Quando tratamos sobre a importância da Identificação Científica de Espécies Florestais, destaquei que essa é uma das atividades mais complexas do setor florestal. Sabendo das principais finalidades de se fazer uma boa identificação, comentarei sobre 5 dicas para se tornar um identificador de espécies de sucesso.
Esses são assuntos que comumente são alvos de equívocos. Então, apresentarei os principais gargalos relacionados, juntamente com dicas de como usá-los ao seu favor, para deixar esta fase do inventário florestal menos árdua.
1- Taxonomia e Sistemas de Classificação Botânica
A humanidade sempre procurou agrupar os seres vivos conforme suas semelhanças. Inicialmente, o agrupamento era feito por caracteres morfológicos muito superficiais. Com o tempo, as classificações começaram a considerar cada vez mais características e visavam estabelecer relações de parentesco para determinar os grupos de espécies. Essas relações eram observadas, principalmente, pelos aspectos morfológicos compartilhados entre grupos de espécies.
No caso das plantas, cada proposta de agrupamento dos organismos é chamada de Sistemas de Classificação Botânica. Ao longo da história, vários sistemas foram propostos. Depois de algumas revisões, em 1988 Arthur Cronquist lançou a última versão daquele que seria um dos sistemas mais relevantes para a classificação das Angiospermas (plantas com flores). A obra descreve a organização taxonômica deste grupo, segregando as espécies conforme o grau de parentesco baseado em diversas características, sobretudo as morfológicas.
Com o avanço dos estudos moleculares e genéticos, um novo sistema foi proposto. Surge, então, o Angiosperm Phylogeny Group (APG), que se baseia nas relações filogenéticas entre os organismos para determinar sua proximidade evolutiva e delimitar os clados. Isto é, os gêneros, famílias, ordens e classes. A quarta versão deste sistema foi lançada em 2016, e, desde então, o APG IV é a forma mais eficiente e cientificamente correta de classificar as Angiospermas.
A grande questão aqui é que, por vezes, os profissionais da identificação desconhecem os princípios taxonômicos e, consequentemente, não compreendem a estrutura e funcionamento destes sistemas. Além de proporcionar o melhor entendimento das relações entre as espécies e facilitar a identificação, a utilização desta classificação é a garantia de que seu trabalho está cientificamente respaldado. Mas, qual sistema deve ser utilizado? Embora o Sistema Cronquistiano tenha sido revolucionário e muito bem elaborado, hoje ele é considerado ultrapassado. Particularmente, uso e indico o APG IV, uma vez que é o sistema mais recente e amplamente aceito pela ciência.
2- Ferramentas online
Assim como em outras áreas da ciência, os avanços na tecnologia da informação proporcionaram melhorias consideráveis na botânica e taxonomia, e, consequentemente, na identificação de espécies. Hoje, o acervo de literaturas com descrições de espécies disponível na Internet é algo colossal. O que antes era de difícil acesso, agora pode ser obtido, armazenado e compartilhado em qualquer lugar.
Essas literaturas são incontestavelmente relevantes, mas quero chamar a atenção para algumas ferramentas online que podem ser desconhecidas ou subutilizadas pelos profissionais de identificação:
Flora do Brasil 2020: A plataforma conta com o registro de 38.680 espécies de plantas nativas, cultivadas e naturalizadas. São contempladas desde Briófitas até Angiospermas, com táxons de diferentes hábitos de vida, além de Algas e Fungos. Uma das maiores facilidades disponibilizadas pela ferramenta é a correção da nomenclatura botânica, já que possui um robusto banco de dados de sinonímias, vinculadas aos nomes atualmente válidos com base no APG IV. Outra importante utilidade são os diversos filtros de busca, em que o usuário pode encontrar uma espécie selecionando informações como o grupo taxonômico, local de ocorrência, endemismo, hábito, entre outras opções.
JABOT e SpeciesLink: A primeira é voltada para a flora brasileira, e a segunda possui abrangência global, mas ambas são plataformas com registros de coleta de material botânico, sendo que boa parte possui fotografias das exsicatas. Assim, como para o Flora do Brasil, diversos filtros podem ser aplicados para pesquisar as espécies.
Gratuitas, estas plataformas são importantes meios de aprendizado sobre as espécies e auxílio na sua identificação. Existem outras plataformas pagas com serviços parecidos, mas dominar o uso destas ferramentas te tornará um profissional muito mais preparado para os desafios encontrados no campo. Garanto.
3- Termos técnicos
Compreender os termos técnicos e sua aplicação não costuma ser muito fácil em nenhuma área do conhecimento. E na botânica e na dendrologia existem uma infinidade de termos, pois imaginem a quantidade de estruturas morfológicas que as plantas possuem. Quanto maior a diversidade de espécies, maior a variação dos caracteres e, consequentemente, maior será o número de palavras para descrevê-los. As estruturas florais e foliares costumam ser as campeãs em terminologias botânicas.
É praticamente impossível aprender todos os termos técnicos, e o que eles correspondem nas plantas. Literaturas com estas informações não são escassas. De artigos com descrições das espécies, até glossários e dicionários ilustrados, a variedade de material é grande. Mas, a questão aqui é outra. A variação ou inconsistências na terminologia utilizada nas diferentes literaturas é, de longe, um dos fatores que podem causar insegurança em um identificador iniciante.
Diferentes termos podem significar coisas próximas, mas, em alguns casos, se trata de uma mesma característica. Por exemplo, “ritidoma”, “súber”, “casca externa” e “casca morta”, na prática, são termos utilizados para designar a parte externa dos tecidos de revestimento dos caules e galhos das árvores, sendo composta por uma ou mais camadas de células mortas. Essa foi uma das dificuldades que enfrentei no início. Demorei um tempo para entender quais termos são usados para uma mesma característica. Superei tal obstáculo com muita leitura de diferentes fontes, além de aplicar exaustivamente em campo, aquilo que verificava na literatura.
4- A ponte entre a literatura e o campo
Como fala o dito popular: “A prática leva à perfeição”. Mas não sejamos tão pretensiosos… Em qualquer profissão, quanto mais se trabalha, mais prática e capacidade adquirimos. Com a identificação de plantas a lógica é a mesma. Quanto mais horas/campo você tiver, quanto mais espécies você encontrar nas suas atividades, maior será seu conhecimento para novas identificações. E então o seu trabalho começa a ficar fluido, e com o tempo tudo acontece de maneira quase instintiva.
O problema é que muitas vezes nós tendemos a utilizar o mesmo modelo de aprendizado da academia para compreendermos essa temática tão complexa. Essa falha é comum, principalmente em início de carreira – falo por conhecimento de causa. Na academia somos induzidos a “acreditar” que a realidade pode ser completamente retratada pela literatura. E é aí que as falhas acontecem, pois sabemos que a verdade não é bem essa. Principalmente por trabalharmos com organismos vivos, a literatura sempre vai conter alguma limitação em descrevê-los.
Aprendi com muitos equívocos uma dica importante que eu sempre dou: “Não vá a campo acreditando que a realidade das espécies é exatamente aquilo que está retratado na literatura”. Uma virtude que um bom identificador precisa ter é a curiosidade. Sempre desconfie: “Mas e se não for essa espécie?”, pois talvez não seja. Por isso, temos que ser cautelosos ao aplicar em campo o que aprendemos na literatura.
Outro dia mesmo estava tentando identificar uma espécie, tomei uma chave dicotômica apresentada em um artigo, e lá fui eu… Corri a chave e cheguei na espécie. Ótimo! Espécie identificada, fui conferir a descrição. Eis, então, que o tamanho das estípulas não conferia. O que fazer? Para essa pergunta não existe um roteiro infalível. Para mim, o primeiro passo é conferir nas demais espécies do grupo, a característica divergente, para se verificar a possibilidade de ser outra espécie. Mas uma coisa que precisamos ter sempre em mente é que as plantas podem apresentar a chamada plasticidade fenotípica, ou morfológica. Isso quer dizer que uma mesma espécie pode apresentar diferenças no seu aspecto, a depender do ambiente em que se desenvolve, afetando os órgãos vegetativos, principalmente. Sem a literatura, o processo de identificação não é possível, mas não se baseie somente no que você lê. Com o tempo, a sua percepção vai aumentando, e o seu olhar vai ficando cada vez mais clínico. Por isso, a cada ida ao campo, você será um identificador melhor.
5- A megabiodiversidade brasileira
O Brasil é um dos países de maior biodiversidade do planeta, com milhares de espécies endêmicas. E, para a flora, essa realidade é a mesma. O que é motivo de fascínio, também é o que nos aflige. Já imaginou ser um identificador de espécies em um dos países com maior riqueza de plantas? Pense em realizar um inventário na Mata Atlântica que, a depender do estágio sucessional e do grau de preservação, pode apresentar um número de espécies na casa dos três dígitos. Como identificar todas estas espécies?
É preciso entender e aceitar que o identificador, por melhor que ele seja, raramente conhecerá todas as espécies, principalmente em um ecossistema tão diverso. Então, o que se espera deste profissional é que ele tenha a tão importante curiosidade para investigar as possibilidades. Além disso, o uso correto das ferramentas online que mencionamos e um apoio robusto nas literaturas botânicas são alicerces desejáveis para se tornar um profissional de competência ímpar.
Realmente, para ser um bom identificador em um país que inclui seis biomas com características únicas, e que somam mais de 18.000 espécies vegetais endêmicas, é preciso ter coragem e se dedicar muito a conhecer toda essa riqueza. Outro fator, que se soma ao grande número de espécies, é a semelhança morfológicas que muitas espécies apresentam entre si, principalmente quando observadas vegetativamente. Em alguns casos, gêneros inteiros, ou até mesmo famílias, podem compartilhar características que vão tornar o trabalho do identificador ainda mais complexo. É o caso da família Myrtaceae, e dos gêneros arbóreos Erythroxylum P.Browne (Erythroxylaceae), Ocotea Aubl. (Lauraceae) e Senegalia Raf. (Fabaceae).
A grande verdade é que não há segredo, e nem existe uma fórmula mágica. A identificação botânica, embora fascinante, não é uma tarefa simples, mas que com prática e com uso pleno das ferramentas disponíveis, pode ser menos complicada do que você imagina.
E agora, se sente mais confiante para ingressar nesse campo de trabalho? Deixe nos comentários o que você achou do conteúdo, dúvidas e sugestões para novos temas relacionados a identificação botânica. Assine também nossa Newsletter!
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