Nos diversos textos anteriores sobre os Sistemas Silvipastoris Autóctones (SSA ) abordamos diversas temáticas relacionadas ao seu manejo, importância social e aspectos produtivos. Nesta última última etapa dessa sequência, abordaremos como todos esses fatores devem ser levados em consideração para que esses sistemas possam se regenerar e serem perpetuados a longo prazo. Para tanto, inicialmente resumiremos os assuntos tratados anteriormente, para que a importância da manutenção dos SSA seja mais clara.
Contextualizando os Sistemas Silvipastoris Autóctones
A sinergia de seus componentes ambientais bióticos e abióticos é o que caracteriza os Sistemas Silvipastoris Autóctones. Por isso, eles configuram uma estratégia para tornar a indústria pecuária mais sustentável. Essa interrelação torna a implementação e gestão dessas paisagens mais complexa, pois as práticas de manejo estabelecidas para um componente refletem em todos os demais. Assim, nos últimos anos as pesquisas relacionadas aos SSP buscam estratégias para melhorar o seu uso sustentável através da restauração de ecossistemas e a implementação de práticas sustentáveis de manejo.
São sistemas produtivos onde as pastagens são semeadas entre as árvores poupadas durante o desbaste seletivo da vegetação nativa. Em propriedades de menor escala os agricultores tendem a manter espécies arbóreas com alguma importância local. Principalmente, porque algumas das funções desses sistemas são o fornecem alimento, renda e identidade cultural com as famílias manejadoras. Além da importância socioeconômica dessas paisagens, sua contribuição para mitigação das mudanças climáticas é essencial. Portanto, os agricultores devem difundir entre si práticas adequadas de manejo dos diferentes componentes desses sistemas. Isso porque a sustentabilidade a longo prazo dessas pastagens é um fator primordial para impulsionar sua adoção e garantir a melhoria de suas funções ecológicas, perpetuidade e fornecimento de serviços ambientais (SA).
Nos ecossistemas SSP o componente arbóreo é consorciado com espécies forrageiras para garantir a nutrição dos animais. Neste contexto, a fonte de renda advinda dos produtos de origem animal, principalmente leite e carne, é depende do manejo dos rebanhos e dos componentes associados. Portanto, as práticas de manejo dos rebanhos devem considerar a produtividade animal aliada a manutenção das pastagens, da qualidade do solo, disponibilidade hídrica e a riqueza e densidade do componente arbóreo.
Em áreas de Sistemas Silvipastoris Autóctones, a capacidade de estoque animal tende a ser reduzida em função do aumento da densidade de árvores. Além disso, a competição com o componente arbóreo pode reduzir a produtividade das forrageiras. Portanto, os pecuaristas devem gerenciar os rebanhos para que a lotação animal e a rotatividade de pastoreio não prejudiquem o desenvolvimento dessas espécies. Quando controlam a intensidade de pastoreio, eles favorecem a dominância de forrageiras gramíneas, o que melhora a captação de luz e estimula o crescimento. A exclusão temporária da herbivoria do rebanho é considerada eficaz e de baixo custo para a manutenção das pastagens.
Por outro lado, em sistemas produtivos SSA de pequena escala a limitação do pastoreiro pode não ser uma alternativa economicamente viável, dada a necessidade de realocação dos rebanhos, sendo necessária a adoção de estratégias de manejo que garantam a perpetuidade da produção animal. Um estudo anterior, evidenciou que o tipo de animal (bovinos e suínos) apresentam impactos diferenciados sobre a compactação do solo, degradação do sub-bosque e regeneração de espécies arbóreas. Portanto, o pecuarista deve considerar cuidadosamente os impactos dos animais na qualidade das pastagens durante o manejo dos rebanhos.
Manejo da forrageiras
O próprio componente forrageiro pode ser manejado para manter a saúde e a produção da pastagem constantes a longo prazo, tornando os sistemas mais sustentáveis. Por exemplo, espécies de gramíneas apresentam repostas fisiológicas, estruturais e produtivas variáveis sob diferentes intensidades de cobertura arbórea. Algumas dessas espécies podem ser mais resistentes ao sombreamento, mas forrageiras não-gramíneas podem ser ainda mais vigorosas, produzindo biomassa em quantidades desejáveis mesmo em Sistemas Silvipastoris Autóctones com ≥60% de cobertura arbórea. Forrageiras leguminosas podem melhorar a disponibilidade de N no solo e produzir forragens mais nutritivas para o rebanho. Portanto, sistemas de pastagens mistas, com forrageiras gramíneas e não-gramíneas ou diferentes combinações de leguminosas, também podem apresentar bons rendimentos quando cultivadas sob sombreamento. Além disso, algumas dessas espécies mantêm-se persistentes mesmo em condições de pastoreio prolongadas, e apresentam bons níveis produtivos e nutricionais.
Assim, os produtores rurais podem fazer da seleção e implementação de diferentes combinações de espécies forrageiras, em condições variáveis de cultivo e sombreamento, uma estratégia de manejo da pastagem para impulsionar os ganhos de produtividade. As forrageiras ainda podem apresentar um benefício adicional relacionado ao controle de espécies indesejáveis e proteção do solo.
Uma prática de manejo comum entre os agricultores é a utilização de queimadas para renovação das pastagens. Entretanto, mesmo em ecossistemas em que as relações ecológicas evoluíram com a ocorrência do fogo, o uso dessas práticas de manejo pode reduzir a diversidade vegetal local. Além disso, pode comprometer a abundância, riqueza e comportamento de insetos como formigas, demografia e comportamento de aves, entre outros prejuízos ambientais. As queimas prescritas são uma forma de utilizar o fogo para manejar essas paisagens. Essa técnica visa diminuir a carga de combustível a curto prazo, e consequentemente, a frequência e intensidade de incêndios ocasionais. Essas queimas também podem ser um agente regulador de espécies invasoras e renovador das plantas nativas. Portanto, o agricultor deve fazer ponderações muito bem embasadas para a tomar decisões a respeito do uso dessa técnica. Tendo em vista seus efeitos sobre a biodiversidade e a regeneração de espécies frutíferas podem ser irreversíveis.
Competição de forrageira e regeneração de arbóreas
A escolha e manejo da forrageira são cruciais para a regeneração e desenvolvimento das arbóreas. Isso acontece, pois tanto espécies gramíneas nativas como exóticas invasoras podem apresentar os mesmos efeitos negativos sobre a riqueza, abundância e crescimento desse componente. Adicionalmente, a pressão dos rebanhos impacta negativamente a regeneração do estrato lenhoso, resultando em uma possível modificação da composição e estrutura dessa comunidade. As áreas antrópicas onde cessaram o uso agropecuário podem apresentar alta riqueza de espécies lenhosas após poucos anos de pousio. Isso é especialmente observado para o Cerrado, pois a vegetação savânica possui alto potencial de regeneração mesmo após intenso manejo pastoril. Portanto, o abandono de pastagens no Cerrado também é uma estratégia para aumentar a riqueza e densidade de mudas de plantas arbóreas. Entretanto, indique a supressão de gramíneas para evitar a concorrência, redução do crescimento e a consequente mortalidade.
A remoção é especialmente importante quando o estrato forrageiro é composto por gramíneas exóticas. Essas espécies agem negativamente sobre a regeneração nativa até mesmo depois de quatro décadas de abandono da pastagem. Em alguns casos a supressão manual da gramínea exótica invasora é suficiente para garantir o aumento da densidade de indivíduos lenhosos e desenvolvimento das árvores pré-estabelecidas. Entretanto, o uso de herbicidas para suprimir essas gramíneas ou ervas daninhas nas pastagens pode levar à redução da regeneração de árvores em Sistemas Silvipastoris Autóctones.
O uso do fogo, comum para o manejo de pastagens no Cerrado, também pode reduzir a riqueza de espécies na regeneração. Nesses ambientes, o recrutamento por rebrota é uma importante estratégia de regeneração de várias espécies do Cerrado. Esse mecanismo ecofisiológico colabora para a perpetuação dessas populações. A importância disso se acentuar em pastagens abertas e distantes de fragmentos nativos, pois sua colonização por espécies arbóreas é menor em comparação com os Sistemas Silvipastoris Autóctones.

Manejo da regeneração arbórea
O manejo e nível de degradação das pastagens modulam a qualidade e intensidade da regeneração de espécies nativas. Assim, diferentes técnicas podem ser indicadas para impulsionar a regeneração e perpetuidade do componente arbóreo dos Sistemas Silvipastoris Autóctones. O plantio de mudas de espécies de interesse nos próprios SSA e nos fragmentos adjacentes melhora a riqueza e diversidades desses ecossistemas. Sobretudo aqueles severamente degradados e sem capacidade de autorregeneração, tornando-os fonte de propágulos para regeneração das populações nativas.
Além disso, a semeadura direta dessas espécies pode ser uma alternativa tão bem-sucedida quanto o plantio de mudas. Mas essa alternativa apresenta outro benefício, o custo significantemente inferior, facilitando a restauração, inclusive de espécies frutíferas, por agricultores com poucos recursos financeiros. Também é necessário avaliar a presença de efeitos alelopáticos durante a adoção das espécies arbóreas, pois isso pode maximizar os efeitos da competição por luz e reduzir a produtividade da forrageira. Adicionalmente, determinadas espécies arbóreo-arbustivas podem necessitar de técnicas de quebra de dormência para impulsionar sua germinação após sua semeadura em campo.
A semadura direta, embora mais barata e menos trabalhosa, pode não ser indicada para algumas espécies, tornando necessária a utilização combinada desses métodos. A limitação dessa técnica ocorre principalmente para espécies capazes de dominar a comunidade regenerante e aquelas que se estabelecem melhor através do plantio de mudas. Portanto, é necessário propor e implementar com cautela as técnicas de restauração e manejo do componente arbóreo do SSA. Para isso, devem levar em consideração os efeitos da forrageira, dos animais e a ecologia das espécies arbóreas. Isso se torna ainda mais importante em áreas onde a regeneração natural é vigorosa, pois essas intervenções, sobretudo as mecanizadas, podem ter efeito contrário e prejudicar a emergência e sobrevivência das espécies arbóreas.
Manejo das árvores remanescentes
Práticas de manejo das árvores também são necessárias para garantir a produtividade, sustentabilidade e perpetuidade dos Sistemas Silvipastoris Autóctones. Muitas espécies de árvores apresentam alta densidade de copa e não fazem desrama natural. Portanto, é necessária a realização de podas para reduzir os prejuízos da competição por luz nas pastagens. Essas podas se tornam essencialmente importantes com o amadurecimento dos sistemas, pois a copa das árvores tende a ser cada vez maior com o avanço de sua idade. Esse fenômeno alavanca o impacto do sombreamento dessas espécies na produção de forragem. A realização dessa atividade apresenta efeitos variáveis sobre a produtividade de espécies forrageiras. Pode impulsionada a produtividade, pela liberação de nutrientes armazenados na biomassa desbastada, ou reduzida quando esses detritos possuem substâncias inibidoras de crescimento.
As podas também podem ser aplicadas para melhorar a produtividade de espécies frutíferas. Quando bem conduzida, a poda em árvores frutíferas em processo de senescência aumentou o crescimento, a produção e a qualidade dos frutos. Ainda sobre o manejo relacionado aos Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM), os agricultores que dependem da coleta de frutos, por exemplo, possuem conhecimentos empíricos. Principalmente, sobre como a interação de variáveis fenotípicas, fitossanitárias e ambientais interfere na produtividade das espécies frutíferas manejadas. Também é comum que eles observem a produtividade das árvores, aplicando uma intensidade de colheita proporcional à produção sazonal.
A intensidade de coleta também depende de fatores como proximidade dos recursos (florestas ou árvores isoladas em pastagens), das outras fontes de renda do núcleo familiar, e do acesso à comercialização dos frutos. Esta última intensificada pela organização em associações ou cooperativas locais de coletores. Nesse contexto, a infraestrutura de transporte é um fator que influencia a intensidade de colheita e comercialização desses PFNM. Contrariamente ao que se espera, em alguns casos, os acordos de uso coletivo desses recursos não intensificam a coleta de frutos, ao contrário do que se espera, mesmo em áreas onde o uso é privado. Portanto, os sistemas de uso de recursos florestais não é necessariamente antagônico à conservação das espécies arbóreas.
Componente arbóreo e forrageira
O manejo da cobertura arbórea pode apresentar ainda outros impactos positivos sobre a produção de forragem, pois o sombreamento mantém a umidade e reduz o esgotamento hídrico do solo. Assim, o sombreamento moderado pode melhorar a emissão e sobrevivência de perfilhos de forrageiras gramíneas, melhorando a quantidade e estabilidade da produção de forragem. A presença de árvores também pode melhorar a qualidade nutricional da forragem, aumentando o teor de proteína e reduzindo a quantidade de fibras.
Adicionalmente, o sistema radicular arbóreo profundo também contribui com o crescimento das forragens através da captação de nutrientes depositados nas camadas mais profundas do solo, disponibilizando-os para a forragem durante a ciclagem de nutrientes. Também é preciso avaliar os efeitos alelopáticos ao adotar espécies arbóreas, pois eles podem maximizar a competição por luz e reduzir a produtividade da forrageira. Esses fatores reforçam a necessidade de uma avaliação criteriosa na escolha das espécies arbóreas e forrageiras, e condução das práticas de pastoreio e de podas nas árvores, que resultarão em sistemas de alta produtividade.

Componente arbóreo e solo
A implementação de árvores nos Sistemas Silvipastoris Autóctonestambém pode ser considerada uma prática de manejo do solo, pois a presença delas é responsável por aumentar a quantidade de serrapilheira e de nutrientes disponíveis, o que pode superar os efeitos negativos do sombreamento sobre a forragem. A presença dessas árvores favorece ainda a diversidade microbiana do solo, e consequentemente a decomposição da matéria organiza e disponibilização de nutrientes. O sistema radicular arbóreo também melhora a infiltração e disponibilidade hídrica do solo. Entretanto, determinadas espécies arbóreas, como alguns híbridos de eucalipto, podem causar prejuízos para a umidade do solo, intensificando o déficit hídrico nos períodos de baixa pluviosidade.
O manejo das condições do solo também influencia a longevidade dos SSA, pois a melhoria proporcionada pelas árvores evita que os indicadores de fertilidade do solo, relativos à degradação das pastagens, sejam inadequados para as forragens. Alguns desses indicadores são a capacidade de troca catiônica (CTC), o carbono orgânico (CO) e os terrores de N, Na e Ca. Além disso, a acidez do solo reduz o crescimento vegetativo, a floração e o teor nutricional da forragem. Esses fatores apontam para um declínio da necessidade de fertilização das pastagens a longo prazo. Isso é benéfico financeira e ecologicamente, pela redução do aporte de agroquímicos nessas paisagens.
Sistemas Silvipastoris Autóctones e sociedade
A adoção e manejo de Sistemas Silvipastoris Autóctones é uma iniciativa ligada também às percepções socioculturais dos núcleos familiares rurais. A a percepção a respeito dos benefícios das árvores em diferentes sistemas consorciados direciona as práticas de manejo. Isso porque a diversidade de funções reconhecidas pelos agricultores determina a diversidade e a densidade de árvores mantidas na paisagem. Além disso, o conhecimento dos agricultores sobre as técnicas de implementação e manejo desses sistemas possui origens variadas.
A transmissão através de gerações continua sendo uma importante forma de assegurar a continuação desses conhecimentos. Entretanto, a experimentação de novos métodos e a partilha de experiências entre agricultores têm expandido os horizontes dessa temática. Nesse contexto há uma necessidade de estimular o diálogo entre agricultores, cientistas, técnicos e outros atores sociais. Essa troca de informações deve melhorar o conhecimento sobre a concepção e manejo adequados desses sistemas, tornando-os cada vez mais diversificados e sustentáveis.
Os SSA são um sistema de produção que maximiza o uso da terra e oferece uma maior diversidade de renda para os agricultores. Do ponto de vista econômico, os agricultores podem adotar a estratégia de internalizar consumidores específicos em pagar pelos serviços ambientais. Alguns exemplos destes são a estocagem de carbono e proteção dos recursos hídricos . Assim, o pagamento pelos diferentes serviços ambientas (PSA) prestados pelos SSA são uma forma de estimular os agricultores a exercerem práticas mais sustentável para manejar seus sistemas produtivos. Esse processos levam a restauração das pastagens degradadas e aumento da densidade de árvores. Portanto, o conhecimento ecológico, associadas às iniciativas de restauração podem garantir um sistema de gestão mais sustentável, mais aptos a serem assistidos por mecanismos de PSA. Esses fatores levam ao estabelecimento de SSA com alta riqueza e diversidade de espécies arbóreas em comparação com os fragmentos de diferentes estágios sucessionais.
