Recentemente, ao ler o chamado de uma matéria jornalística, me chamou atenção o seguinte dado: nove Estados brasileiros, de um total de dezessete em que ocorre Mata Atlântica, atingiram taxas zero de desmatamento, segundo informação da ONG SOS Mata Atlântica. Se considerarmos que não há um esforço fiscalizatório maior nestes Estados, ou, pelo menos, que é improvável que haja, fiquei imaginando se parte deste bom resultado teria sido alcançado por conta da existência da Lei da Mata Atlântica, de n.º 11.428/06 (Decreto n. 6660/08).
Em sendo por conta desta lei, me peguei pensando ainda se seria interessante criar normativa para outro bioma que tem sido exposto a grandes pressões e vem cedendo espaço de mata ativa para usos alternativos do solo, apesar do esforço que têm feito os órgãos ambientais e outros órgãos de governo, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Falo da Amazônia. Poderia falar do Cerrado, um hotspot mundial constantemente negligenciado nos projetos de recuperação dos estados; também poderia falar da Caatinga, tão importante do ponto de vista social e tão pressionada pelas mudanças climáticas. Por fim, poderia falar do Pantanal, dominado pela agropecuária (sempre ela?).
No entanto eu resolvi falar da Amazônia. Isto pela sua importância nacional e internacional, pela sua extensão, pela rápida degradação que vem sofrendo, pela diversidade socioambiental que abriga e, principalmente, pela importância para o equilíbrio hídrico do país. Afinal, é da Amazônia que vem a umidade que produz chuvas no sudeste e em outras regiões do Brasil, como o centro-oeste, que tanto precisa da água para produção de leite, carne e grãos, suas especialidades. É da Amazônia que saem os rios voadores, sabia?!
Antes de qualquer coisa…
Bom, antes de propor minha ideia ao caro leitor, volto um pouco à situação da Mata Atlântica. Ao ler a matéria sobre o tal desmatamento zero no site da mencionada ONG, percebi que houve uma vinculação, por parte de sua diretora executiva, dos resultados obtidos pelos nove Estados com a atuação de órgãos de controle, como Secretarias de Estado de Meio Ambiente e Ministério Público. Ora, só podem estes agir na forma da lei – nunca nos esqueçamos –, sendo imprescindível a positivação da proteção florestal em normas.
Aí não seria o caso de nos contentarmos com o (suposto) Código Florestal? Na minha opinião, não. A Lei n.º 12.651/13 mal poderia ser chamada de código florestal, uma vez que retalhou a proteção das florestas no Brasil, inclusive flexibilizando restrições trazidas por alguns importantes instrumentos, como área de preservação permanente e reserva legal, bem como concedendo a famosa anistia aos desmatadores pré-2008 (quando foi publicado o decreto que regulamenta a lei de cimentes ambientais). Esta norma ainda falha em trazer incentivos para a preservação e conservação florestal.
Superado o fato do nosso código não proteger bem nossas florestas, me preocupei com o histórico do desmatamento, dedicando-me a analisar o Atlas da Mata Atlântica, em que notei uma queda drástica do total desmatado e da taxa anual de desmatamento do período de 2005 a 2008 para o período de 2008 a 2010. Não deve ser coincidência que a Lei n. 11.428 tenha sido promulgada em 2006 e seu Decreto Regulamentador em 2008. Só para que fique bem ilustrado, no primeiro período citado, a área desmatada foi de 102.938 ha, já no segundo foi de 30.366 ha, uma redução de aproximadamente 70% após a regulamentação. O índice seguiu com valores menores que este patamar até os dias atuais.
O que temos ainda não é o suficiente
Penso eu que se o Código Florestal fosse suficiente para dar base à atuação dos órgãos de controle, não estaríamos vendo hoje os índices crescentes e alarmantes de desmatamento da Amazônia (e em outros biomas que continuamente perdem área). É bem verdade que o governo federal vem trabalhando para minar a atuação dos órgãos de fiscalização e ainda dos de conservação, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (quem foi Chico Mendes? Perguntou o Ministro de Meio Ambiente do governo). Mas ainda assim, por que a Mata Atlântica é poupada frente à Amazônia?
Ressalto que não desconsidero características socioeconômicas de cada bioma ou região e que não tenho uma resposta única para a problemática apresentada. Aliás, ninguém tem, ninguém pode ter. Problemas complexos demandam soluções não banais. Preciso expor ainda que não acredito no punitivismo, apenas entendo que precisamos de novos mecanismos de proteção deste bioma tão importante não só para os índios e ribeirinhos, mas para toda a população brasileira e boa parte da população latino-americana; não só para a nossa história, mas para o nosso futuro e o daqueles que nos cercam; não só para o meio ambiente, mas para a economia e a produtividade da agropecuária. Não, a floresta não atrapalha, ela é essencial.
Dados indicam que já chegamos a um índice de 20% de perda da área da Floresta Amazônica, considerado por pesquisadores um ponto crítico, de não retorno em relação à resiliência da floresta. Segundo dados do INPE e do Ministério do Meio Ambiente – MMA, houve uma redução no desmatamento da Amazônia a partir de 2005, com uma queda de aproximadamente 30%, o que se deu muito provavelmente pela implantação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia – PPCDAm. Importante? Muito! Mas em 2005 ainda foi desmatada uma área florestal quase do tamanho do Estado de Sergipe. Em um ano, um Estado inteiro de floresta foi embora. A tendência de queda permaneceu até hoje e em 2012 atingiu-se o menor índice de desmatamento na região, que foi de 4.571 km² ou três cidades de São Paulo.
Precisamos de uma norma específica para proteção da Amazônia
E aí chegou 2019 com o desmonte da proteção ambiental. Somente em junho desse ano, houve um aumento de 88% no desmatamento em relação a 2018 (que já não teve os melhores índices). Parece que o executivo percebeu que é mais fácil destruir a floresta agindo sozinho do que depender do congresso nacional. Não que este seja garantia de alguma coisa do ponto de vista da preservação e conservação de florestas, mas é mais fácil sucatear o IBAMA do que revogar uma legislação de proteção florestal; é mais fácil desistir de acordos setoriais, com frigoríficos, por exemplo, do que retroceder nas normativas ambientais; é mais fácil gerir mal o patrimônio ambiental do que modificar uma legislação consolidada.
É por isso que eu defendo a edição de uma norma específica para proteção da Amazônia, não como a única alternativa, mas como umas das várias possíveis. E que esta traga instrumentos de incentivo como também de sanção. Em tempos de clima já alterado, não pode a América Latina inteira ficar à mercê de apenas um homem, um presidente, uma pessoa, um poder. É preciso garantir a continuidade das ações que visam diminuir o desmatamento e é preciso dar base, segurança, para que os órgãos de controle e a sociedade atuem com maior poder de barganha, afinal é ela a maior interessada na conservação, a principal atingida quanto às consequências. É preciso de uma Lei da Amazônia.
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