Queridos leitores, o texto deste mês veio um pouco diferente dos últimos que trouxe. Voltando às minhas raízes aguerridas, resolvi escrever para, com base em argumentação, pugnar pela inclusão da valoração ambiental nos processos de licenciamento ambiental de forma preventiva. Ao final do texto, me digam o que vocês acham da tese desenvolvida.
Não vou me alongar versando sobre o conceito de valoração ambiental, pois já há ótimos textos neste blog sobre o assunto[1][2]. Em suma, é um instrumento que permite valorar produto e serviço ambiental, cujo uso pode ser direto, indireto ou de opção, ou ainda pode não haver uso, sendo então o valor considerado de existência do bem natural em si. É possível também valorar os danos causados ao meio ambiente, o que é comumente utilizado em ações de reparação de danos (esfera cível) para instituição de indenização pecuniária ao poluidor ou degradador. Ou seja, é empregado de forma corretiva.
Para entendermos melhor, eu gosto sempre de usar exemplos. O valor de uso direto seria, por exemplo, o valor de produtos comercializáveis como madeira, fármacos, alimentos, água, minerais, etc. O valor de uso indireto é relativo aquilo que não é palpável por ser um serviço prestado pela natureza, como a fixação de carbono, a conservação do solo e o ciclo da água. Já o valor de opção está ligado à possibilidade de futuro, como a existência de banco in natura com informações genéticas de espécies (banco de germoplasma). Por fim, o valor de existência é algo mais idílico, como o valor de uma paisagem marcante, tipo o do Pão de Açúcar.
Bem, a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA, Lei n.º 6.938/81 traz, no art. 9º, seus instrumentos legais, entre os quais, no inciso XIII estão instituídos os instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. Sabe-se que os instrumentos são as ferramentas através das quais se pretende executar a Política para atingir seus objetivos. Sendo assim, por que não utilizar a valoração ambiental de forma preventiva, como instrumento econômico de planejamento?
A meu ver, seria interessante inserir este instrumento no escopo obrigatório dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA e seus respectivos relatórios – RIMAs. Isto porque são estes os estudos prévios que embasam a tomada de decisão mais importantes do licenciamento: se há viabilidade ou não para determinado empreendimento em determinado local. Deste modo, o valor do bem que se impactaria com a instalação e operação do empreendimento pretendido pesaria na decisão sobre a viabilidade do mesmo. Ora, se o retorno econômico de determinado empreendimento é menor que o valor do bem ambiental que ele impacta, isto deve ser considerado.
O primeiro empreendimento que me vem à mente quando penso neste assunto é o ex-futuro autódromo de Deodoro, no Rio de Janeiro, que se pretendia (ou ainda se pretende) instalar numa área florestada de Mata Atlântica bem preservada, refúgio de espécies endêmicas e com especial papel regulador de drenagem local[3]. Me parece de extrema pertinência comparar o valor ambiental ou socioambiental da floresta do Camboatá com o valor que o Estado arrecadaria com o autódromo. Mas ressalto, não indico o uso desta ferramenta dissociada de outras já consolidadas em matéria ambiental, mas sim como reforço, um instrumento a mais, para embasar uma boa tomada de decisão.
Castro e Andrade[4], ao estudar o valor de serviços intangíveis da Amazônia, concluíram que a perda econômica gerada pelo desmatamento da Floresta Amazônica em termos de serviços ecossistêmicos intangíveis no período 1988-2014 equivaleu a aproximadamente toda a produção econômica da região Norte em 2012. Ainda na região amazônica, um estudo realizado por Strand[5] e outros calculou os valores referentes aos serviços ecossistêmicos nas diferentes regiões do Norte do Brasil e chegou a valores que variam de US$56.72/ha por ano a US$737/ha por ano.
Um outro estudo realizado no Paraná[6], em localidade inserida no bioma Mata Atlântica, trouxe um dado interessante: o custo de oportunidade calculado retornou valores que variaram de R$ 36,20/ha (US$ 14,54/ha) e R$ 189,64/ha (US$ 76,16/ha), o primeiro sem considerar a avaliação da tipologia vegetacional, e o segundo, considerando este fator.
Com dados da Embrapa de 2019 produzidos para o Estado do Mato Grosso do Sul[7], vê-se que a rentabilidade da produção de soja comum, uma das principais atividades econômicas impactantes desenvolvida nos estados inseridos na região Amazônica, tem média aproximada de R$ 420,00/ha. Sendo assim, muito aquém do valor médio dos serviços ecossistêmicos calculados para a região Norte comentados.
É preciso notar ainda que o meio ambiente é constitucionalmente um bem de uso comum de todos (art. 225), logo os valores de seus produtos e serviços podem ser usufruídos, muitas vezes, pela maioria da população. Os serviços relativos à regulação climática, produção de água, qualidade da paisagem, etc. são ótimos exemplos de socialização dos ativos naturais. Não custa lembrar também que a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, por exemplo, são patrimônios nacionais, sendo que sua utilização deve assegurar sua preservação, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225, § 4º da Constituição Federal de 1988).
Já a produção advinda de atividades econômicas costuma gerar lucro para um pequeno grupo de pessoas, aumentando a concentração de renda e a desigualdade social. Há que se ressaltar ainda que a absorção dos valores dos passivos ambientais pelo empreendedor é feita de forma incipiente no Brasil. Sendo assim, este valor é absorvido pelo Estado, seja de forma direta ou indireta.
E nada disso é considerado quando das decisões sobre a viabilidade de atividades no bojo do licenciamento ambiental.
Para possibilitar a inserção deste instrumento como obrigatório na análise de viabilidade ambiental quando do licenciamento de atividades, é bastante necessária a parametrização do mesmo. Isto porque há diferentes metodologias a serem aplicadas na obtenção do valor final que podem trazer resultados diversos, demandando maior objetividade na aplicação da ferramenta para garantir justiça e exatidão em todo o processo.
Outro ponto importante é que seria interessante a formalização da valoração como instrumento preventivo, o que pode ser feito através de edição da Resolução CONAMA específica ou através de atualização da CONAMA 01/86, que versa sobre os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Sei que há críticas quanto ao uso da valoração ambiental por ser difícil calcular o impalpável e, às vezes, considerado inclusive inestimável. Quem vai questionar que o Corcovado é inestimável ao Rio de Janeiro? Seria viável minerar este morro? Eu entendo que não. Apesar disso, acredito que a inclusão da valoração no grupo de instrumentos previstos na PNMA seria benéfica à política ambiental brasileira e ao momento de caos climático e degradação ambiental grave que vivemos.
Referências
- [1]Valoração Ambiental: o que é e para que serve. Disponível em: https://matanativa.com.br/valoracao-ambiental/.
- [2] A valoração de impactos ambientais. Disponível em: https://matanativa.com.br/valoracao-de-impactos-ambientais/
- [3] https://www.uezo.rj.gov.br/mais_noticias/2019/julho/areas-verdes-cariocas-floresta-do-camboata.html
- [4] O custo econômico do desmatamento da Floresta Amazônica brasileira (1988-2014). Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/perspectiva_economica/article/view/pe.2016.121.01/5387
- [5] Spatially explicit valuation of the Brazilian Amazon Forest’s Ecosystem Services. Disponível em: https://csr.ufmg.br/csr/wp-content/uploads/2018/11/
- [6] Valoração de serviços ambientais pela legislação agrária e florestal. Disponível em: Sustentabilidade em Debate
- [7] Viabilidade econômica da cultura da soja para a safra 2019/2020, na região centro-sul de Mato Grosso do Sul. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/200260/1/COT-251-2019.pdf
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