A acelerada urbanização dos grandes centros brasileiros tem gerado problemas para as pessoas e para o meio ambiente. Em suma, a ocupação de espaços inapropriados e proibidos tornou-se uma atividade cotidiana nas cidades brasileiras. Infelizmente, as consequências da ocupação ilegal têm sido sentidas com as enchentes, aumento de doenças contagiosas, assoreamento de rios, entre tantos outros problemas. Diante desse cenário, a ocupação de Área de Preservação Permanente (APP) é uma realidade sombria no nosso país. Nesse sentido, a cobertura vegetal das APPs são fundamentais para a estabilização dos solos, e tantos outros serviços ecossistêmicos. As chuvas torrenciais e concentradas que temos vivenciado nos últimos anos, tem provocado deslizamentos de terra, problemas de saúde pública e em certos casos, mortes. A ocupação das APPs é um dos motivos para que esses eventos tenham aumentado progressivamente. Assim, a ligação entre as enchentes e o tema deste texto é quase simbiótica!
Área de Preservação Permanente
As APPs foram regulamentadas pelo Código Florestal de 2012, a lei n.º12.651. Segundo a lei, considerou-se a Área de Preservação Permanente como uma área protegida. Esta pode ser coberta por vegetação ou não, e que tenha a função de conservar os recursos hídricos, a paisagem, a biodiversidade, o solo, facilitar o fluxo gênico e garantir o bem-estar da sociedade. Dessa maneira, a legislação determinou que a vegetação da APP deve ser mantida pelo proprietário, sendo que a sua utilização somente em casos específicos, que mostraremos logo mais.
Tipos de Áreas de Preservação Permanente
As áreas que são designadas em APP, foram estabelecidas pelo Código Florestal, sendo que estas podem estar situados tanto na área urbana como em área rural. Dessa forma, considerou-se as seguintes áreas como APP:
- Faixa de qualquer curso d’agua natural, em que curso d’agua com menos de 10 metros, devem ter 30 metros de APP; cursos d’agua com largura de 10 a 50 metros, devem ter 50 metros de APP; cursos d’água com largura de 50 a 200 metros, 100 metros de faixa marginal; cursos d’água com 200 a 600 metros de largura, 200 metros de faixa marginal e cursos d’agua com largura superior a 600 metros, faixa marginal com 500 metros.
- Entorno dos lagos e lagoas naturais, devem ter faixa marginal com: 100 metros em zonas rurais; 50 metros em corpo d’agua com até 20 hectares; 30 metros em zonas urbanas.
- Áreas de entorno de reservatórios artificiais, define-se a faixa na licença ambiental.
- Áreas em entorno de nascentes e olhos d’água perenes, o raio mínimo de 50 metros.
- Encostas com declividade superior a 45º.
- As restingas e manguezais.
- Bordas de tabuleiros e chapadas, em faixa nunca inferior a 100 metros.
- Topos de morros, com altura mínimo de 100 metros e inclinação maior que 25º.
- Áreas com altitude superior a 1800 metros.
- Veredas, com largura mínima de 50 metros.
Exemplos de ocupações de APP
Notadamente, a quantidade de ocupações irregulares em áreas de APP aumentou, o que tem causado em problemas urbanos sérios para a sociedade. Por exemplo, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que foi mantida uma sentença, dada pelo juiz de primeira instância, determinando a demolição de condomínio e a reparação ambiental de área de preservação permanente afetada. A área está localizada na margem do Rio Paraná, especificamente na Ilha Baunilha, no Paraná.
Nesse sentido, um outro exemplo é a decisão da 4ª câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tomada em 2015. A Justiça determinou a demolição de uma residência construída em Área de Preservação Permanente do município de Imaruí. Além disso, uma decisão da 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que manteve condenação de 1ª instância. Na ocasião, determinou-se a desocupação da área e demolição de uma casa construída às margens do Rio Vermelho, no município de Rondonópolis.
Atualmente, tem aumentado a rigidez a respeito dessas ocupações, uma vez que, estas podem causar danos irreparáveis tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade. Assim também, cabe ressaltar, que as ocupações em Áreas de Preservação Permanente infringem o Código Florestal, a Lei n.º 12.651 de 2012.
Exemplo de ocupações em Belo Horizonte
Belo Horizonte – BH é excelente exemplo de como a política de urbanização e de habitação deve ser lida de forma transversal à política ambiental. Com uma atitude ainda mais ousada do que ignorar a necessária desocupação ou não ocupação das áreas de preservação permanente, o poder público tampou, ao longo de pelo menos 80 anos, os rios da capital mineira, literalmente, transformando-os em vias para tráfego de veículos. Quando não tampou, canalizou, aumentando assim vertiginosamente a velocidade de escoamento da água no rio. Dessa forma, impossibilitou a existência de formas de vida que ocupam os ecossistemas fluviais. Ou seja, destitui o ambiente de qualquer traço natural.
Aliado a isso, há uma intensa impermeabilização da cidade, o que não um é ônus exclusivo de BH, que consiste em cobrir áreas com materiais que não permitem a absorção das águas da chuva pelo solo. Por exemplo, retirar um canteiro central arborizado de uma avenida para construir uma via de tráfego asfaltada (como ironicamente, tem acontecido em Aracaju, capital de Sergipe).
Como consequência, a água ganha força pelo volume de chuvas que chega maior no leito do rio por conta da impermeabilização. E assim, ocupa os espaços que lhe foram tomados, incluindo a totalidade dos leitos e as áreas de alagamento às suas margens (planícies de inundação), ocasionando as cheias no ambiente urbano.
Exceções de Ocupação em Área de Preservação Permanente
A Lei descreve e autoriza três possibilidades de ocupação de uma APP, sendo elas: em caso de utilidade pública, em caso de interesse social e em caso de baixo impacto. A definição das atividades que se encaixam em cada uma destas três possibilidades está disposta no art. 3º, incisos VIII, IX e X no Código Florestal, Lei 12.651 de 2012. Dentre estas atividades, há apenas duas relacionadas à ocupação das áreas de APP com moradias, que são: em caso de “regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas” (interesse social); e para a “construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores” (baixo impacto).
Caso de Regularização Fundiária
É possível ainda, conforme art. 64 da norma, a regularização fundiária dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente. Para isso, é necessário apresentar estudo que, entre outras informações, a proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações. Assim, inseriu-se estas regras no Código, pela Lei n.º 13.465/2017, que versa sobre a regularização fundiária urbana – Reurb.
Dessa forma, não é possível qualquer outra forma de ocupação das APPs com moradias ou ainda a ocupação com estabelecimentos comerciais, de serviço etc. Ainda assim, nos deparamos com decisões judiciais que revertem a lógica do Código Florestal, a partir da evocação de princípios legais. É o caso de decisão tomada pelos desembargadores da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Na decisão, o imóvel localizado em área urbana consolidada na APP, em que pese não poder estar ali, não deveria ser demolido. Segundo a decisão, “tratando-se de área urbana consolidada, a determinação de demolição da edificação para o fim de recuperação da área não se reveste de sucesso prático; e a aplicação da legislação ambiental com o conceito jurídico de justiça ambiental e a proporcionalidade deve ser compreendida a partir das circunstâncias do caso concreto”.
O Papel da Sociedade nas áreas de preservação permanente
É importante que a sociedade perceba que as Áreas de Preservação Permanente são essencialmente áreas não aptas a ocupação. As APPs são margens de rios, topos de morros, manguezais, entorno de veredas e de nascentes, encostas declivosas, etc. A flexibilização quanto à aplicação das restrições que houve por meio da lei florestal brasileira contribui em muito para o resultado de grandes desastres. Como exemplo, chuvas torrenciais, deslizamentos de terra, assoreamento de rios, e todas as consequências por trás dessas questões.
Formas de corrigir o problema
Um dos caminhos para lidar com esse problema, além do óbvio, que é seguir o que institui o Código Florestal Brasileiro a partir de agora, seria renaturalizar os rios urbanos antropicamente alterados. Isto inclui permitir que o leito tenha suas curvas e nuances. Além disso, manter a área de preservação permanente desocupada e vegetada e manter a qualidade das águas quanto aos aspectos químicos (cessar fontes de poluição).
Exemplos internacionais desta prática não faltam, em Munique, na Alemanha, por exemplo, o rio Isar recebeu intervenções voltadas à naturalização do leito. Tal ação, permitiu maior proteção contra inundação; o retorno da fauna local; e o uso da água do rio para lazer e banho. Um outro exemplo, que é notório entre os estudiosos no assunto renaturaliziação, é o do rio Cheonggyecheon, que corta a cidade de Seul. Neste caso, houve a remoção de uma via expressa que tampava o corpo do rio e ainda o aumento do leito, para que comporte as possíveis cheias. Ao longo de toda a extensão do rio, plantou-se as árvores, mantendo assim área verde em sua margem e aumentando a percolação e absorção de água pelo solo.
No entanto, sabe-se que a renaturaliziação de corpos hídricos é uma solução custosa, principalmente do ponto de vista político e social. Portanto, é necessário de grande aporte de recursos financeiros, mas não além do que se gasta com soluções ultrapassadas de engenharia (só a retificação do arrudas custou mais de 40 milhões de reais). Cabe ressaltar, que também é necessário de aplicação de políticas que protejam as pessoas ocupantes de áreas de risco, seja de deslizamento ou inundação, e, proteger o meio ambiente e o bem-estar da cidade. Vamos desocupar as APPs e libertar os rios!
Links relacionados
- Justiça mantém decisão para demolir casa construída em APP;
- Construir em APP justifica desocupação e demolição;
- Estrutura que cobre o Arrudas na Andradas pode romper, alertam especialistas;
- Matas Ciliares e os Rios.
Revisado por Kelly Marianne Guimarães Pereira em 18/10/2023
——————————————————————————————————————-