O Brasil possui mais de 19.000 espécies arbóreas nativas distribuídas em 151 famílias botânicas (Flora do Brasil, 2020). Quantas delas você, profissional da Engenharia/Setor Florestal, pode/sabe identificar com precisão taxonômica? Você sabe sobre a importância da identificação de espécies florestais?
É, caros colegas… Sei que a maioria de vocês vai responder essa pergunta de uma maneira que não gostaria. Mas, fiquem tranquilos, a identificação científica de espécies florestais é uma dificuldade enfrentada por inúmeros profissionais do nosso setor. Historicamente, essa atribuição é deixada a cargo de especialistas com outras formações – como os biólogos – e, com isso, boa parte dos cursos de graduação em Engenharia Florestal apresentam limitações na formação de profissionais voltados à execução desta atividade.
O aprimoramento das legislações florestais, associadas às exigências do mercado por produtos e serviços ecologicamente corretos, tem levado o desenvolvimento dos diferentes projetos florestais a um novo patamar de exigência e acurácia. Neste contexto, empreendimentos implementados em áreas de vegetação florestal nativa merecem uma atenção especial, por apresentaram considerável complexidade biológica e ambiental.
O planejamento e execução das atividades florestais nestas áreas geralmente se depara com a necessidade de descrever e documentar toda a composição do ecossistema a ser explorado ou impactado. Uma das ferramentas mais empregadas na elaboração destes relatórios são as listas de espécies, também conhecidas como listas florísticas. A base para elaboração desta listagem é o bom e velho inventário florestal, o qual deve ser planejado e aplicado conforme as diretrizes dos órgãos e legislações ambientais, atendendo às especificidades de cada tipo de projeto florestal, e, claro, com intensidade amostral representativa.
Durante a execução do inventário florestal de áreas nativas, além das etapas de mensuração – aqueles clichês, que estamos mais que acostumados a colocar em prática – temos a fase de identificação das espécies. E é aqui que muitos de nós se desesperam… Acreditem, em 11 anos desde que entrei no setor florestal, e a cinco vivenciando uma maior proximidade com esta área, conheci pouquíssimos profissionais que se sentissem confortáveis com o assunto, e me atrevo a dizer que você também não conhece.
Sim. O setor florestal está carente de colaboradores capacitados à identificação científica precisa. A meu ver, a escassez destes profissionais é promovida por dois fatores principais: o primeiro, como já mencionei, é a deficiência na formação acadêmica, a qual se soma a uma comum banalização da etapa de identificação das espécies durante a elaboração dos projetos florestais. Porém, a exigência crescente dos órgãos ambientais em relação ao detalhamento e precisão dos projetos florestais tem fomentado o surgimento de vagas com esse perfil.
Talvez você esteja pensando… “Nossa, o Otávio está exagerando. A elaboração da lista de espécie é só uma formalidade para cumprir os requisitos legais do empreendimento”. Ou pode estar se questionando: “Mas afinal de contas, quais são os motivos pelos quais devo me preocupar com a elaboração correta desta etapa do meu projeto?”. Pois bem, além da importância legal, a identificação científica e elaboração da lista de espécies está relacionada a diferentes aspectos. Entenda, a seguir, qual a contribuição da identificação científica das espécies florestais para a melhoria de 5 áreas florestais, e seja um profissional de maior destaque:
1 – Credibilidade Empresarial
Sendo um profissional autônomo ou empresário do setor florestal, que elabora e executa os próprios projetos, ou que preste consultoria para corporações de diferentes setores, muito provavelmente em algum momento você terá que elaborar uma lista florística. Independente da finalidade a que se destina este material, uma coisa é certa… Será necessária a identificação das espécies em campo. E mais uma vez a pergunta que causa frio na barriga de muita gente: Você e sua equipe estão preparados para realização desta etapa?
Confesso que já vi profissionais executarem esta atividade de diferentes formas, e muitos pecam em algum aspecto. Seja pela banalização do processo ou pela falta de um profissional realmente capacitado, que tenha um conhecimento amplo da composição florística de uma região e que faça uso de técnicas atualizadas de reconhecimento e classificação das espécies.
A questão é que, tal como qualquer produto ou serviço que uma empresa florestal ofereça, a identificação das espécies e elaboração da lista florística devem apresentar uma qualidade técnica invejável. Assim, com o comprometimento do profissional qualificado e empregando as técnicas adequadas, todas as partes do seu projeto demonstrarão um alto nível técnico, aumentando a sua credibilidade, ou da sua empresa, frente ao mercado.
2 – Conservação e Proteção Ambiental/Florestal
Na minha concepção, existem duas grandes vertentes que correlacionam a identificação de espécies e a preservação das florestas.
A primeira delas seria justamente relacionada à conservação da biodiversidade e dos ecossistemas. Imagine um profissional da Engenharia Florestal que foi incumbido de estabelecer qual a melhor localização e abrangência para implantação e uma Unidade de Conservação, que objetiva conservar o patrimônio florístico-genético de uma região. Obviamente a identificação de todas as espécies será uma etapa fundamental, à medida que é a partir dela e da lista florística que serão estabelecidas as espécies e as áreas prioritárias a serem conservadas. Saliento que aqui, a identificação imprecisa pode acarretar perdas significativas para o objetivo pretendido. Por exemplo, a identificação equivocada de uma espécie rara ou ameaçada, pode direcionar a implantação da UC em uma região que possa não ser prioritária para tal.
Sob uma segunda ótica, temos a proteção dos ecossistemas florestais frente aos impactos de empreendimentos, florestais ou não. Neste contexto, o espectro de cenários possíveis é muito maior, já que há uma grande variedade de projetos que podem ser viabilizados pela exploração da floresta ou impactando direta ou indiretamente esses ambientes. Assim, levantar a existência de espécies com algum interesse ecológico singular é imprescindível para mitigação do impacto ocasionado pelas atividades empreendedoras, garantindo que as perdas de biodiversidade sejam as mínimas possíveis, ou até apontando a inviabilidade ambiental da atividade.
3 – Legislação de Espécies Protegidas
A flora brasileira possui inúmeras espécies vegetais protegidas por lei, incluindo diversas arbóreas que, em geral, foram incluídas nessa lista devido à exploração predatória. A identificação equivocada destas espécies pode gerar implicações legais graves. Uma vez que os critérios para proteção destas espécies são previstos em lei, a identificação errônea das mesmas pode levar a uma proposição de projetos florestais que não atendam aos instrumentos legais que as resguardam.
Esta imperícia, além de apresentar prejuízos ambientais para as espécies protegidas, pode culminar em situações no mínimo embaraçosas, como o embargo de projetos até acionamento judicial, por exemplo.
4 – Exploração e Processamento de Produtos Florestais
Há algum tempo me deparei com um artigo (Procópio & Secco, 2008) que representa muito bem este aspecto. No estudo, os pesquisadores avaliaram a precisão do levantamento feito por madeireiras em duas áreas de exploração sob Manejo Florestal Sustentável no Pará. Na ocasião, foram avaliadas as espécies da família Lecythidaceae, que, segundo o levantamento da empresa exploradora, eram pertencentes a duas espécies de um mesmo gênero. Porém, na avaliação feita durante o estudo, foi constatado que a maioria dos indivíduos pertencia a outras espécies, totalizando seis táxons de dois gêneros (Cariniana e Couratari) da família de interesse, e uma espécie da família Sapotaceae.
Neste caso, a identificação imprecisa possui reflexos negativos em diferentes aspectos. Além de implicações legais da exploração de espécies não registradas no inventário, é possível que haja problemas na comercialização dos produtos madeireiros, que podem não corresponder ao esperado para espécie declarada na oferta. Mas, neste caso específico, podemos citar outros problemas, agora relacionados ao processamento da madeira. Muitas espécies destes gêneros apresentam altos teores de sílica na madeira, o que pode ocasionar desgaste excessivo dos equipamentos de desdobro, levando a prejuízos e perdas de produtividade, como apontam aqueles autores.
5 – Avanço da Ciência Florestal
Diversas pesquisas são realizadas sobre o potencial de espécies florestais nativas para as mais diferentes finalidades. Desde aplicações farmacológicas, até potencial de estocagem de carbono para plantios de neutralização e geração de créditos de carbono. Nesta perspectiva, a identificação necessita ser extremamente precisa, para garantir que os dados sejam consistentes, as metodologias replicáveis e os resultados úteis à sociedade.
Agora que entendemos melhor a importância da identificação científica das espécies no contexto florestal, vou te dar algumas dicas valiosas para que seu levantamento florístico seja cada vez melhor:
- Capacite-se: assim como para outras atividades do setor, é possível encontrar materiais bons na Internet sobre o assunto, ou até mesmo fazer cursos especializados.
- Busque um profissional qualificado: caso não tenha disponibilidade para se capacitar, busque profissionais com essa habilidade. Embora escasso, existem profissionais excelentes no mercado, que reconhecem espécies a partir da nomenclatura científica.
- Tenha um bom aparato de campo: além do profissional capacitado para a identificação, equipamentos como binóculo e materiais adequados para coleta e herborização de material botânico fazem toda a diferença.
- Entenda a finalidade do levantamento florístico: o levantamento florístico pode ser empregado em diferentes projetos florestais, mas entender a aplicabilidade da lista de espécies facilitará o planejamento e execução das atividades.
- Saiba as exigências do órgão ambiental: antes de iniciar a atividade de campo, esteja ciente de exigências como: os prazos e metodologias predefinidas de cada tipo de projeto. Isso te permitirá planejar corretamente, despendendo os esforços adequados para o processo de identificação.
Quer saber mais sobre essas dicas ou aprofundar o aprendizado sobre essa temática? Continue acompanhando nossas postagens. Em breve teremos novos materiais relacionados a esta atividade florestal.
REFERÊNCIAS
- Flora do Brasil 2020. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/>. Acesso em: 07 mar. 2021.
- PROCÓPIO, L. C.; SECCO, R. S. A importância da identificação botânica nos inventários florestais: o exemplo do “tauari” (Couratari spp. e Cariniana spp. – Lecythidaceae) em duas áreas manejadas no estado do Pará. Acta Amazônica. v. 38, n.1, p.31-44, 2008. https://www.scielo.br/j/aa/a/rxJVzbmhCPgqMyQLmV7ycdp/abstract/?lang=pt
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