O sagui-da-serra-escuro
O sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita) é um pequeno primata brasileiro facilmente identificável, notável por sua face branca, que lembra um pequeno crânio, fazendo com que também seja conhecido como sagui-caveirinha. A coloração do corpo é basicamente negra, podendo ser salpicada de vermelho ou ter manchas ruivas. Possui tufos de pelos brancos saindo das orelhas e uma faixa ocre no topo da cabeça. Apesar de ser o maior representante do gênero Callithrix, tem aproximadamente 420g.
A espécie só ocorre naturalmente na Mata Atlântica, encontrada principalmente em cadeias montanhosas da região Sudeste, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Seu limite norte de distribuição é a região norte do Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais, não ultrapassando a margem norte do rio Doce. O limite sul não é bem definido, mas a espécie parece ocorrer até junção entre os rios Tietê e Piracicaba, em São Paulo. Ainda no interior de São Paulo, alcança a região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado, onde habita matas ciliares e cerradões.
Ocorre ao longo de uma ampla variação altitudinal, de 80 a 1.750m acima do nível do mar, e está entre os membros do gênero Callithrix que habitam condições climáticas mais extremas, suportando temperaturas inferiores a 0°C. Estas condições parecem ter papel importante em seu padrão de ocupação de habitats, sendo encontrado preferencialmente acima de 800m, fazendo jus a seu nome popular, sagui-da-serra-escuro.
Com grande plasticidade ecológica, habita áreas marginais de florestas estacionais semideciduais e florestas ombrófilas densas, conservadas ou não, sendo capaz de persistir em pequenos fragmentos. Pode preferir florestas secundárias, repletas de bambus e lianas, que oferecem abrigo e grande disponibilidade de alimento. O sagui-caveirinha alimenta-se principalmente de insetos e frutos, como também de exsudados de plantas, como seiva, goma, resinas e látex, e até de fungos encontrados em bambus.
Estes saguis vivem em grupos compostos por dois a 11 indivíduos, com infantes, jovens, e, por vezes, mais de um par de adultos. Normalmente, há apenas um casal reprodutivo por grupo, mas podem haver mais indivíduos se reproduzindo. A reprodução concentra-se de setembro a novembro, quando há fartura de alimento, principalmente insetos, mas pode acontecer duas vezes ao ano, com intervalos de cinco a seis meses entre os nascimentos.
A reprodução é muito custosa às fêmeas reprodutivas, que geram gêmeos com até 20% do peso de adultos. Então, como forma de minimizar o gasto de energia e aumentar a sobrevivência da prole, elas contam com o auxílio de outros membros do grupo, irmãos mais velhos e adultos não-reprodutivos, de ambos os sexos, que carregam os filhotes enquanto não estão sendo amamentados.
Possuindo pequeno porte e capacidade de manipular bem os alimentos, os saguis nem sempre ingerem sementes de frutos, dispensando-as intactas, além de conseguirem transpor defesas químicas das plantas que outros animais, como aves, não conseguem. Assim, consumindo mais de 100 espécies diferentes de frutos e percorrendo longas distâncias diariamente, apresentam um grande potencial dispersor de sementes. E na ausência de mamíferos de médio e grande porte nos habitats, besouros coprófagos podem utilizar fezes dos saguis, mantendo populações estáveis. Portanto, estes primatas tem se demonstrado importantes na continuidade das interações ecológicas em áreas defaunadas, comuns na Mata Atlântica.
Espécie em perigo
Apesar de sua importância ecológica e de seu carisma, Callithrix aurita está em perigo de extinção nos estados de Minas Gerais e São Paulo, vulnerável no Rio de Janeiro, além de em perigo em nível nacional e global. É considerado um dos 25 primatas mais ameaçados de extinção do mundo. Entre os principais vetores estão a perda e a fragmentação de habitats em função da agricultura, da agropecuária, da expansão urbana, de incêndios florestais, e a introdução/invasão de espécies de sagui exóticas, bem como a febre-amarela, que recentemente dizimou indivíduos de primatas na natureza.
Por ser dependente de ambientes florestais e endêmica da Mata Atlântica, a ameaça a C. aurita é um reflexo da destruição do bioma. A população total de adultos da espécie é estimada em 10.000 indivíduos, tendendo ao declínio. Suspeita-se da redução de mais de 50% nas populações de C. aurita durante as últimas três gerações em função da perda de 43% de sua área de ocupação, e é possível que nenhuma população individual seja viável a longo prazo.
A degradação dos habitats também favorece o estabelecimento de espécies de saguis exóticas, introduzidas na área de distribuição de C. aurita principalmente pelo tráfico de animais silvestres. Trazidas de biomas mais quentes e secos, como Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica da região Nordeste, são mais aptas em explorar determinados recursos em tempos de escassez, possuindo grande capacidade invasiva. O sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata), e o sagui-de-tufos-brancos, (Callithrix jacchus), já se encontram amplamente distribuídas na extensão de ocorrência do sagui-da-serra-escuro, inclusive em áreas protegidas, onde, além de competirem por recursos, cruzam com indivíduos de C. aurita, gerando híbridos férteis e deteriorando a genética da espécie.
Perspectivas de conservação
A ocorrência de saguis invasores na área de ocorrência natural de Callithrix aurita é alarmante, pois em sinergia com a ameaça da perda de habitats, potencializa o risco de extinção que a espécie corre. Isso cria a necessidade imediata de esforços para entender a dinâmica ecológica entre os saguis nativos e invasores, como competição por território e alimentos, competição sexual e hibridação, como também diferenças de adaptação entre as espécies no cenário geográfico atual.
No Brasil, como iniciativa para a conservação de espécies ameaçadas de extinção, são elaborados os chamados Planos de Ação Nacional (PAN). Assim, foi redigido o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e da Preguiça-de-Coleira (PAN PPMA), que abrange 13 espécies nativas do bioma, incluindo o sagui-da-serra-escuro e o sagui-da-serra (Callithrix flaviceps). E recentemente, como já mencionado, Callithrix aurita foi incluído na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, atraindo a atenção de instituições nacionais e internacionais para a sua conservação.
O Programa de Conservação dos Saguis-da-serra (PCSS) vem trabalhando com o auxílio de diversos pesquisadores e instituições para colocar em prática as ações previstas pelo PAN PPMA. Neste sentido, estão sendo elaborados guias, protocolos e chaves de decisão para nortear estudos e pesquisas com C. aurita e C. flaviceps. Uma das ações motivadas por esta iniciativa internacional, foi a criação do Centro de Conservação dos Saguis-da-serra na Universidade Federal de Viçosa (CCSS-UFV), que é o primeiro centro de primatologia no mundo direcionado exclusivamente para desenvolver atividades tanto in situ quanto ex situ em prol da conservação de ambos os saguis-da-serra.
Referências bibliográficas
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