Tudo começou em 2010, a partir de um comunicado formal feito pela Superintendência de Serviços e Transporte de Cargas (SUCAR) atestando a obrigatoriedade do porte da declaração do expedidor relacionado ao ensaio do carvão vegetal, conforme os critérios dispostos na resolução da Agência Nacional de Transporte (ANTT). Aliás, a SUCAR atua diretamente com a ANTT.
Nessa época, estavam tornando-se constantes as ocorrências de acidentes em rodovias federais com o transporte de carvão vegetal e como forma de mitigar foi instaurado o regulamento da SUCAR, uma medida pública que seria ideal para o momento.
O problema é que ao estabelecer esse regulamento estava sendo atestado, diga-se ainda, erroneamente, que o carvão vegetal deve ser considerado um produto perigoso porque pode sofrer a autocombustão.
O que é a Autocombustão?
A autocombustão, segundo a ANTT, é um acontecimento químico que ocorre a partir da reação de materiais combustíveis com o oxigênio, ocasionando uma lenta geração de calor, pelo qual os materiais elevam suas temperaturas através de reações exotérmicas internas e atingem temperaturas maiores do que a temperatura ambiente. O aumento repentino da temperatura é usado como indicador para descrever esse fenômeno. E o teste do auto aquecimento proposto pela ANTT segue as diretrizes do Manual de Ensaios e Critérios – Recomendações sobre o Transporte de Produtos Perigosos, 2015, 19ª edição – da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo o Manual da ONU, o carvão vegetal, devidamente classificado, deve ser submetido a temperatura de 140 °C por 24 horas e será atestado negativo se essa condição não se alterar.
Sabendo disso, dois estados brasileiros conseguiram comprovar que o carvão vegetal não sofre combustão espontânea. Situação essa completamente diferente da vivenciada pelo estado de Minas Gerais, que além de classificar o carvão vegetal, erroneamente, como carga de produto perigoso, vem tornando também ainda mais burocrático o seu transporte no estado. Inclusive, o governador de Minas publicou em abril de 2019 o decreto n.º 47.629, que estabelece novas medidas relativas a acidentes no transporte de produtos ou resíduos perigosos e que tem afetado diretamente o transporte do carvão vegetal no estado.
Por que o carvão vegetal não sofre autocombustão?
Para facilitar a compreensão desse assunto, vamos utilizar como exemplo o Festival Nakhwa, na Coréia.
E você deve estar pensando nesse momento, qual seria a relação entre o festival e a autocombustão do carvão? Bem, a explicação é a seguinte: para o Festival acontecer é necessário produzir um material com características e propriedades pré-estabelecidas. Esse material, a qual chamam de carvão vegetal no Festival da Coreia, aqui no Brasil seria popularmente conhecido como “atiço” ou biomassa mal carbonizada e caracteriza-se por apresentar elevado teor de materiais voláteis e baixo teor de carbono fixo.
A elevada concentração e a emissão rápida de materiais voláteis são fatores que contribuem decisivamente para acelerar a ignição do carvão vegetal e favorecer a ocorrência de reações denominadas de combustão explosiva, a qual apresentam taxa de reação relativamente alta. Essas reações são favorecidas na presença de materiais voláteis.
Além disso, há uma relação inversa entre o teor de materiais voláteis e o teor de carbono fixo presente na composição química do carvão vegetal. Isto é, quanto maior o teor de materiais voláteis, há uma tendência de se diminuir a concentração do carbono fixo.
Experiencia no Festival Nakhwa
Logo, para atender a demanda exigida pelo Festival Nakhwa, a concentração de materiais voláteis deve ser significativamente alta e para isso, o processo de conversão térmica da biomassa é, necessariamente incompleta.
Sendo assim, após submeter a biomassa a esse processo de carbonização incompleta, o material resultante é triturado com o intuito de aumentar a área superficial, facilitar a ignição e a ocorrência da reação de combustão explosiva. E como resultado durante o festival, temos uma linda imagem decorrente da energia liberada em forma de calor, formando pequenas chamas.
Por outro lado, o carbono fixo é um dos principais parâmetros de qualidade do carvão vegetal. A estrutura cristalina das ligações carbono com carbono presente no carvão vegetal são consideravelmente estáveis termicamente. Por isso o carvão vegetal, produzido nas unidades de produção do Brasil, não entra em ignição facilmente e para que a ignição ocorra é necessária uma fonte externa de calor.
Afinal, a composição química do carvão é majoritariamente formada por ligações de carbono… [O carbono presente no carvão vegetal é resultante, principalmente da decomposição térmica da lignina da madeira. A lignina é o composto químico de maior estabilidade térmica da madeira. E a elevada resistência da lignina à degradação é atribuída a seus anéis aromáticos, que são constituídos sobretudo de carbono].
A propósito, você consegue entender agora, por que o teor de carbono fixo inferior a 70% pode comprometer a qualidade do produto?
Concluindo
A partir de outras análises, como Análise Termogravimétrica (TGA), Termogravimetria Derivada (DTG) e Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC), também é possível verificar que as propriedades térmicas do carvão vegetal não são semelhantes a de um material que sofre autocombustão. As análises térmicas são realizadas com o intuito de monitorar as propriedades físicas e químicas do carvão vegetal em função da temperatura, enquanto a amostra é submetida a uma programação controlada de temperatura.
Quando o carvão vegetal é exposto à temperatura ambiente e na presença de oxigênio não é observado a ocorrência de reações químicas, caracterizadas pela liberação de calor, a qual chamamos de reações exotérmicas. Inclusive, esse fato foi atestado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental sediada no Rio Grande do Sul e pelo Sindicato das Indústrias e dos Produtores de Carvão Vegetal do Mato Grosso do Sul, a partir da realização de testes e elaboração de portfólios técnicos. Portanto, o carvão vegetal não sofre combustão espontânea.
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