Não há como se falar em licenciamento sem falar em legislação. Tanto as diretrizes gerais que regem todo o processo de obtenção de licenças ambientais, como as de modificação, suspensão ou cancelamento destas estão dispostas em diversos tipos legais como leis, decretos e resoluções produzidas pelos diferentes entes federativos.
Neste sentido, ao pensar sobre o tema do mês de setembro, logo me veio à cabeça o disposto no art. 19 da Resolução CONAMA 237/97, norma referência tratando-se de licenciamento ambiental. O referido artigo diz que o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando houver: I – Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais; II – Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença; e III – Superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
Traduzindo: o órgão ambiental competente é aquele que deu a licença para o empreendimento. Neste caso, entendo que se a licença foi dada por um órgão colegiado, por exemplo, então apenas o mesmo tem legitimidade para modificar, cancelar ou mesmo suspender este ato administrativo; e a decisão motivada é o cumprimento do princípio administrativo da motivação. Segundo artigo publicado no site migalhas, famoso entre os bacharéis em direito, de autoria de Cláudia Petit, este princípio versa sobre a exposição dos elementos que ensejaram a prática do ato administrativo, mais especificamente com a indicação de seus pressupostos fáticos e jurídicos, bem como a justificação do processo de tomada de decisão. O dever de motivar os atos administrativos é garantia do Estado Democrático de Direito, uma vez que a motivação é instrumento eficaz para a viabilização da participação e controle popular.
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Sendo assim, mesmo que ocorram, concomitantemente ou não, as três hipóteses descritas nos incisos da mencionada CONAMA, o órgão ambiental que resolver modificar, suspender ou cancelar uma licença deverá explicitar de maneira formal o motivo para tal[1].
Ao disposto na Resolução CONAMA 237, adiciono o que traz o art. 18 do Decreto 6.514/08, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98). Este dispositivo diz que o descumprimento total ou parcial da sanção de embargo ensejará a aplicação de cancelamento de registros, licenças ou autorizações de funcionamento da atividade econômica junto aos órgãos ambientais e de fiscalização, cumulativamente com a sanção de suspensão da atividade que originou a infração e da venda de produtos ou subprodutos criados ou produzidos na área ou local objeto do embargo infringido[2]. É como se, com o embargo, o órgão ambiental desse a possibilidade de corrigir o que foi considerado incongruente em sua obra ou atividade.
Mantendo-se a situação inconforme, não resta alternativa senão cancelar a licença ambiental (ou outro ato congênere).
O Prof. Édis Milaré, em seu notório livro Direito do Ambiente, leciona que a modificação de uma licença acontece quando há uma situação de inadequação das circunstâncias da mesma advinda, por exemplo, de um fato imprevisível ou de mudanças no contexto socioambiental e/ou econômico. Ele lembra que estas modificações podem trazer maiores ou menores restrições. Trago um exemplo real em que uma condicionante, que exigia a apresentada de Plano de Educação Ambiental, foi excluída da licença por conta de Deliberação Normativa posterior que expressamente dispensava a apresentação e execução do mesmo para o tipo de empreendimento licenciado. Vale destacar que, neste caso, houve a facilidade de remover a condicionante quando do julgamento de um recurso impetrado em face da mesma. De qualquer maneira, antes mesmo do julgamento, a superintendência responsável pelo licenciamento entendeu cabível a remoção, ou seja, a modificação da licença, deixando ao órgão colegiado a decisão final, conforme protocolo.
Milaré explica ainda que a suspensão da licença cabe quando a atividade não cumpre os requisitos ambientais exigidos através deste ato administrativo. Por fim, quanto ao cancelamento, ele explica que é admissível quando a licença ambiental é expedida em flagrante discordância jurídica; é subsidiada por falsa descrição de informações relevantes (que, diga-se de passagem, pode ser considerado crime ambiental, conforme previsto no art. 69-A, da Lei de Crimes Ambientais); ou pela superveniência de graves riscos para o ambiente e a saúde, não superáveis a partir da adoção de medidas de controle e adequação.
É importante destacar que, normalmente, em caso de violação por parte do empreendedor a condicionantes, seja por não cumprimento ou cumprimento intempestivo, ou normas legais, o órgão ambiental aplica as sanções previstas em normativo próprio. No âmbito federal, estamos falando do Decreto 6.514/08, já mencionado; em Minas Gerais existe o novíssimo Decreto n.º 47.383/18, de março de 2018. A sanção comumente aplicada é a de multa, sem prejuízo para as sanções penais e cíveis cabíveis.
Entenda também: A legislação aplicada ao licenciamento ambiental
Segundo doutrina revisada da Advocacia Geral da União, publicada na revista virtual 084, de janeiro de 2009, a modificação, suspensão ou cancelamento da licença ambiental poderá ocorrer por iniciativa da Administração, dentro da possiblidade de revisão de seus próprios atos (princípio da autotutela), ou, em caso de omissão, poderá o poder judiciário fazê-lo, mediante provocação em ação civil pública ou, ainda, por ação popular.
Os atos de modificar, suspender e cancelar uma licença ambiental não têm seus processos claramente estabelecidos nas legislações, mas somente suas possibilidades postas na CONAMA 237/97. Talvez por isso sejam atos incomuns. Ou talvez o sejam por se configurarem em exceções, sendo possível tentar corrigir a inconformidade da atividade antes de partir para uma suspensão ou cancelamento de um ato que é quase um contrato entre administração e particular e que pode, segundo alguns juristas, ensejar em indenização, sendo este um tema ainda bastante controverso.
Legenda:
[1] É importante esclarecer que motivo é diferente de motivação. Motivo, segundo Maria Sylvia di Pietro (Direito Administrativo, 2014), é o dispositivo legal e o conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato que servem de fundamento ao ato administrativo. Ainda segundo a autora, motivação é a exposição dos motivos.
[2] Qual a diferença de suspensão e embargo? No art. 3º do Decreto 6.514/08, são trazidos como diferentes sanções a suspensão, que pode ser da atividade ou da venda e fabricação de algum produto, e o embargo, que é de obra ou atividade e suas respectivas áreas. Segundo Milaré (Direto do Ambiente, 2014), o embargo da obra é o impedimento temporário ou definitivo no início ou continuação de obra que não estiverem cumprindo as regras legais para impedir a continuidade do dano ao meio ambiente e permitir a recuperação da área degradada. Já o embargo da atividade é a interdição da mesma e tem os mesmos objetivos. Por fim, o autor explica que a suspensão da atividade é equivalente à interdição.
Veja também:
- A lei de crimes ambientais
- Licenciamento ambiental: Análise de risco de empreendimentos
- Obrigações pós licenciamento ambiental
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