Mesmo quem não assistiu ao Fantástico no último domingo (18), ficou sabendo do rebuliço que a nova série exibida pelo programa causou entre os ambientalistas.
Na série, produzida pela rede britânica BBC, pesquisadores renomados explicam como o consumo exagerado afeta a vida animal e mostram como a ganância e a irresponsabilidade humana aumentam a chance de sermos atingidos por outros vírus letais. E também falam das saídas que existem para frear essa nova extinção em massa.
Algumas das descobertas citadas na reportagem vêm de um painel apoiado pelas Nações Unidas chamado Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).
De acordo com o relatório, as atividades agrícolas tiveram o maior impacto sobre os ecossistemas dos quais as pessoas dependem para obter alimentos, água potável e um clima estável. Assim, a perda de espécies e habitats representa um perigo para a vida na Terra tanto quanto as mudanças climáticas, diz o resumo do trabalho, divulgado em 6 de maio de 2019.
A análise destila resultados de cerca de 15.000 estudos e relatórios do governo, integrando informações das ciências naturais e sociais, povos indígenas e comunidades agrícolas tradicionais. É a primeira grande avaliação internacional da biodiversidade desde 2005.
Remodelando a vida na Terra
Cerca de 75% das terras e 66% das áreas oceânicas foram “significativamente alteradas” pelas pessoas, impulsionadas em grande parte pela produção de alimentos. As operações agrícolas e pecuárias atualmente ocupam mais de 33% da superfície terrestre e consomem 75% de da água doce.
As atividades agrícolas também são algumas das maiores contribuintes para as emissões humanas de gases de efeito estufa. Eles respondem por cerca de 25% das emissões totais devido ao uso de fertilizantes e à conversão de áreas como florestas tropicais para o cultivo ou a criação de gado. As ameaças agrícolas aos ecossistemas só aumentarão à medida que a população mundial continua a crescer, diz o relatório.
O relatório também estabelece ligações indissociáveis entre a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas. Estima-se que 5% de todas as espécies estariam ameaçadas de extinção por 2 ° C de aquecimento acima dos níveis pré-industriais – um limite que o mundo poderia quebrar nas próximas décadas, a menos que as emissões de gases de efeito estufa fossem drasticamente reduzidas. A Terra pode perder 16% de suas espécies se o aumento médio da temperatura global exceder 4,3°C. Esses danos aos ecossistemas minariam os esforços globais para reduzir a pobreza e a fome.
Como o IPBES estimou 1 milhão de espécies ameaçadas de extinção?
Cerca de 1,7 milhão de espécies de animais e plantas receberam nomes científicos, mas esse número cresce cerca de 10.000 a cada ano, conforme espécies adicionais são reconhecidas e descritas pela primeira vez.
Sabemos que muitas outras espécies ainda precisam ser descobertas, mas não sabemos exatamente quantas. Diversas abordagens são usadas para se estimar o total real, mas nenhum desses métodos é perfeito. Eles fornecem uma ampla gama de respostas – de 3 milhões a mais de 100 milhões. A maioria das estimativas mais recentes com base em abordagens bem pensadas está na faixa de 5-20 milhões.
Para a Avaliação Global do IPBES, os pesquisadores utilizaram uma estimativa de um artigo publicado por Mora et al. em 2011, que citava 8,1 milhões de espécies animais e vegetais.
O método usado por Mora et al. usa uma regularidade na estrutura das classificações taxonômicas. As espécies são classificadas hierarquicamente em gêneros, famílias, ordens, classes e filos.
Em outras palavras, se você souber quantas famílias cada ordem tem em média dentro desse grupo taxonômico particular, você pode fazer uma boa estimativa de quantos gêneros cada família terá em média e quantas espécies cada gênero terá em média.
Método conservador
Os dados genéticos mostram que muitas das espécies que reconhecemos no momento, na verdade, contêm várias – muitas vezes, linhagens que não trocaram genes entre si por um longo tempo. Elas poderiam ser chamadas de espécies e aumentariam os números consideravelmente (é daí que vêm as estimativas de mais de 100 milhões). Fazer isso aumentaria não apenas o número de espécies ameaçadas, mas também a proporção, porque muitas das espécies recém-reconhecidas teriam distribuições muito estreitas, tornando-as mais prováveis de atender aos critérios da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas.
Na média entre o número crescente de grupos taxonômicos de animais e plantas que foram avaliados na Lista Vermelha da IUCN, cerca de 25% das espécies estão ameaçadas. Mas os dados esparsos para insetos até agora sugerem que pode ser menor – as estimativas variam de 10% a 15% – então, eles usaram um número de 10%. Se os insetos são três quartos das espécies animais e vegetais, existem 5,5 milhões deles, dos quais 10% estão ameaçados (portanto, mais de meio milhão de espécies de insetos estão ameaçadas). Se 25% das outras 2,6 milhões de espécies estão ameaçadas, isso significa mais de meio milhão de espécies ameaçadas.
Considerações finais
Os cientistas podem questionar algumas estimativas de extinção e outros detalhes, mas o relatório não faz rodeios ao descrever como os humanos alteraram os ecossistemas da Terra.
O mundo pode reverter essa crise de biodiversidade, mas isso exigirá políticas ambientais proativas, a produção sustentável de alimentos e um esforço conjunto para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
O relatório do IPBES é sólido na ciência, mas o painel deve fazer mais quando se trata de delinear soluções práticas para governos, empresas e comunidades. Mas, apesar dessas deficiências, o relatório poderá ajudar a definir a agenda quando os governos negociarem novos objetivos de conservação.
Referências
- IPBES. Global assessment report of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. S. Díaz, J. Settele, E. Brondízio and H. T. Ngo. Bonn, Germany, IPBES Secretariat: 1753, 2019.
- Mora, Camilo & Tittensor, Derek & Adl, Sina & Simpson, Alastair & Worm, Boris. How Many Species Are There on Earth and in the Ocean?. PLoS biology. 9. e1001127. 10.1371/journal.pbio.1001127, 2011.
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