A derrubada da Imbuia de 535 anos ou mais, na cidade de Vargem Bonita (SC) foi o assunto florestal mais comentado da última semana. Apesar da comoção pela idade da árvore, o que realmente causou revolta foi a impunidade escondida por trás desta história.
O crime ambiental foi cometido em um terreno na via Linha Coração, em fevereiro de 2018 e a árvore em questão era uma imbuia, árvore símbolo de Santa Catarina. Ela foi derrubada para virar cerca, de acordo com o cenário encontrado por policiais militares ambientais. O uso em cercas ocorre porque a madeira é bastante resistente a intempéries, e pode resistir no solo por nove anos, em média.
O assunto só ganhou a atenção da mídia esta semana porque uma análise ainda inédita apontou a idade da árvore: ao menos 535 anos. Ela era alta como um prédio de dez andares, larga a ponto de só poder ser abraçada por seis pessoas juntas e era mais antiga que o descobrimento do Brasil.
Veja também: A maior árvore da Floresta Amazônica
A idade foi estimada por pesquisadores a partir da análise dos anéis de crescimento das árvores, que servem de base para a datação por meio da ciência chamada dendrocronologia. Como a umidade e outras variações climáticas interferem no tamanho desses anéis de um modo distinto ao longo do tempo, pesquisadores agora buscam outras imbuias antigas para uma análise de construção climática dos últimos séculos que permita determinar com mais exatidão a idade da árvore.
Essa árvore, de nome científico Ocotea porosa, pode ser encontrada em florestas de araucária no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, mas também ocorre de forma natural em outros estados do Brasil. A espécie tem madeira de cor que varia do pardo-claro-amarelado ao pardo-acastanhado, folhas de até 10 cm, casca grossa, tronco tortuoso e copa arredondada.
E, por causa da exploração desenfreada, entrou para a lista de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. Ou seja, são proibidos coleta, corte, transporte, armazenamento, manejo, beneficiamento e comercialização da imbuia, à exceção dos exemplares cultivados em plantios devidamente licenciados.
As multas não são suficientes
No mercado ilegal o valor dessa imbuia poderia girar em torno de R$ 4 mil, caso fosse transformada em estaca de cerca, ou passar de R$ 20 mil se fosse vendida à indústria madeireira. A madeira dessa árvore é moderadamente densa e pode ser usada no manejo autorizado como viga, porta e móveis finos de alta qualidade.
O valor de mercado poderia superar, portanto, a multa de R$ 12.750,00 aplicada ao proprietário do imóvel, em razão da derrubada desta árvore junto de outros 16 exemplares da também ameaçada araucária (Araucaria angustifolia).
Os agentes chegaram ao local do desmate ilegal após uma denúncia, mas não encontraram pessoas ou equipamentos ali. Nenhum suspeito foi identificado desde então.
Segundo a Polícia Ambiental de SC, a derrubada de árvores teria sido feita à revelia dos donos do terreno, mas estes acabaram multados por serem, em última instância, os responsáveis pela área.
Outras árvores gigantes
Se não tivesse sido derrubada, essa imbuia de Vargem Bonita teria entrado para o mapeamento de árvores gigantes no sul do país conduzido pelo professor Scipioni, da UFSC, com auxílio também da Polícia Ambiental de Santa Catarina.
Publicado em 2017, um trabalho liderado por ele percorreu mais de 6,8 mil km ao longo de três anos e identificou as últimas 13 araucárias gigantes (acima de 2 metros de diâmetro nessa espécie) da região.
A maior das araucárias, conhecida como “Pinheirão”, fica em São Joaquim (SC) e é a única que supera os 3 metros de diâmetro.
A escassez dessa madeira no mercado tornou essas árvores muito atraentes porque o volume de madeira em posições altas do tronco seria suficiente para viabilizar economicamente a exploração na época do ciclo madeireiro. Ela certamente teria sido explorada se o dono atual da fazenda e seus antepassados não tivessem recusado ofertas de madeireiras.
As imbuias gigantes passam atualmente por levantamento semelhante, mas, até agora, só foi identificado um exemplar acima de 2 metros de diâmetro.
Essa espécie costuma ser a mais longeva da floresta de araucária, viver mais de 500 anos e superar os 30 metros de altura. Mas o tamanho não tem necessariamente relação com a idade de uma árvore, já que há espécies que crescem rapidamente, como o Eucaliptus regans (que passa de 80 metros de altura), mas não são multisseculares.
Um caso dos EUA
O estudo da idade das árvores também oferece riscos. Como a análise passa pela contagem dos anéis associada a diversas outras técnicas, identificar a idade de uma árvore viva envolve um tipo de furadeira que permite remover parte do núcleo da árvore sem matá-la. Mas as coisas podem não ocorrer como esperado.
Nos EUA, em 1964, o então universitário Donald Rusk Currey coletava uma amostra de um pinheiro do tipo bristlecone, mas conta-se que a broca ficou presa na enorme árvore localizada no Estado de Nevada.
Como o equipamento é caro, ele e um guarda florestal teriam derrubado a árvore para recuperar a broca. Há também uma versão da história que aponta que a derrubada visava a retirada por completo de uma amostra da árvore.
De todo modo, autoridades do serviço florestal à época avaliaram que o exemplar não tinha nada de especial e autorizaram a derrubada dele.
Só depois é que o estudante de geografia descobriu que aquele exemplar de Pinus aristata, batizado de Prometeu, tinha quase 5.000 anos, vindo a ser a árvore mais antiga já registrada até então.
O episódio trágico teve ao menos dois grandes efeitos positivos: gerou uma onda de medidas de preservação em torno das árvores gigantes e levou a muitos achados científicos que contribuíram para a pesquisa da flora e do clima.
A reflexão que fica é que infelizmente as pessoas não sabem o valor de uma árvore.
__________ xxx __________