Se você não esteve em viagem à lua nos últimos dois meses, certamente sabe que o Nordeste está penando com um enorme derramamento de petróleo cru ao longo de sua costa; dos lençóis maranhenses a abrolhos, ninguém escapou.
Eu, como nordestina, fiquei absolutamente entristecida e um tanto enervada. Ora, por que se passaram mais de 40 dias desde o avistamento da primeira mancha de óleo e nada de concreto foi feito pelo governo federal para conter a chegada de toneladas de petróleo à costa? Por que as pessoas, ao longo dos dias, estiveram de bermuda, descalças e à mão nua coletando óleo desconhecido nas praias? Para onde este óleo está indo? Uma infinidade de perguntas.
Mais grave para mim foi aceitar a inércia do poder público, uma vez que já trabalhei com licenciamento de poços de petróleo em terra no Estado de Sergipe e sei que a atividade extrativa deste bem mineral onshore e offshore é uma das mais bem equipadas com todos os tipos de plano para lidar com acidentes.
Quase todos já ouviram falar do Exxon Valdez e as 36 milhões de toneladas de petróleo que foram lançados ao mar quando o mesmo se chocou contra rochas na região do Alasca. A empresa responsável pelo navio já pagou mais de 02 bilhões de dólares apenas para remediar os danos causados pelo derramamento e há quem diga que ainda não houve uma completa anulação dos efeitos do acidente, ocorrido há 30 anos atrás.
Foi este caso, inclusive, que obrigou a indústria petroleira a rever seus protocolos de extração, carregamento e segurança. Mas será que aprendemos?
Quais são os Planos de Emergência?
Antes de mais nada, vale a pena entendermos quais os mecanismos que a indústria petroleira deve ter para lidar com acidentes. Bem, a ferramenta mais utilizada nos casos que envolvem acidentes com petróleo são as de gerenciamento de risco, bem apresentadas e compiladas na norma ABNT NBR ISO 31000:2018.
Os dois instrumentos instituídos legalmente no Brasil para tal são e Plano de Emergência e Plano de Contingência (este apenas para acidentes com óleo em água).
O Plano de Emergência se constitui num conjunto de Planos aptos a serem aplicados em diferentes níveis de emergência. Dentro deste conjunto, há, por exemplo, o Plano de Resposta a Emergência, que, por sua vez, pode ou não conter o Plano de Emergência Individual – PEI, aplicável somente em casos de empreendimentos que possam apresentar incidentes de poluição por óleo em águas sob jurisdição nacional; e há também os Planos de Contingência, podendo ser criados a nível nacional, regional ou coorporativo.
No Brasil, a Lei n.º 9.966/00 prevê a necessidade de PEI no âmbito dos licenciamentos de empreendimentos petroleiros, como portos e plataformas. A estrutura e o conteúdo mínimo do PEI estão estabelecidos na Resolução CONAMA n.º 398/08. De modo geral, o Plano deverá apresentar a caracterização da instalação (seja um porto, uma plataforma, etc.); os possíveis cenários de acidentes; os procedimentos de resposta aos diferentes possíveis acidentes; os procedimentos de encerramento das ações de resposta à emergência; e os dados cartográficos, como mapas, plantas, shapes.
Esta mesma lei prevê que, para áreas com concentração de diversas atividades, os PEIs devem ser consolidados em um único plano (o órgão ambiental que realiza esta compilação), a ser chamado de Plano de Contingência local ou regional, a depender da abrangência.
Ou seja, para o caso do Nordeste, por exemplo, o acionamento de um PEI não é viável, visto que a área de abrangência do acidente foi todo o litoral nordestino e ainda que não se conhece, por hora, o empreendimento ou atividade fonte, responsável pelo acidente. O PEI, como o nome já diz, é individual; por empreendimento.
Plano de Emergência Nacional
Cabe sim, sem dúvida, o acionamento do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional – PNC, instituído em 2013 pelo Decreto n.º 8.127/13. Com este plano, visou-se fixar responsabilidades, estabelecer estrutura organizacional e definir diretrizes, procedimentos e ações, que permitam a atuação coordenada de órgãos da administração pública e entidades públicas e privadas para ampliar a capacidade de resposta em incidentes de poluição por óleo que possam afetar as águas sob jurisdição nacional, e minimizar danos ambientais e evitar prejuízos para a saúde pública.
Em resumo, o Plano serve para mostrar, passo a passo, como o conjunto de entidades públicas e privadas que integram sua estrutura organizacional ou que, de alguma forma, tem relação com ao acidente, devem agir no menor tempo possível para que os danos sociais e ambientais de um acidente com óleo nas águas sejam minimizados ao máximo.
É definido no Decreto, art. 15, parágrafo único, que ao constatar o risco de toque de óleo na costa brasileira, o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (integrante da estrutura organizacional do PNC) deverá comunicar de imediato o fato aos órgãos estaduais do Meio Ambiente de cada um dos Estados potencialmente afetados, e ao representante do Ministério da Saúde no Comitê de Suporte (também integrante da estrutura organizacional do PNC), para adoção das medidas necessárias à proteção da saúde humana.
Ações da União frente ao desastre
Voltando ao caso do Nordeste, não vimos ações do Ministério da Saúde de modo a impedir o contato de pessoas com óleo pelo menos durante os primeiros 40 dias de desastre, ou seja, não houve aplicação deste artigo do Decreto do PNC. E isto é só um exemplo!
Frente ao que se considerou inércia do Governo Federal, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública – ACP em desfavor da União, por conta da não implementação do que prevê o PNC.
Em determinado parágrafo, o MPF diz que a UNIÃO, embora figure como Autoridade Nacional, insiste em não implementar o “Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional – PNC”, à luz do Decreto n.º 8.127/2013 e da Lei n.º 9.966/2000, limitando-se a fazer limpeza de praias, a passos lentos, e prosseguindo em sua omissão de não adotar medidas protetivas às áreas sensíveis, mesmo já tendo sido impactadas, como se o Brasil não estivesse preparado para lidar com situações dessa gravidade.
A União, por sua vez, argumenta que o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (composto por Ibama, Marinha e ANP) acionou sim o PNC e ainda que comunicou à mesma em 06 de outubro que a Marinha seria a coordenadora operacional do Plano. Discorreu ainda sobre todas as ações que tomou, quase todas pela Marinha, desde o início de setembro.
Por fim, indica que este acidente é sem precedentes e usa isto como premissa para sua lenta atuação. Mas será que é mesmo inédito? Digo logo que não. Há exemplos de acidentes com petróleo no EUA, Tobago, Angola, África do Sul, França, Itália, Canadá, País de Gales e Espanha. Ah! E no Brasil também, especificamente no Paraná e no Rio de Janeiro.
Chama atenção que a Marina se tronou coordenadora operacional do PNC apenas em 06/10, mais de 30 dias após o primeiro avistamento de óleo já nas areias. E ainda que o Grupo de Acompanhamento e Avaliação demorou (se é que o fez) para informar aos órgãos responsáveis sobre o imenso contato entre a população nordestina e o petróleo atracado, como mencionado.
Questões ainda sem respostas
Pelas alegações constantes nos autos da ACP mencionada, aparentemente a União não sabe bem então no que consiste o PNC; afinal, se este foi instaurado, por que o petróleo chega à praia há mais de 60 dias, causando danos à fauna e flora marítima e costeira? Por que as pessoas continuam sujeitas a entrar em contato com óleo desde 30 de agosto, data de início do avistamento das manchas, até agora? Não podemos olvidar que um dos objetivos precípuos do Plano é minimizar danos ambientais e evitar prejuízos para a saúde pública e me parece que a única preocupação da União é apontar o dedo para um culpado.
Dentre as diversas ações que comumente são tomadas quando há derramamento de óleo no mar, como houve no Golfo do México em 2010, está o controle da liberação e do espalhamento do óleo; o impedimento do contato entre a vida marinha e as áreas com concentração de óleo; a captura e reabilitação de animais contaminados por óleo (sim, os animais se contaminam, incluindo os peixes), para posterior soltura; remoção física do óleo; degradação in situ, etc. Um dos principais objetivos destas ações deve ser manter o óleo longe da costa. Ações que foram tomadas aparentemente de forma incipiente pela União.
Para mais informações sobre o andamento deste desastre que parece não ter fim, é possível acessar o endereço eletrônico em que o IBAMA apresenta tudo que tem.
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