O tema deste mês, trazido no título do texto, é o Projeto Executivo de Compensação Florestal. Este é mais um instrumento da legislação ambiental mineira voltado ao cumprimento de compensação pela supressão de vegetação nativa pertencente ao Bioma Mata Atlântica. Seria ele então mais um primo do PTRF e do PARD? Sim, senhores! Mas um primo de terceiro grau, como veremos a seguir.
A Mata Atlântica é um dos 34 hotspot de biodiversidade mundial[1] e patrimônio nacional, conforme parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Democrática de 88, tamanha sua importância. Por conta disso, qualquer tipo de interferência antrópica em sua área é regulada por condições normativas especiais que assegurem a preservação do meio ambiente. Enquanto arrastava-se por 14 anos[2] a discussão sobre a atual Lei da Mata Atlântica, a proteção vinha do disposto no Decreto 9.9547/90, ao qual sobreveio o Decreto 750/93, que dispunha sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Saiba também: A legislação aplicada ao licenciamento ambiental
Para regulamentar o disposto no parágrafo 4º na Carta Magna veio a Lei Federal, que vigora hoje, de nº 11.428/06, cujo caput dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica. Sua regulamentação está disposta no Decreto nº 6.660/08. A disposição de proteger especialmente os estágios médio e avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica passou do Decreto 750/93 para a Lei nº 11.428/06 e seu Decreto regulamentador. Por conta disso, é importantíssimo saber do que se trata tal caracterização.
Explico: a vegetação primária é aquela que não sofreu alteração antrópica e, portanto, apresenta-se no seu estado nativo. Já a vegetação em regeneração é aquela que sofreu um distúrbio não natural e, com sua resiliência, articulou-se de modo a se rearranjar. Este rearranjo pode estar numa fase ainda inicial, numa fase mediana ou na fase mais avançada, chegando num ápice que se caracteriza por ser próximo à mata primária.
Para a classificação da vegetação primária ou secundária da Mata Atlântica, bem como seu estágio de regeneração, deve-se observar o disposto na Resolução CONAMA editada de acordo com o Estado de ocorrência da formação florestal. A CONAMA correspondente ao Estado de Minas Gerais é de nº 392/07. Esta norma utiliza um conceito de sucessão que considera pioneiras e não-pioneiras (entre outros fatores), aplicável somente às formações florestais e não às savânicas. Isto quer dizer que, no Brasil, o conceito de sucessão aplicado pela norma vale para a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, mas não vale para a Caatinga, Cerrado (exceto cerradão[3]) ou Pampa. Isto se torna um problema quando a aplicação concomitante do Decreto nº 6.660/08 e da CONAMA citada, uma vez que o Decreto prevê que qualquer formação florestal inclusa no perímetro delimitado pelo IBGE especialmente para a Lei da Mata Atlântica deve ser classificada como Mata Atlântica, independentemente de sua fitofisionomia.
Acontece que, como dito, formações savânicas não apresentam as mesmas características de formações florestais. Em resumo, aquelas formações não apresentam espécies classificadas como pioneiras e não pioneiras em relação à necessidade de luz e sombra, não tem estratificação vertical evidente, não produzem o mesmo volume de serapilheira, etc. Mesmo assim, a Instrução de Serviço nº 02/17 da SEMAD determina que se caracterize as formações não florestais como se caracteriza as florestais. Enfim, esta história rende bastante conversa.
De volta ao foco. A Lei nº 11.428/06, em seu art. 17, dispõe que “o corte ou a supressão de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica, autorizados por esta Lei, ficam condicionados à compensação ambiental, na forma da destinação de área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, e, nos casos previstos nos arts. 30 e 31, ambos desta Lei, em áreas localizadas no mesmo Município ou região metropolitana” (grifo meu). O Decreto n° 6.660/08 complementa através do art. 26, que, para fins de cumprimento do disposto nos art. 17 citado, o empreendedor deverá [1] destinar área equivalente à extensão da área desmatada para conservação, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica e, nos casos previstos nos arts. 30 e 31 da Lei no 11.428, de 2006, em áreas localizadas no mesmo Município ou região metropolitana; ou [2] destinar, mediante doação ao Poder Público, área equivalente no interior de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização fundiária, localizada na mesma bacia hidrográfica, no mesmo Estado e, sempre que possível, na mesma microbacia hidrográfica (grifo meu).
Veja também: Cartilha do Código Florestal Brasileiro
Aqui vai um adendo merecido: o Estado de Minas, inventivo como ele, exige, através da Deliberação Normativa COPAM nº 73/2004, a compensação pela supressão de Mata Atlântica em estágios médio e avançado de regeneração em área com duas vezes o tamanho da suprimida e não de tamanho equivalente.
Bom, o Projeto Executivo de Compensação Florestal – PECF surge da necessidade de cumprir essa determinação disposta no art. 17 da Lei 11.248/06 e no art. 26 do Decreto 6.6660/08. O Instituto Estadual de Florestas – IEF, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento – SEMAD, apresenta no Anexo II da Portaria IEF nº 30/2015 um Termo de Referência para a elaboração do PECF que é bem explicativo. Por conta disso, não vou descrever aqui conteúdo mínimo. Você pode acessar este Termo através do link: http://www.ief.mg.gov.br/compensacao-ambiental/compensacao-florestal.
Atenção para um destaque importante, já que essa informação não está no mencionado Termo de Referência (ou em outro documento que verse sobe o assunto em pauta). A escolha da área para compensação deverá ser baseada em análise de similaridade entre esta a aquela que será suprimida. É a comprovação da similaridade que indica que a área possui as mesmas características ecológicas, conforme requer a legislação comentada. E, se você é leitor assíduo do Mata Nativa, já sabe como calcular o índice de similaridade entre dois fragmentos florestais.
(colocar o texto sobre índice de similaridade)
Eu mesma que fiz o texto (você poderá encontrar outros materiais de diversos autores no blog e utilizar, inclusive, o software Mata Nativa).
Como Engenheira Florestal e Analista Ambiental, recomendo a requisição de supressão de Mata Atlântica apenas quando absolutamente necessário. Não só pela importância notável do Bioma, mas pelas amarras legais inerentes a esta atividade.
Legenda:
[1] Plantas da Floresta Atlântica / Editores João Renato Stehmann … [et al.]. – Rio de Janeiro: Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2009. 516 p.
[2] O projeto de lei que deu origem à atual Lei da Mata Atlântica tem nº 3.285 e é do ano de 1992.
[3] Cerradão é uma formação florestal com aspectos xeromórficos (resistência à seca), tendo sido conhecido pelo nome “Floresta Xeromorfa”, tipificado como sendo “uma mata mais rala e fraca”, (RIZZINI, 1963; CAMPOS, 1943, apud RIBEIRO & WALTER, 1998). Caracteriza-se pela presença de espécies que ocorrem no Cerrado sentido restrito e também por espécies de mata. Do ponto de vista fisionômico o Cerradão é uma floresta, mas floristicamente é mais similar a um Cerrado (http://www.icmbio.gov.br/projetojalapao/pt/biodiversidade-3/fitofisionomias.html?start=3).
Veja também:
- Regularização do parcelamento de solo urbano e rural
- Projeto Técnico de Reconstituição da Flora – PTRF
- O que é licenciamento ambiental e quais são suas modalidades?
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