Caros leitores, cá estou eu, novamente, para falar-lhes sobre as ações do Ministério do Meio Ambiente. O alvo, desta vez, foram os manguezais e as restingas. Antes de entrar na explicação do que aconteceu, como de costume, vou falar um pouco sobre estas duas fitofisionomias e outras coisinhas mais.
O que é manguezal?
Segundo o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade – ICMBio, o termo manguezal é usado para descrever o ecossistema que ocorre na faixa litorânea, na zona de encontro entre rios e mares (estuário), em que a água é salobra ou salina. Este ecossistema é composto por comunidades de fauna e flora adaptadas ao alagamento, ao sedimento inconsolidado e à alta salinidade e ainda carrega em si a função de proteger a costa contra erosão.
O leitor que é de cidade litorânea (exceto no Rio Grande do Sul, que não tem feições típicas de mangue) certamente já viu a beleza do manguezal e consumiu seus produtos, como o caranguejo, o aratu, o siri de mangue e outros crustáceos.
O manguezal apresenta três setores distintos, chamados de lavado, bosque de mangue, ou simplesmente mangue, e apicum, também denominado salgado ou planície hipersalina. Este é o mais interessante, pois esta é uma feição muitas vezes desprovida de vegetação arbórea. O nosso nada glorioso Código Florestal criou, inclusive, uma flexibilização para o uso “sustentável” desta feição. Uma atrocidade, sinceramente. Isto porque o art. 11-A, parágrafo 1º desta lei indica que pode haver uso dos apicuns e salgados para a atividade de carcinicultura (cultura de camarão).
Ora, eu já escrevi sobre isso aqui no blog e repito, se o próprio Código entende que o manguezal como um todo é APP, que carcinicultra não é atividade de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, como pode ele mesmo liberar esta atividade do apicum, que é uma feição do manguezal? E dizem que o Brasil protege o meio ambiente!
O que é restinga?
Já a restinga, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, é formada por comunidades vegetais que recebem influência direta das águas do mar e se desenvolvem sobre solo arenoso. Nesta, encontram-se feições de vários portes, desde pequenas ervas que ocorrem predominantemente próximo ao mar, até árvores, que foram as matas de restingas. A grande importância desta fitofisionomia está na sua capacidade de fixar dunas. Nestas, inclusive, há ocorrência de Schinus terebinthifolius Radd, árvore conhecida por seu produto valoroso: a pimenta rosa.
É inegável a importância ecológica e social destes dois ambientes e de suas fauna e flora associadas.
Pois bem, neste mês de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, presidido pelo Ministro Ricardo Salles, resolveu pela revogação da Resolução n.º 303/02, entre outras, que dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente.
O que é o CONAMA?
O CONAMA é um órgão do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, instituído pela Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, Lei n.º 6.938/81. Dentre suas competências, está a de estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos (Decreto n.º 99.274/90, art. 7º, inciso VI). As Resoluções são atos administrativos em que constam estas normas estabelecidas pelo Conselho; juridicamente, elas têm a função de esmiuçar previsões legais e não podem inovar o ordenamento jurídico.
A Resolução 303/02 foi publicada com base no Código Florestal de 1965, Lei de n.º 4.771, que, em seu art. 3º indicava a possibilidade do Poder Público (assim mesmo, de forma abrangente) ampliar as áreas consideradas de preservação permanente no texto legal, dentro dos critérios estabelecidos no artigo. Com base nisso, tem-se o art. 3º da CONAMA citada que institui diversas áreas como de preservação permanente, inovando no inciso IX, letra a, que trata justamente das restingas; e no inciso X, que trata dos manguezais.
Inovou porque trouxe áreas de preservação permanente não previstas no art. 3º da Lei 4.771/65 e continuou inovando em relação à Lei n.º 12.651 no que diz respeito às restingas.
Quais foram as mudanças nas regras?
Com a revogação Lei n.º 4.771/65 pelo Código de 2012, a possibilidade de definir áreas de preservação permanente para além do posto no texto legal passou a ser exclusiva do Chefe do Poder Executivo, conforme art. 6º. Assim, apenas por Decreto do Presidente é possível ampliar, dentro dos limites legais, áreas consideradas de preservação permanente.
Foi a este aspecto jurídico que se apegou o Conselho, esvaído de participação social, diga-se de passagem, para embasar a revogação da Resolução. Eu nem acredito que vou digitar isso, mas… eu concordo com esta revogação. A minha inconformidade permanece com a Lei n.º 12.651/12, mas eu não considero pertinente nos apegarmos a uma norma frágil, já que ilegítima em sua competência, para que possamos proteger o meio ambiente. Sim, o MMA está tocando uma agenda de destruição ambiental, mas isso não tira a necessidade de revogação da 303/02.
Muitos julgados, inclusive, já consideravam a inconstitucionalidade da CONAMA 303 após a revogação do Código de 65. Trago à discussão, a Ação Civil Pública – ACP impetrada pelo Ministério Público de São Paulo em desfavor da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb. Entre decisões a favor e contrárias a aplicação da norma, chama atenção quando é dito que nem mesmo à vigência da Lei n.º 4.771, poderia a Resolução ter criado definição de APP para além do disposto no art. 3º daquela, pois a esta não é dada a chance de inovar.
Insta destacar que se o Governo Federal quisesse, de fato, proteger o meio ambiente e acabar com esta celeuma, bastava o Presidente da República editar um Decreto com regras melhores que as da CONAMA revogada, seguindo o disposto no já mencionado art. 6º do novo Código Florestal. A verdade é que ele não quer. Não quer proteger manguezais ou restingas, não quer combater queimadas criminosas, não quer diminuir desmatamento na Amazônia, não quer acabar com o garimpo ilegal e está usando de todos os meios para atingir seu objetivo. Bom, está conseguindo. Destruição de 50 anos em 5.
Como fica a revogação da resolução CONAMA 303/02?
No momento que escrevo este texto, a revogação da Resolução CONAMA 303/02 está suspensa por liminar emitida pela justiça do Rio de Janeiro, o que indica que esta situação ainda vai dar pano pra manga. Sigam nossas redes sociais para mais informações!
__________ xxx __________