O petróleo é hoje a principal fonte energética mundial. Quase 40% da energia primária consumida mundialmente é proveniente do petróleo e se espera que o petróleo continue sendo a principal matriz energética até pelo menos 2035.
Atualmente os maiores campos produtores de petróleo são terrestres, mas a maior parte de novas reservas descobertas são em campos marítimos. A descoberta de campos em água marítimas cada vez mais profundas, impõe desafios não só à sua prospecção, mas também no controle de riscos da atividade.
No Brasil, praticamente 90% do petróleo produzido é de origem offshore, em uma produção grandemente concentrada em água consideradas profundas e ultra profundas.
As atividades de exploração de petróleo marítimo possuem o potencial de causar uma grande variedade de impactos sobre o meio ambiente ao se considerar toda sua cadeia. Desde as atividades pré-exploratórias até o transporte, os potenciais impactos socioambientais colocam as empresas petrolíferas entre as mais fiscalizadas.
Elas são invasivas ao meio ambiente, podendo afetar negativamente os ecossistemas, a cultura local e a saúde humana. Esses impactos dependem basicamente do estágio de desenvolvimento dos processos, do tamanho e da complexidade dos projetos, da natureza e da sensibilidade do ambiente no qual serão desenvolvidas as atividades e da eficácia do planejamento.
O descomissionamento de projetos offshore apresenta particularidades quanto ao potencial de impactos. Portanto, neste texto iremos abordar as particularidades do licenciamento ambiental quanto à desativação dos pontos de exploração de petróleo no mar.
O descomissionamento de projetos offshore
No mundo, a regulação técnica e ambiental incidente sobre a indústria de petróleo apresenta-se bastante restritiva e pouco flexível, sendo uma importante componente dos custos das empresas.
Assim, os custos ambientais incidem em todas as etapas da cadeia produtiva, mesmo após o término do período de produção comercial devido à retirada das infraestruturas de produção de campos depletados e a recuperação das áreas afetadas ao longo da vida útil do campo, geralmente, exigidas pelos órgãos de regulação.
Isto gera custos adicionais no fim do projeto, conhecidos como custo de descomissionamento.
Define-se como descomissionamento de projetos offshore o conjunto de ações legais, técnicas e procedimentos de engenharia aplicados de forma integrada a descontinuar as operações de produção de um projeto específico ou de uma área em bases permanentes e, dependendo do caso, transferir, remover ou dispor toda e qualquer estrutura de produção, movimentação e escoamento conectada a essas operações.
Os ativos descomissionados são plataformas, sistemas flutuantes de produção, equipamentos submarinos e dutos.
O descomissionamento de projetos offshore apresenta particularidades no Brasil. No plano técnico, os projetos tendem a ser mais complexos no País, já que envolvem uma proporção importante de campos em águas profundas, além de uma grande extensão de dutos interligando poços e a plataforma.
A atividade de descomissionamento de plataformas offshore é algo recente na indústria brasileira de petróleo. A regulação dessa atividade ainda se encontra em processo de desenvolvimento e atualização. Este fato traz uma grande incerteza econômica para os custos de descomissionamento no Brasil.
Panorama de descomissionamento no Brasil
Atualmente, existem 160 instalações de produção offshore no país, além de 27 sondas de perfuração marítima e 20 novas unidades de produção programadas para entrar em operação até 2022.
Desse total, 45% das unidades de produção tem mais de 25 anos de operação e outro 19% das instalações tem entre 15 e 25 anos de operação o que equivale a 64% de todas as instalações existentes no País.
Desta forma, existe a expectativa do descomissionamento nos próximos anos, principalmente, nas bacias de Campos e Potiguar. O descomissionamento, no Brasil, representa um desafio tecnológico e econômico particular uma vez que os custos aumentam em função da profundidade dos projetos.
O perfil brasileiro de plataformas é caracterizado por estruturas complexas, com maior participação de projetos em águas profundas e ultraprofundas.
Nos últimos anos, o número de projetos de descomissionamento offshore aumentou, em função do fim da produção comercial de muitos campos desenvolvidos na década de 1970, principalmente no Golfo do México e no Mar do Norte.
Nesse contexto, devido ao crescente número de ativos destinados ao descomissionamento, juntamente com as restrições regulatórias e ambientais cada vez mais rigorosas relativas às operações em mar, a atividade de desmobilização das infraestruturas de produção vem se tornando uma prioridade para os operadores offshore.
A atividade de descomissionamento
Tradicionalmente, a regulação da atividade de descomissionamento exigia a retirada completa das infraestruturas de produção e transporte de petróleo e gás natural, demandando destinação adequada e recuperando ambientalmente as áreas onde estas estruturas estavam localizadas.
O desenvolvimento tecnológico recente traz novas alternativas à remoção completa das infraestruturas de produção e transporte. Estudos recentes mostram que as estruturas offshore das plataformas de produção podem funcionar como recifes artificiais contribuindo para o aumento da diversidade biológica e da biomassa marinha nas regiões no seu entorno.
Nesse sentido, é possível argumentar que a retirada completa dessas estruturas, ao invés de trazer benefícios ambientais para a região, pode ter um impacto negativo sobre a biodiversidade e sobre outras atividades comerciais como a pesca e o turismo.
Dentro desse contexto, os agentes de regulação tem, gradativamente, revisado sua visão sobre as melhores práticas de descomissionamento a serem implementadas.
Atualmente, vêm sendo consideradas três alternativas à remoção completa das infraestruturas de produção: i) tow-and-place (rebocar a estrutura até a área onde se deseja criar um novo habitat submarino); ii) remoção parcial da estrutura (topping); e iii) tombamento da estrutura no leito marinho (toppling).
O licenciamento para o descomissionamento
O licenciamento ambiental é definido como o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades que utilizem de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (Resolução CONAMA 237/97).
A exploração e produção de petróleo e gás se enquadra como atividade efetiva e potencialmente poluidora, e por isso estão sujeitas ao licenciamento ambiental, como definido na Lei N°6938 (Política Nacional de Meio Ambiente), de 31 de agosto de 1981.
A regulação dessa atividade envolve a ANP, os órgãos ambientais (IBAMA), a Marinha do Brasil e a Receita Federal. Existem resoluções da ANP que apontam as obrigações das operadoras no processo de descomissionamento de projetos offshore.
Estas remetem vários aspectos importantes do descomissionamento, à regulação do IBAMA e da Marinha, que ainda não possuem regulamentos técnicos suficientemente abrangentes e detalhados para o assunto.
Desse modo, a regulação brasileira aponta claramente o que deve ser feito para se descomissionar um projeto offshore, mas deixa muitas lacunas sobre quais são as melhores práticas e como este descomissionamento pode ser feito.
A alternativa da criação de recifes artificiais a partir do descomissionamento de plataformas é passível de licenciamento ambiental pelo IBAMA através da Instrução Normativa (IN) IBAMA n.º 22/2009.
Neste caso, cabe ao operador realizar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e solicitar o licenciamento ao IBAMA. Há que se ressaltar que não existem estudos consolidados e nem referências claras sobre qual a abordagem do órgão na avaliação do impacto ambiental dessa estratégia, conhecida como “Rigs to Reef”.
A IN IBAMA no 22/2009 exige ainda um monitoramento permanente, caso o operador obtenha o licenciamento para não retirar o equipamento do mar. A frequência, forma e duração do monitoramento é uma questão que ainda gera dúvidas na regulação do descomissionamento. Por fim, ainda não existe uma clareza na regulação ambiental quanto às opções aceitáveis e exigências para o do descomissionamento de sistemas subsea.
Percebe-se assim, que a regulação ambiental do descomissionamento offshore encontra-se numa fase de evolução e consolidação. A regulação é pouco detalhada e cabe às empresas avaliarem e proporem ao IBAMA suas estratégias de descomissionamento. Estas devem sustentar suas propostas de descomissionamento através de estudos de Avaliação de Impactos Ambientais, considerando não apenas os aspectos estritamente ambientais, mas também fatores econômicos, técnicos e sociais.
Portanto, na esfera ambiental, a regulação do IBAMA precisa consolidar metodologias que considerem o impacto no ecossistema marinho, comparando-o com outros impactos socioambientais e econômicos, de tal forma a obter, como resultado final, a escolha da alternativa considerada como a mais adequada.
Desta forma, existe espaço para aprimorar o arcabouço regulatório do descomissionamento no Brasil, visando a maior integração das abordagens das diferentes entidades governamentais.
No caso de empreendimentos marítimos, onde não há concentrações humanas próximas, a quantificação dos riscos ao meio ambiente é mais difícil e torna-se muitas vezes subjetiva. Daí a necessidade de se estabelecer e aprimorar metodologias de análise de risco aplicáveis a estes ambientes, cujos critérios de avaliação sejam mais transparentes, reprodutíveis e representativos.
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