Sagrados leitores, estava eu displicentemente assistindo a vídeos naquela plataforma famosa da internet no último final de semana, quando me deparei com um comentário de um youtuber chamado Paulo Biacchi sobre o reflorestamento de uma propriedade aparentemente rural, atualmente ocupada por eucaliptos. Ele disse assim: “Quero reflorestar toda essa área com espécies nativas da Mata Atlântica; um problema é que o eucalipto seca a terra e tira todos os nutrientes…”. Então pensei, por que não falar sobre os cinco conselhos profissionais para um reflorestamento eficiente?
Fiquei pensando comigo como essa pós-verdade do eucalipto se espalhou e se firmou dentre os mais diversos grupos e, mais ainda, fiquei pensando em quantos “erros” nós profissionais cometemos ao elaborar Planos de recuperação de áreas degradadas – PRADs, projetos técnicos de reconstituição de flora – PTRFs e similares de forma mecânica e pouco criativa. Assim, tive a ideia para escrever este texto.
Antes de mais nada, vamos esclarecer a problemática em torno da monocultura de eucalipto. Não é verdade que a espécie seca uma área. Inclusive, sobre o tema, recomendo a leitura dos artigos [1][2] de Melo Neto et al. (2017) e de Guilherme Castro de Andrade, da Embrapa. O que acontece, em resumo, é que o cultivo de árvores com crescimento vigoroso em espaçamento pequeno, como é aplicado ao cultivo de eucalipto, em especial quando voltado à produção e celulose (kraft ou solúvel), faz com que o fragmento florestal criado tenha uma demanda grande por água, por óbvio, afinal há um número alto de indivíduos em crescimento pujante por unidade de área.
Há sim outras questões problemáticas na monocultura de Eucalipto, mas estas têm reação com baixa biodiversidade, uso de defensivos agrícolas (agrotóxicos), conflito de terras pela concentração de áreas com grandes empresas, etc. São questões inerentes ao modelo de produção escolhido.
Em relação aos nutrientes do solo, a lógica é a mesma. Se há várias árvores jovens com alta demanda de macro e micronutrientes para seu crescimento, é evidente que haverá uma saída maior dos mesmos se comparada à saída num fragmento florestal nativo já desenvolvido, cuja dinâmica de crescimento das espécies é totalmente diferente. Há que se lembrar, no entanto, que árvores promovem ciclagem de nutrientes.
Assim, quando as folhas de eucalipto caem ao solo e são degradadas, elas devolvem parte dos nutrientes retirados para seu crescimento. Ainda, o plantio comercial de eucalipto é feito com condicionamento do solo, ou seja, visando o crescimento vigoroso das espécies, os produtores normalmente adicionam fertilizantes ao solo para garantir a oferta necessária, sendo difícil imaginar um solo pobre por conta desta monocultura comercial. Vejam a análise apresentada neste artigo[3].
Bom, para além das conjecturas, vamos ao caso prático: o que o profissional ambiental deve fazer para garantir uma revegetação eficiente numa propriedade rural, como no caso do Paulo?
Antes de tudo, é importantíssimo fazer uma boa caracterização da área e seu entorno; imagino que isso todos já saibam. Neste aspecto, a minha sugestão número 01 é que se faça sempre uma análise do solo buscando identificar a fertilidade, a granulometria e a existência de camadas de impedimento do mesmo, comparando-se o resultado obtido às características naturais do tipo de solo que ocorre na área.
A análise de solo é essencial para evitar a adição de fertilizantes e corretores de acidez ou pH desnecessariamente e pode ser uma fonte de economia no projeto. A partir do resultado e conhecendo o tipo de solo da região, será possível indicar precisamente a necessidade ou não de corretores e, sendo necessário, a quantidade destes para condicionamento do solo.
Para fertilidade, há possibilidade de adição de fertilizantes químicos ou naturais, pensando sempre em formulações que tenham maior quantidade do nutriente que está abaixo do padrão no solo analisado. Para solos com pH ácido, pode ser feita a adição de calcário ou óxido de cálcio (CaO), ao que se chama calagem. Por fim, pala solos salinos, é possível realizar a correção com gesso.
Como eu aprendi na faculdade, não posso deixar de mencionar que a análise de fertilidade do solo deve ser feita separando-se o terreno em glebas homogêneas e obtendo-se amostras compostas de cada uma destas glebas. Para mais detalhes, recomendo Comunicações Técnicas da Embrapa [4].
Outra característica superimportante é identificar se há fragmentos florestais nativos conservados no entorno imediato da área e, em havendo, se a dinâmica local mostra capacidade deste fragmento ser fonte de propágulos para o seu terreno, de modo a aumentar a resiliência da área. Vejam, nem sempre é necessário realizar o plantio de mudas num local para obter um reflorestamento bom, diverso e bem-sucedido.
Este modelo é derivado do florestamento comercial e, por vezes, sequer é o mais recomendado para a recuperação de áreas degradadas. Em biomas como a caatinga, por exemplo, não é o modelo de reflorestamento que tem melhor resultado (aprendi recentemente isso num Simpósio sobre RAD na caatinga; obrigada Sociedade Brasileira de Recuperação de Áreas Degradadas – SOBRADE).
Em realidade, há diversas maneiras de reflorestar uma área. Por exemplo, é possível apenas cercar a área e fazer a retirada das fontes de degradação, aguardando a ação da natureza para estabelecimento e crescimento de espécies nativas. É possível aplicar técnicas nucleadoras, que incentivam a regeneração natural, como a colocação de poleiros para pássaros, a transposição de serrapilheira ou topsoil para área. Há ainda a possibilidade de semeadura direta no solo. Enfim, técnicas não faltam.
A segunda sugestão então é que se faça uma análise da existência de fragmentos florestais nativos que poderão servir como fonte de propágulos para auxiliar na recuperação natural e autossustentável da área desflorestada. Ademais, é importante se embasar em quem sabe das técnicas de reflorestamento. Eu sempre leio os trabalhos do Prof. Sebastião Venâncio Martins, da Universidade Federal de Viçosa antes de recomendar o tipo de recomposição de área nos PRADs de minha autoria.
Se a indicação for plantio de espécies, seja por sementes ou mudas, eu sempre avalio a flora local a partir de inventários in loco, sejam meus ou de terceiros publicados em documentos oficiais como artigo científicos, para indicar quais são as mais adequadas à recomposição. A terceira sugestão então é que os profissionais sempre observem a flora local para a indicação de espécies para plantio.
Aliás, num plantio que visa ser sustentável, não devemos indicar menos de 80 espécies diferentes por hectares. Se a área for pequena, menor que 01 hectare, podemos diminuir a diversidade para 40 espécies, não menos. Isto por que, ao tentar mimetizar o ambiente natural, temos que levar em consideração a heterogeneidade intrabiomas de clima tropical.
Outro ponto importante é saber que é possível e, por vezes, interessante, aplicar mais de uma técnica de recomposição florestal na mesma área. E isto é inclusive para aumentar os tipos de indivíduos que vão se desenvolver no fragmento florestal de sua criação. Por exemplo, ervas normalmente não entram na lista das espécies a se plantar com mudas, mas podem ser trazidas para a área via técnicas de nucleação ou via plantio por sementes. Fica aí a quarta sugestão.
Por fim, este é o quinto e último conselho profissional, que é o mais importante que eu dou: acompanhe de perto a execução do seu projeto, inclusive no pós-plantio. Incontáveis vezes eu cheguei numa área plantada e as espécies que indiquei haviam sido trocadas por espécies não nativas ou não indicadas ao local; as árvores da mesma espécie estavam plantadas todas na mesma fileira; e as formigas haviam destruídos as mudas plantadas. A correção destes e outros problemas costuma ser mais difícil e custosa. É melhor prevenir do que remediar.
- [1] Melo Neto, J. O. Temporal stability of soil moisture under effect of three spacings in a eucalyptus stand. Disponível em: https://www.scielo.br/j/asagr/a/QjbxDvmdRmwLdqYm4b3NsZS/?lang=en&format=pdf
- [2] Embrapa. Árvore do conhecimento: Eucalipto. Disponível em: https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/eucalipto/arvore/CONTAG01_63_2572006132316.html
- [3] Massad, M., D. Dinâmica nutricional e fertilização de povoamentos de eucalipto. Disponível em: http://acervo.ufvjm.edu.br/jspui/bitstream/1/2408/1/marilia_dutra_massad.pdf
- [4] Embrapa. Análise de Solos: Finalidade e Procedimentos de Amostragem. Disponível em: www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/807342/1/COT79.pdf.
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