As plantas são compotas por inúmeros tecidos e órgãos, que podem ser, em primeira análise, classificados em reprodutivos e vegetativos. Os órgãos reprodutivos são representados pelas flores e os frutos, e todas as estruturas associadas, como inflorescências e sementes. Já os órgãos vegetativos são todos aqueles que não possuem função direta na reprodução das plantas. Eles compõem a maior parte do corpo vegetal: folhas, ramos e galhos, raízes, tronco, casca, além de estruturas mais específicas que podem apresentar. Assim como os órgãos reprodutivos, os vegetativos também apresentam uma imensa variedade de formas e cores, podendo ser facilmente utilizados na identificação de espécies.
Na Engenharia Florestal a avaliação dos órgãos vegetativos é o processo mais recorrente para a identificação. Isso acontece porque na maioria das vezes o objetivo da identificação são plantas arbóreas, que frequentemente, dado o porte, não é possível visualizar flores e frutos. Além disso, muitas espécies apresentam períodos reprodutivos limitados, durando poucas semanas ou meses, dificultando a verificação dos órgãos reprodutivos.
No nosso setor lançamos mão da Dendrologia, que muita gente aí fazia, ou faz, cara feia na graduação. Pois bem, além de ser uma disciplina que pouca gente gosta, esta é uma área da ciência que se dedica à descrição dos caracteres vegetativos de espécies arbóreas e arbustivas, utilizando-os para a identificação das mesmas. Ao contrário do que alguns pensam, a Dendrologia não é mais simples que a Botânica Clássica, por não se dedicar aos órgãos reprodutivos. Pelo contrário, determinar a identificação de uma planta baseada somente em aspectos vegetativos pode ser extremamente complexo, uma vez que a plasticidade morfológica desses órgãos pode ser grande, a depender da espécie.
Dentre os órgãos vegetativos as folhas são as que mais sofrem a comum plasticidade morfológica ou fenotípica. Trata-se de um processo adaptativo das plantas, que alteram as características das estruturas (principalmente tamanho e formato) conforme as condições do ambiente onde estão se desenvolvendo. Dentre muitos aspectos ambientais indutores de plasticidade podemos citar a luminosidade, disponibilidade hídrica e condições edáficas (especialmente acidez e fertilidade). Pois é meus queridos, além de entender de morfologia vegetal, saber as principais características do ambiente é imprescindível para obter êxito ao identificar uma planta.
Mesmo apresentando este “entrave” da plasticidade morfológica, no âmbito da Dendrologia, as folhas são o órgão mais avaliado para a identificação de árvores. “Mas Otávio, o que as folhas têm de tão importante? O que devo observar para que eu possa utilizá-la na identificação?”. Vamos lá… Vou te dar algumas dicas de quais características das folhas devem ser observadas:
1 – Tipo
Se refere a como o limbo da folha é dividido. No caso de folhas inteiras, isto é, quando a lâmina é indivisa, a denominação atribuída é “simples”. Esse tipo de folha possui algumas subcategorias, geralmente determinadas pela existência de pecíolo (na ausência são denominadas “sésseis”), inserção do pecíolo e seccionamento do limbo em lóbulos, como veremos adiante.
Outras folhas possuem o limbo dividido em porções menores. Quando a divisão é de primeira ordem (as frações laminares estão anexas às nervuras secundárias) as folhas são denominadas “compostas”, neste caso a nervura principal é isolada da lâmina e recebe o nome de “raque” (ou “ráquis”), e as porções do limbo são os “folíolos”. Já o termo “recomposta” (ou “bicomposta”) é utilizado para designar folhas com divisões de segunda ordem, aqui as porções do limbo, denominadas “foliólulos”, se projetam a partir da nervura terciária, e a nervura secundária é chamada “ráquila”. É na raque, e às vezes na ráquila, que podem surgir algumas estruturas muito importantes para a identificação de espécies, como a “raque-alada” (comum no gênero Inga Mill. – Fabaceae), “estipelas” e “nectários extraflorais”, como vamos ver mais adiante.
Fique atento quando for utilizar alguma literatura, pois os termos raque e ráquila também são utilizados para denominar as ramificações primárias e secundárias das inflorescências.
A maior variação de tipos ocorre entre as folhas compostas, sendo que o nome de cada tipo de composição é derivado do tipo de nervação. Entre as espécies florestais é muito comum as folhas “pinadas” (“paripinadas” e “imparipinadas”, quando possuem um número par de folíolos e um único folíolo terminal, respectivamente), presentes em famílias como Anacardiaceae, Fabaceae e Sapindaceae. Outro tipo frequente é a folha “digitada” (ou “palmada”), que se refere à folha composta com nervuras digitadas, e é comum em Bignoniaceae e Lamiaceae. Tipos menos frequentes são “bifolioladas”, “trifolioladas”, “unifolioladas” e “pedaticompostas”.
Para as folhas recompostas são reconhecidos dois grandes subgrupos: “paribipindadas”, quando é apresentado um par de pinas (conjunto de foliólulos) no final da folha; e “imparibibinada”, se houver uma pina terminal. Um terceiro tipo, menos comum, é o “triternado”, resultante da subdivisão de uma folha trifoliolada. Outros padrões de recomposição são raros.
2 – Formato
Antes de falarmos especificamente dos formatos e de como eles podem nos ajudar no processo de identificação é preciso salientar que a avaliação deve considerar as unidades do limbo. No caso de folhas simples, é observada como um todo; para folhas compostas e recompostas avalia-se os folíolos e foliólulos, respectivamente. Entendam que, a partir daqui, quando eu me referir a lâmina, limbo, ou unidades do limbo, estou me repostando à menor fração laminar de uma folha, independentemente do tipo.
É uma das características com maior variação, sendo que uma mesma espécie pode apresentar diferentes formatos de folha. Geralmente a primeira observação é do formato total da lâmina, mas o formato do ápice e da base também são fatores importantes, e colaboram muito para o reconhecimento de uma espécie. Veja alguns aspectos sobre cada uma dessas partes:
Formato Total da Lâmina: São inúmeros formatos apresentados na literatura, os mais comuns são: “elíptica”, quando a porção mediana da folha é mais larga que o restante da folha, mas não há formação de ângulo entre as margens (a razão largura/comprimento pode ser bastante variável, indo de “estreito” a “largo” elíptica); “oblongo”, no caso de folhas com as margens relativamente paralelas; “ovada” (ou “ovalada”), quando a porção basal (ou proximal) da folha é mais larga; “obovada” (ou “obovalada”), que é justamente o oposto da ovada, ou seja, a parte apical (ou distal) é mais larga, em ambos os casos as margens não formam ângulos; e “orbicular”, representando um limbo circular.
Outros formatos são menos frequentes, e parecem ‘derivados’ daqueles formatos principais. Assim como a ovada, as folhas “lanceoladas” e “truladas” possuem a parte basal mais larga. No primeiro caso as margens não formam ângulo e o aspecto geral do limbo é alongado, com a razão largura/comprimento consideravelmente menor que na ovada. A diferença das folhas truladas é a formação de ângulo entre as margens na parte mais dilatada. Os termos “oblanceolada” e “obtrulada” seguem a mesma definição morfológica dos anteriores, mas nestes casos a dilatação da folha é na porção distal, assim como a obovada. Outro caso de formato com a dilatação apical é o “espatulado”, apresentando formato semelhante à uma espátula. A folha “romboide” é bastante incomum, representa folhas com a parte mediana mais larga, porém há formação de ângulo no encontro das margens. “Linear” é a designação de folhas muito estreitas, com comprimento até seis vezes maior que a largura, e margens paralelas em quase toda sua extensão. Um formato bastante peculiar é denominado de “acícula”, que é muito frequente entre as Coníferas, e se trata de folhas com limbo extremamente reduzido, lembrando o formato de uma agulha.
Formatos intermediários entre estes apresentados são comuns, dificultando o enquadramento das folhas nos termos pré-definidos na literatura. No tópico sobre borda comento sobre algumas derivações de formato, que ocorrem pela fendição do limbo. Além disso, existem ainda formatos mais inusitados, como “deltoide”, “panduliforme”, “runcinado”, “sagitado”, entre outros, os quais poderão ser tratados em outra ocasião.
Formato do Ápice: Se refere à extremidade da folha, a porção distal, a porção mais distante do ponto de inserção no ramo. Existem vários padrões, além de seus intermediários. Um formato bastante comum é o “arredondado”. Também frequentes são os formatos angulosos, que surgem quando a convergência das margens forma um ângulo no ápice, genericamente definidos como: “agudo”, para ângulos menores que 90°; “cuneado”, no caso de angulação próxima de 90º; e “obtuso”, quando é maior que 90°. Outro formato angular é o “truncado”, no qual a margem do ápice é relativamente reta e perpendicular ao eixo da folha.
Existem os ápices com projeções do limbo. Quando há uma transição brusca entre a parte principal do limbo e a projeção. Ou, ainda, quando o afilamento do limbo passa, abruptamente, de um ângulo obtuso para um agudo: no caso de projeções curtas, dá-se o nome de “cuspidado”, e quando a projeção é relativamente grande, denomina-se “acuminado” (algumas literaturas tratam o primeiro como um subtipo do segundo), ambos muito comuns entre as arbóreas. No caso em quem a transição não é abrupta, o ápice é chamado “atenuado” e, possui uma aparência alongada, assemelhando-se a uma calda. Mais incomuns são as projeções em ápices “mucronados” (apresentando pequena projeção rígida da nervura central -múcron), “cirroso” (quando o ápice de modifica em uma “gavinha” de fixação) e “espinescente” (com espinho).
Menos frequentes são os ápices com reentrâncias: “retuso”, que se refere a um ápice arredondado e com uma depressão arredondada, a qual não atinge o fim da nervura central; e o “emarginado”, que difere do anterior por apresentar incisão aguda e que toca (ou parece tocar) o fim da nervura central.
Formato da Base: É a porção mais próxima ao ponto de inserção do limbo no pecíolo (ramo e peciólulo, para folhas sésseis e compostas, respectivamente). A base “arredondada”, “aguda”, “cuneada”, “obtusa”, “atenuada” e “truncada” apresenta a mesma caracterização dos tipos de ápices correspondentes.
Bases que não possuem um tipo ápice semelhante são: “cordada” (ou “cordiforme”), apresenta lóbulos basais simétricos e arredondados, que se projetam além do ponto de inserção do limbo – lembra o formato de um coração -, quando a reentrância formada entre os lóbulos é mais suave denomina-se “subcordada”; “sagitada”, também possui lóbulos posteriores, mas neste caso são agudos; “hastada”, assim como os dois tipos anteriores, apresenta lóbulos basais, divergentes e perpendiculares ao eixo foliar; “decurrente”, assemelha-se ao atenuado, mas o prolongamento do limbo cobre todo o pecíolo, e a transição é abruta (assim como no ápice acuminado); e “assimétrico”, quando o formato entre as inserções laterais no pecíolo são diferentes, comum em Piper L. (Piperaceae).
3 – Filotaxia
Representa a forma como as folhas se inserem nos ramos. São reconhecidos dois padrões primários: opostas e alternas. No primeiro caso, em cada nó surgem duas folhas, enquanto no segundo, existe apenas uma folha, em ambos os casos há uma subdivisão. Quando as folhas se distribuem em um único plano, denominamos “dísticas”, sejam elas opostas ou alternas. As opostas podem ser ainda do tipo “cruzada”, quando um par de folhas surge perpendicularmente ao par de folhas anterior e ao consecutivo. No caso das folhas alternas, quando se distribuem em mais de um plano, dá-se o nome de alterna “espiralada”.
Um quinto padrão também é citado na literatura: verticilada, é quando três ou mais folhas surgem em um mesmo nó, e é pouco frequente entre espécies arbóreas. Algumas pessoas utilizam o termo “rosulado(a)” para se referir um tipo de filotaxia. É importante esclarecer que não se trata de um outro padrão, mas sim a ocorrência de um dos padrões anteriores, que associados a entrenós muito pequenos fazem parecer que as folhas partem de um mesmo ponto no caule ou ramo.
4 – Borda
A borda, ou margem, também é um aspecto muito variável. A forma mais simples é a inteira, que é quando não há nenhuma ornamentação. Isto é, não existem recortes ou reentrâncias na margem. Outros tipos de borda frequentes entre as arbóreas são a crenada, dentada ou denteada e serreada. Além do padrão de “recorte” da margem, alguns outros aspectos podem ser observados, como a ocorrência de glândulas, como é o caso de algumas Sapindaceae lianescentes; e a presença de ondulações, como em muitas espécies de Dilleniaceae.
A margem das folhas também é responsável por segregar um subtipo de folhas simples: as lobadas. O limbo destas folhas não é subdividido em unidades menores – folíolos e foliólulos, nas folhas compostas e recompostas (bicompostas), respectivamente. Entretanto, a lâmina não é contínua como nas folhas simples convencionas. Aqui, o limbo é formado por lóbulos divididos por reentrâncias, que podem apresentar diferentes níveis de profundidade. Nestes casos, a nomenclatura é dada pelo tipo de nervação e pelo nível da reentrância. Quando a inserção não ultrapassa a metade da distância entre a nervura central e a borda, utiliza-se o sufixo “tífida”. Nos casos em que o fim da reentrância é na porção mediana desta distância, a denominação é “tipartida” e, quando ultrapassa a metade da distância (geralmente atingindo a nervura principal), é empregado o sufixo “tissecta”. Por exemplo, uma folha com nervação palminérvea e pequenas reentrâncias é denominada “palmatífida”, como é encontrada em espécies do gênero Passiflora L. (Passifloraceae).
5 – Estruturas Especiais
São estruturas que não estão presentes em todas as folhas e, por isso mesmo, são muito importantes na identificação de espécies. Vamos então saber quais são essas estruturas. As principais, pelo menos…
Nectários Extraflorais: São estruturas secretoras de néctar, que podem estar localizadas em diferentes partes das folhas. Ocorrem geralmente em diferentes regiões do pecíolo, ou entre os pares de pinas em folhas recompostas. Pode ser um caractere diagnóstico em diferentes grupos, como para os gêneros Banara Aubl. (Salicaceae) e Prunus L. (Rosaceae), além da subfamília Mimosoideae na família Fabaceae.
Estipelas: São pequenas estruturas que ocorrem em algumas espécies, geralmente de folhas compostas. Trata-se de formações foliáceas que aparecem associadas a inserção das subunidades do limbo – folíolos ou foliólulos –, ou no ápice do pecíolo, no caso de folhas simples. Podem variar quanto ao formato e tamanho e, ainda, em relação à senescência. São comuns no gênero Andira Lam. (Fabaceae).
Domácias: Estrutura geralmente resultante de um processo coevolutivo, que serve de abrigo para pequenos animais. Podem ocorrer em caules e acúleos. Nas folhas se encontram nos pecíolos, ou, mais frequentemente, nas axilas das nervuras, principalmente entre a principal e secundárias. Existem domácias de diferentes tipos, mas nas folhas as mais relatadas são em “tufos de pelos” (tricomas) e “em fenda” (ou “cavidade”).
Pontuações Translúcidas: São glândulas de armazenamentos de compostos secundários, geralmente aromáticos. Por não apresentarem clorofila, conferem um aspecto translúcido à parte da folha onde ocorrem. A densidade e distribuição podem apresentar diversos padrões. Famílias como Myrtaceae, Rutaceae e Salicaceae possuem muitos integrantes com esta característica foliar.
Acúleos e Espinhos: Estas estruturas são mais comuns em caules e ramos, mas também podem ocorrer nas folhas. O tamanho e o formato são variados e, geralmente, se distribuem na nervura principal, como é o caso dos gêneros Solanum L. (Solanaceae) e Astrocaryum G.Mey. (Arecaceae). Menos frequentemente podem se apresentar na borda ou no ápice da folha.
Estes são os principais aspectos relacionados à morfologia de folhas. Outras características como textura, pilosidade/pubescência, heterofilia/anisofilia e coloração também podem ser mencionados, porém são utilizados em casos mais específicos. Percebam que, apenas tratando de folhas, eu apresentei diferentes termos com o mesmo significado. Isso nos remete ao que foi tratado nas 5 dicas para se tornar um Identificador de Espécies de sucesso.
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