O ditado é: onde passa boi, passa boiada…
Pois é, leitores queridos, onde passa um boi, passa uma boiada e foi com esse espírito que a Câmara dos Deputados aprovou no dia 13 de maio de 2021 o Projeto de Lei n.º 3729/04, que agora vai ao Senado para discussão e aprovação, ou não (se o Presidente da casa quiser, claro!). Estamos falando sim do novo marco do Licenciamento Ambiental e a OCDE- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Eu já havia escrito sobre este projeto aqui no blog e não vou ficar afeita aos seus vários pontos negativos neste texto. Vou aproveitar para comentar como a nova lei de licenciamento coloca o Brasil em marcha ré, cada vez mais distante da ideia de ser potência internacional e de entrar através do novo marco do Licenciamento Ambiental e a OCDE .
Toco no ponto sobre a OCDE pois estava lendo a coluna do Jamil Chade[1] em que ele discorre de forma detalhada como a principal vontade do Brasil, com sua política externa, é fazer parte da Organização e sobre os entraves ambientais que colocam esse objetivo num patamar bem distante. Há, inclusive, documento da própria OCDE onde está disposto que desde 2017 o país formalmente apresentou o desejo de adesão à organização.
Mas afinal, o que é a OCDE?
É um organismo internacional que trabalha na construção de políticas voltadas à melhora de vida das populações. Tem por objetivo dar diretrizes para políticas de prosperidade, equidade, oportunidade e bem-estar para todos. Para tanto, a organização trabalha junto a Governos dos países e aos cidadãos no intuito de encontrar soluções na seara social, ambiental e econômica.
A organização é composta por 38 estados-membros, bem como parceiros chave, que hoje são Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul. O grupo formado por membros e países-chave representa em torno de 80% de todas as transações e investimentos do mundo3.
Aqui está a grande vantagem de fazer parte deste organismo: o ganho de novos e bons parceiros comerciais, aumento na possibilidade de acordos comerciais internacionais e construção de uma imagem positiva nas relações exteriores (coisa que estamos precisando bastante atualmente).
No entanto, tornar-se membro da OCDE não é simples. Isto porque o país interessado deve ser capaz de demonstrar sua aderência aos termos e condições impostos pelo Conselho da organização no processo de adesão, bem como demonstrar ser capaz de implementar os instrumentos legais relevantes destacados pela OCDE, além das políticas e boas práticas exigidas pelo organismo. Durante o processo, a OCDE faz uma série de recomendações ao país interessado para que ele se alinhe aos padrões e às melhores práticas3.
O que a OCDE tem a ver com o novo marco legal do licenciamento?
É neste ponto que o Projeto de Lei n.º 3729/04, cuja relatora foi uma deputada do Partido Progressista, o famoso PP, entra em rota de colisão com o sonho brasileiro de tornar-se país membro da OCDE. Afinal, a norma, da forma que foi aprovada pela Câmara, reduz a proteção ambiental (ao invés de reduzir a burocracia, como alguns desejam fazer crer). E enfatizo que não sou eu, Larissa, crítica deste projeto de lei quem está falando isso, mas a própria OCDE no documento intitulado Evaluating Brazil’s progress in implementing Environmental Performance Review recommendations and promoting its alignment with OECD core acquis on the environment (em tradução livre, seria: avaliando o progresso do Brasil na implementação das recomendações previstas na Análise de Desempenho Ambiental e promoção de seu alinhamento com o acervo básico da OCDE sobre meio ambiente).
Esta avaliação foi discutida com representantes do Governo brasileiro no início de maio de 2021, ou seja, bem na data que a Câmara resolveu por aprovar o Novo marco ilegal do licenciamento ambiental.
Por ser muito extensa, vou me resumir a falar sobre aspectos que considero importantes, como, por exemplo, a informação que o Tribunal de Contas da União – TCU avaliou em 2018, a implementação dos requisitos legais para o licenciamento ambiental e para apresentação de Estudo de Impacto Ambiental – EIA, concluindo que houve progresso nas avaliações de impacto ambiental – AIA com consequente aceleração do processo de licenciamento. Por outro lado, o Tribunal também observou que ainda há aplicação de metodologias de AIA deficitárias.
Este relatório da OCDE destaca ainda o Projeto de Lei aqui comentado, que visa instituir um novo marco legal para o licenciamento ambiental no país, apontando que a norma em sua versão atual (aquela aprovada pela Câmara) introduz a licença automática em caso de descumprimento do prazo nela mesma determinado, por parte do órgão ambiental quanto da análise do processo.
E ainda, a lei cria um EIA simplificado (me pergunto que lógica é essa que o estudo basilar do processo seja simplificado quando o próprio TCU já identificou que metodologias incorretas só acarretam problemas ao licenciamento).
A OCDE destaca que este projeto de lei recebeu várias críticas por eliminar a necessidade de licenças, o que, a meu ver, é inconstitucional; ou simplificar demasiadamente os processos, ao invés de buscar mais eficácia e eficiência. E isto fica claro quando são observados os prazos propostos no PL, que são incompatíveis com o tempo necessário para a realização de uma boa AIA.
O que a OCDE recomenda para o licenciamento ambiental então?
Frente a tudo que foi avaliado sobre os cenários atual e futuro do licenciamento brasileiro, a OCDE recomenda:
1 – A introdução no arcabouço jurídico brasileiro ou reforço, quando a exigência legal já existir, do uso da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE como instrumento de planejamento territorial na esfera administrativa dos diferentes entes da república;
2 – Introdução legal da necessidade de planos e programas de desenvolvimento setorial também com uso da AAE;
3 – Desenvolvimento de metodologia e procedimentos para elaboração de Estudos de Impacto Ambiental de projetos e de Avaliações Ambientais Estratégicas de planos e programas, além de treinar as autoridades competentes para ligas com estas ferramentas.
Do alto dos meus oito anos de experiência com licenciamento ambiental de uma variedade de atividades (poços de petróleo, mineração a céu aberto, mineração subterrânea, parcelamento de solo, indústrias variadas, etc.) em Estados diferentes do país, opino que os reais problemas no licenciamento ambiental brasileiro são: baixa quantidade de agentes ambientais nos órgãos de licenciamento; falta de treinamento constante para os agentes licenciadores; falta de infraestrutura para as equipes de meio ambiente; alta subjetividade nos processos, que é corolário da falta de diretrizes internas claras para atuação dos licenciadores; falta de planejamento por parte dos empreendedores e baixa qualidade dos estudos ambientais apresentados pelos empreendedores.
Estou certa que há ainda várias pesquisas sérias sobre os entraves nos processos de licenciamento ambiental e estou mais certa ainda que a flexibilização, a dispensa de licenciamento e as ações congêneres a estas não são o melhor caminho para o Brasil nem do ponto de vista público, nem do privado.
[1] Jamil Chade é um jornalista brasileiro e colunista especializado em política internacional.
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