A definição de qualidade, segundo a International Standardization Organization, é a adequação e conformidade de requisitos que a norma e os clientes estabelecem. E esse conceito também se aplica para biomassas, sobretudo as lenhosas, a exemplo da madeira.
A madeira possui diversos mercados consumidores e a indústria de celulose e papel é, sem dúvidas, um dos mais desenvolvidos do setor florestal. Segundo o Fortune Business Insights, em 2018 o mercado global de celulose e papel foi avaliado em US $219 bilhões e as projeções indicam que pode chegar a US $305 bilhões, em 2026 (CAGR de 4,2%).
E nesse momento, você deve estar se questionando sobre os efeitos da crise (ou das sobreposições das crises) no setor de celulose e papel. Pois bem, a pandemia catalisou tendências globais, com impactos estruturais e permanentes em diversas áreas. No setor de celulose e papel, a pandemia causou impactos temporários (demanda e oferta de produtos) e acelerou mudanças estruturais. De acordo com João Cordeiro e Manoel Neves da Pöyry (Revista O Papel), a produção de celulose de mercado no Brasil deve superar os 20 milhões de toneladas, ainda esse ano (2020). Além disso, a produção de celulose solúvel de eucalipto tende a crescer significativamente nos próximos anos. E com esse cenário, a qualidade da madeira tem sido cada vez mais discutida e ganhado destaque em muitas pesquisas, embora ainda seja um grande desafio para as empresas que trabalham com produtos florestais, por isso, principal objeto de estudo de importantes pesquisadores, sobretudo os da área de celulose e papel.
Dessa forma, a fim de esclarecer um pouco mais sobre o impacto da qualidade da madeira para celulose e papel, a Drª Maria Fernanda Vieira Rocha, especialista em tecnologia da madeira da empresa Bracell, foi convidada pela equipe do Mata Nativa para falar um pouco sobre essa temática em um contexto industrial.
Entrevista com Maria Fernanda: qualidade da madeira para celulose e papel
Mata Nativa: Maria Fernanda, no Brasil, as duas principais fontes de madeira utilizadas para a produção de celulose são as árvores plantadas de pinus e de eucalipto, responsáveis por mais de 98% do volume produzido. A celulose também pode ser obtida de outros tipos de plantas, não-madeiras, como o bambu, babaçu, sisal e resíduos agrícolas (bagaço de cana-de-açúcar), embora não comum no país. A Bracell se destaca como uma das maiores produtoras mundiais de celulose solúvel e celulose especial no mundo. A qualidade da madeira para produção de celulose solúvel é um grande desafio?
Maria Fernanda: Sim, e esse desafio é constante, pois a produção de celulose solúvel exige características específicas da madeira, que variam tanto em função do material genético até o tipo de manejo aplicado ao plantio florestal. Entender como ocorre a interação genótipo x fenótipo e como essa interação interfere na qualidade da madeira, com certeza é um dos nossos maiores desafios.
Mata Nativa: E a madeira de eucalipto, tem se destacado dentre as demais para esse fim?
Maria Fernanda: Sim, o eucalipto, devido à sua adaptabilidade a condições edafoclimáticas diversas, taxa de crescimento e produtividade vem se destacando no setor florestal e não é diferente para a Bracell. O eucalipto vem apresentando uma ótima capacidade em atender os requisitos para a fabricação dos nossos produtos.
Mata Nativa: Há diversos critérios que podem ser analisados para se avaliar a qualidade da madeira, principalmente os relacionados as propriedades físicas, químicas e anatômicas. No entanto, essas propriedades quando analisadas demandam tempo e mão de obra, o que de certa forma, torna-se um custo ao final do processo. Atualmente com a transformação digital, novas técnicas estão sendo incorporadas no sistema de análises de variáveis? Você pode falar e explicar como funcionam essas novas técnicas e quais as variáveis (da madeira) têm apresentado melhores métricas na avaliação?
Maria Fernanda: Sim. Novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para nos dar suporte nas análises e caracterização da madeira. Os métodos não destrutivos vêm se tornando uma importante alternativa para predições das características da madeira devido a sua alta precisão e a facilidade na obtenção dos dados. Existem várias técnicas já utilizadas no nosso setor, como o Resistógrafo, Pilodyn, Ressonância, Tomografia computadorizada, Espectroscopia no Infravermelho Próximo (NIR) entre outros. O NIR consiste de uma técnica instrumental analítica que se baseia nas propriedades de absorção e emissão de energia eletromagnética das moléculas em regiões do espectro eletromagnético. Para essas análises, basicamente calibramos um modelo, utilizando os métodos destrutivos correlacionados com os espectros, e depois conseguimos predizer com alta precisão diversas propriedades da madeira. Temos trabalhado muito com o NIR aqui na Bracell-BA e as propriedades da madeira que estimamos com maior precisão são densidade básica, composição química e algumas propriedades da polpa.
Mata Nativa: Maria Fernanda, quando o assunto é material genético, verificamos que há alguns anos atrás, o desenvolvimento de clones de espécies do gênero Corymbia, foi descontinuado em razão do grande sucesso alcançado por híbridos, como E. urophylla x E. grandis. Recentemente, híbridos do gênero Corymbia voltaram a despertar interesse. Espécies do gênero Corymbia também deve ser uma aposta para o setor de celulose e papel?
Maria Fernanda: Com certeza, principalmente considerando os programas de melhoramento genético, uma vez que algumas espécies do gênero apresentam uma boa densidade básica, são tolerantes à seca e resistentes aos estresses bióticos, podendo contribuir no desenvolvimento de materiais genéticos potenciais para o setor.
Mata Nativa: Para finalizar, baseado na sua experiência na área de qualidade da madeira, o que você acredita que pode contribuir mais significativamente com a melhoria de processo? Como por exemplo, mudanças nas análises (torná-las mais rápidas), critérios mais robustos (seleção daquelas variáveis que mais influenciam na produção), implementação de novas tecnologias, mão de obra especializada, novos projetos de melhoria de qualidade, etc.
Maria Fernanda: Hoje a demanda das empresas é por plantios homogêneos, com alta produtividade e menor variação das propriedades da madeira, garantindo a qualidade do produto final. O maior desafio está em tentar entender como as condições de crescimento interferem na qualidade da madeira e muitas vezes acompanhar esse material, coletar discos e realizar todas as análises necessárias acaba sendo um processo longo e com alto custo. A Espectroscopia no Infravermelho Próximo (NIR) vem sendo uma ferramenta muito utilizada no nosso setor, pois possibilita a realização de análises qualitativas e quantitativas de diversas propriedades da madeira, de forma precisa, rápida, com mínima preparação de amostras, baixo custo e alta precisão. Com uma mesma amostra retirada podemos estimar diversas propriedades da madeira. Vejo que a busca por alternativas rápidas e precisas e a utilização de ferramentas estatísticas adequadas para obtermos uma maior precisão e agilidade na determinação da qualidade da madeira são primordiais no nosso setor.
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