Ah, fevereiro, esse mês que não pode me lembrar outra cosia senão meu amado carnaval. De repente, sinto que estou nas ladeiras de Olinda ou de Belo Horizonte, com aquele calor de verão intenso brasileiro e penso: cadê a sombra?
Para mim, é uma contradição bastante impressionante o fato das pessoas desejarem sombra e temperaturas mais amenas e ao mesmo tempo não gostarem de árvores em área urbana (corre aqui, Christian Dunker!). Dentre as reclamações, as mais ouvidas pelo instituto Larissa Guarany de pesquisa social são: árvores sujam as ruas, árvores quebram o passeio, árvores escondem bandidos (pasmem, alguns dos meus vizinhos aracajuanos acham isso), árvores atrapalham a fiação, árvores caem. Não posso dizer que estas alegações estão erradas, mas este é um dos casos em que elas também não estão corretas e eu vou explicar por quê.
Árvores sujam as ruas? Não. Árvores decíduas ou semidecíduas perdem o todo ou parte de suas folhas em determinada época do ano, o que é parte natural de seu ciclo; como são matéria orgânica, facilmente estas folhas se degradam, assim como acontece com flores e frutos. Sujeira mesmo são as centenas de materiais não degradáveis que jogamos nas ruas todos os dias. Árvores quebram o passeio? Apenas árvores com o desenvolvimento superficial de raízes interferem negativamente na infraestrutura urbana. Estas, por sua vez, desenvolvem-se superficialmente ou porque é natural da espécie arbórea ou porque há algum impedimento intransponível para o indivíduo, como um solo compactado ou alguma laje de concreto. Árvores atrapalham a fiação? Apenas quando são plantadas sem observância da compatibilidade entre seu porte e formato de copa e a fiação elétrica. Árvores caem? Caem, obviamente, afinal ficam doentes, senescentes e morrem. Mas caem de velhas ou por algum problema na sua sustentação natural, ou seja, no enraizamento ou nos tecidos do fuste. Podem cair também sob forte pressão de chuvas intensas, mas isto tem mais a ver com o solo saturado e coloidal do que com a árvore em si.
Percebem que os “problemas” advindo da existência das árvores urbanas, na verdade, não são causados por elas, mas por quem as implanta e maneja, ou melhor, não maneja? A maior parte dos problemas vem da falta de planejamento, da má escolha da espécie, da não observância das possíveis interações entre ser vivo e urbanidades. Ouso dizer que a maioria dos problemas vem da consideração que a arborização urbana é algo simples e de menor importância para as cidades. Importante mesmo é asfaltar tudo, construir viadutos e cimentar até a alma.
Árvores são um grupo de seres vivos com diferentes características e, quando implantadas em meio urbano, em que não obtém todo o suporte necessário ao seu desenvolvimento de forma natural, pois deslocada de meu habitat, precisam de planejamento prévio e manejo periódico. É como jogar um homem no meio de um pasto vazio e querer que ele sobreviva normalmente sem qualquer ajuda.
É de suma importância ressaltar, inclusive, que as árvores urbanas prestam inúmeros serviços ambientais para as cidades e seus moradores. Além da sombra, como mencionei, que previne da insolação carnavalesca, temos também a melhora da qualidade do ar (produção de oxigênio e filtragem de partículas), a melhora do microclima local (temperaturas mais baixas e maior retenção de umidade), suporte de avifauna, beleza cênica (especialmente as de floração vistosa como ipês, quaresmeiras, jacarandás, jambos e cerejeiras), melhora da drenagem urbana (aumento da infiltração na água no solo) e benefícios culturais.
Lembro ainda que árvores urbanas não são somente aquelas implantas nas calçadas, nos canteiros centrais e nas praças. É possível e é preciso ter pequenas florestas urbanas em meio às cidades. Neste tema, recomendo a leitura do artigo de Silva et al (2019)[1], cujo título é: “Um novo ecossistema: florestas urbanas construídas pelo Estado e pelos ativistas”.
Então, queridos leitores, vamos voltar nossas críticas aos planejadores e executores a arborização urbana e das nossas cidades e não às árvores que são essenciais ao nosso bem-estar. É preciso aprender o que cobrar e como cobrar do executivo municipal. Assim, vamos ao que é tecnicamente correto.
Reitero, primeiro que há de haver um planejamento minucioso para a implantação das árvores urbanas, em que devem ser analisados, no mínimo, a espécie mais adequada em termos de porte, diâmetro máximo do fuste em sua base, altura máxima, tipo de copa, tipo de ramificação, deciduidade (se perde folhas e quanto perde), origem (se nativa local e, portanto, mais adaptada aos fatores edafoclimáticos), tipo de sistema radicular e susceptibilidade a pragas. Exemplificando: imaginemos uma calçada com 2,5 m de largura sob uma rede elétrica do tipo convencional a 6 metros de altura, o mínimo recomendado para redes de baixa tensão; neste caso, a árvore precisa ter um diâmetro de fuste pequeno o suficiente para ser comportado pela calçada sem que isto interfira na possibilidade de passagem de pedestres e de pessoas com mobilidade reduzida e uma altura máxima menor que 6 metros ou uma altura bem maior, com um desenvolvimento tal que permitirá que ela ultrapasse rapidamente a fiação. E assim deve ser feita a análise com todos os elementos de infraestrutura local e da [2]fisiologia e morfologia da espécie.
Não podemos esquecer de avaliar ainda a condição de solo local, principalmente em relação à compactação ou outro tipo de impedimento ao desenvolvimento correto do sistema radicular. Há árvores que são boas para calçadas, mas não o são para praças e vice-versa. Por fim, é preciso planejar a execução de manutenções periódicas que são basicamente poda e erradicação e patógenos.
Concluído o planejamento e implantadas as árvores, cujas mudas devem atender a um padrão de qualidade específico (para mais informações, consultar manual de arborização urbana da prefeitura de São Paulo[3]), é preciso começar a executar monitoramento e manutenção destes indivíduos. A poda deve ser realizada de forma preventiva e ainda com árvore jovem, o que evita seu mau desenvolvimento e problemas posteriores com queda de galhos e ataque de pragas. A sanidade do indivíduo também deve ser mantida, pois quando já atacados, vão perdendo sua vitalidade e tornam-se riscos, sendo então indicada a supressão. Podas em galhos muito grossos de árvores adultas provavelmente causarão uma ferida que a árvore nunca conseguirá fechar, deixando-a mais vulnerável ao ataque de pragas e doenças.
Há ainda o que dizer sobre a existência de toda uma técnica correta de poda, o que pouco vejo ser aplicado quando da manutenção de árvores urbanas. Há a época correta para o corte, o local correto no galho que deve ser cortado e até é possível utilizar cicatrizantes ou vernizes protetores nas feridas abertas causadas pelas podas.
Enfim, a arborização urbana é uma arte. Então, quando alguém reclamar de uma árvore, vamos lembrar do “poema enjoadinho”, do Vinicius de Moraes. Afinal, árvores urbanas, melhor não tê-las, mas se não as temos, como sabê-las?
Links relacionados:
[1] Um novo ecossistema: florestas urbanas construídas pelo Estado e pelos ativistas
[2] fisiologia e morfologia da espécie
[3] Manual técnico da arborização urbana
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