofreram algum grau de metamorfose. Por serem ligados ao eixo vascular, são de difícil remoção. O formato e o tamanho são variados entre as espécies que possuem essas características. Acúleos são comuns em gêneros como Ceiba Mill. (Malvaceae) e Zanthoxylum L. (Rutaceae), e espinhos em Xylosma G.Forst. (Salicaceae).
Cicatrizes Peciolares: A abscisão das folhas provoca marcas transversais no caule de algumas espécies. São muito evidentes na planta jovem, sendo que o crescimento da árvore diminui a visibilidade desta característica, que pode desaparecer totalmente, dependendo da espécie.
Lenticelas: São pequenos orifícios provenientes da ruptura da periderme, e possui função fisiológica de realizar trocas gasosas. Podem apresentar formato, tamanho, saliência e disposição variadas. Ocorre tanto nos troncos e galhos, como nos ramos, simultânea ou alternadamente. Dificilmente são caducas. Frequente nas famílias Apocynaceae, Fabaceae, Lauraceae, entre outras.
Em relação à casca interna você deve observar:
a) Cor
Esta característica é bastante variável. As cores mais comuns são branco-amarelada e rosa-avermelha, sendo que a amplitude de tons enquadrada nestes padrões pode ser muito grande. Cores branco-amareladas geralmente ocorrem em espécies de madeira de baixa densidade, e comumente apresentam externamente uma fina camada esverdeada. Esse padrão é comum em grupos como as famílias Rubiaceae e Urticaceae, e o gênero Guapira Aubl. (Nyctaginaceae). Tons rosas e avermelhados, em geral, são associados a espécies de madeira densa, como Aspidosperma cylindrocarpon Müll.Arg. (Apocynaceae), Astronium urundeuva (M. Allemão) Engl. (Anacardiaceae), Diptychandra aurantiaca Tul. (Fabaceae) e Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand. (Burseraceae).
Tons de bege são outra faixa de cor relativamente comum, como ocorre em diferentes espécies da família Saliceae. Padrões menos comuns são os marrons, presentes, por exemplo, no gênero Qualea L. (Vochysiaceae) e em Dipteryx alata Vogel. (Fabaceae). A cor preta é pouco comum, porém quase unanime entre as Asteraceae lenhosas.
Existem outros fatores importantes que podem ser observados em relação às cores da casca interna. Algumas espécies apresentam veios na casca interna, com tons variados ou até de outras cores. Essa característica pode ser observada em Dilodendron bipinnatum Radlk. (Sapindaceae) e Guazuma ulmifolia Lam. (Malvaceae). A oxidação da casca interna quando cortada também deve ser verificada. Em alguns casos, a oxidação ocorre rapidamente, sendo característica em gêneros como Cordia L. (Boraginaceae).
b) Exsudação
Exsudatos são metabólitos secundários líquidos encontrados no tecido floemático, ou menos frequentemente em outros tecidos da casca interna, e que extravasam quando as camadas vivas do caule são feridas. Podem surgir também quando uma folha ou outras partes da planta são destacadas. Comumente são categorizados da seguinte forma:
Goma: Pode apresentar coloração variada, porém se caracterizam por serem substâncias translúcidas, colantes e gelatinosas. Quando em contato com água, produz uma solução altamente viscosa.
Látex: Substância rica em água, porém difere do exsudato em goma, por apresentar aspecto leitoso e geralmente pegajoso, além de ser mais viscoso. Apresenta coloração variada, sendo mais comum em cores claras, como branco e amarelo. Famílias como Apocynaceae, Clusiaceae, Euphorbiaceae e Moraceae apresentam muitas espécies com este tipo de exsudação.
Resina: Trata-se de um exsudato geralmente aromático por conter substâncias como a Terebentina. Além do odor, é caracterizado por ser viscoso e pegajoso, se solidificando quando em contato com o ar, e adquirindo aspecto vítreo. Pode ser de cores variadas ou até incolor. Comum em grupos como as Anacardiaceae, Fabaceae e Pinaceae, e espécies de Virola Aubl. (Myristicaceae).
Seiva: Também conhecida como exsudato “aquoso”, é composta por pequenas concentrações de metabólitos secundários dissolvidas em altas porcentagens de água (80-90%). O extravasamento começa imediatamente após a lesão da casca interna, expelindo um grande volume em um curto intervalo de tempo, diminuindo rapidamente até cessar a exsudação.
c) Textura
O tipo e a proporção dos elementos constituintes da casca interna são responsáveis por determinar a sua textura. São definidos quatro grupos principais:
Fibrosa: Os tecidos que compõem a casca interna são associados a elementos fibrosos longos, geralmente resistentes e perceptíveis macroscopicamente. Ocorre em muitas espécies florestais, principalmente das famílias Annonaceae, Malvaceae, Meliaceae.
Curto-fibrosa: as camadas que compõem a casca interna são formadas por fibras pouco visíveis macroscopicamente. Quando se destaca uma parte da casca e se fricciona, as fibras tendem a se desfazer, porém não há elementos pétreos, como ocorre na textura arenosa.
Arenosa: neste caso, há pouca quantidade de fibra curta e presença considerável de elementos pétreos. Quando friccionadas, as fibras formam grumos que apresentam textura de areia ao toque. Ocorre em famílias como Aquifoliaceae, Lauraceae e Proteaceae.
Pastosa: ocorre quando há presença abundante de substâncias adesivas, apresentando textura compacta e homogênea, com aspecto pegajoso ao tato.
d) Odor
Quando cortadas, as plantas podem exalar odore, agradáveis ou não ao olfato humano. Isso se dá pelo extravasamento de compostos aromáticos presentes no tecido condutor do floema. Compostos como a Terebentina apresentam odor refrescante, em geral descrito como agradável, e são comuns em famílias como Anacardiaceae e Burseraceae, além do gênero Pinus L. (Pinaceae). Diferentes óleos essenciais conferem à muitas espécies de Lauraceae característica aromática, geralmente com odores agradáveis, com destaque para Ocotea odorifera (Vell.) Rohwer. Odores desagradáveis podem ser percebidos no Pau d’Alho (Gallesia integrifolia (Spreng.) Harms – Phytolaccaceae) e no Pau-Bosta (Tachigali vulgaris L.G.Silva & H.C.Lima – Fabaceae), como os próprios nomes populares sugerem.
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